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sábado, 27 de março de 2010

CAPITÃES DA AREIA

Este ano de 1987 "Capitães da Areia", de Jorge Amado, inteirou cinqüenta anos, publicado que foi em 1937. Livro que pouca gente leu, pois neste país número reduzidíssimo lê cousas sérias, úteis, decentes. Machado de Assis vale como ilustre desconhecido. Muito citado, e citado mal, o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras vive nas bibliotecas públicas e raras particulares sem leitores e consultores.

A Bahia passou uma semana revivendo as páginas candentes de "Capitães da Areia", analisando problemas e sensibilizando a sociedade para o drama dos menores abandonados - personagens de Jorge Amado nessa obra-lição. Estudaram-se temas que o escritor insinua como o direito da criança ao respeito, a criança e o direito da pessoa humana, a visão cristã do menor, a questão social do menor - e outros, em conferências pronunciadas por gente de sopapo, da espécie de Dalmo Dallari e Marcos Villaça.

Convém transcrever a mensagem de Jorge Amado sobre "Capitães da Areia", a criatura na expressão clara do criador e que faz corar os que têm vergonha na cara. Leiamos, mão na consciência, a ver a quem pertence a culpa neganda: "Os molecotes atrevidos, o olhar vivo, o gesto rápido, a gíria de malandro, os rostos chupados de fome, vos pedirão esmola. Praticam também pequenos furtos. Há 50 anos escrevi um romance sobre eles. Os conheci naquela época, são hoje homens, malandros do cais, com cachaça e violão, operários de fábrica, ladrões fichados na Polícia, mas os Capitães da Areia continuam a existir, enchendo as ruas, dormindo ao léu. Não são um bando surgindo ao acaso, coisa passageira na vida da cidade. É um fenômeno permanente, nascido da fome que se abate sobre as classes pobres. Aumenta diariamente o número de crianças abandonadas. Os jornais noticiam constantes malfeitos desses que têm como único corretivo as surras na Polícia, os maus tratos sucessivos. Parecem pequenos ratos agressivos, sem medo de coisa alguma, de choro fácil e falso, de inteligência ativíssima, soltos de língua, conhecendo todas as misérias do mundo numa época em que as crianças ricas ainda criam cachos e pensam que os filhos vêm de Paris no bico de uma cegonha.

Triste espetáculo das ruas da Bahia, os Capitães da Areia. Nada existe que eu ame com tão profundo amor quanto estes pequenos vagabundos, ladrões de onze anos, assaltantes infantis, que os pais tiveram de abandonar por não ter como alimentá-lo. Vivem pelo areal do cais, por sob as pontes, nas portas dos casarões, pedem esmola, fazem recados, agora conduzem turistas ao mangue. São vítimas, um problema que a caridade dos bons de coração não resolve. Que adiantam os orfanatos para quinze ou vinte? Que adiantam as colônias agrícolas para meia dúzia? Os Capitães da Areia continuam a existir. Crescem e vão embora mas já muitos outros tomaram os lugares vagos. Só matando a fome dos pais pode-se arrancar à sua desgraçada vida essas crianças sem infância, sem brinquedos, sem carinhos maternais, sem escola, sem lar e sem comida. Os Capitães da Areia esfomeados e intrépidos!".    


A. TITO FILHO, 07/11/1987, JORNAL O DIA

sábado, 20 de março de 2010

OS DOIS REGIMES

Para mim, todos os regimes de Governo são bons, desde que os homens tenham asseio moral e competência para o desempenho de suas funções. Só não prestam as ditaduras - e estas não constituem regime político, mas aberração. Agora se diz que o presidencialismo brasileiro nunca prestou, tem sido de muita instabilidade. Renunciou Deodoro. Assumiu Floriano, que enfrentou duas revoluções. No Governo Prudente houve Canudos. Revolta contra a vacina no tempo de Rodrigues Alves. O presidente Hermes enfrentou agitações. Chegaria a época do tenentismo. Revolta do Forte de Copacabana. Coluna Prestes. Derribada de Washington Luís. Até 1930, os eleitos governavam todo o mandato, com exceção do que morreu presidente, Afonso Pena. A bagunça generalizada começou com o golpe de 30. Getúlio passou 15 anos, de rasteira em rasteira. Caiu em 1945. Governo de transição. Em seguida, Dutra, e novamente Getúlio, morto com as próprias mãos no Catete. Assumiu Café Filho, golpeado. Carlos Luz também. Nereu Ramos encarregou-se de transmitir o cargo a JK. Reino do renunciador Jânio. Vice Goulart na chefia, casuísmo parlamentarista, plebiscito, retorno ao presidencialismo, queda do presidente. Vinte anos de severa ditadura. Morte de Tancredo, o maranhense Sarney na crista da onda, ainda no lugar. e no regime parlamentar do Império? Dom Pedro sagrou-se imperador a 1-12-1822. Um ano depois, dissolveu a Constituinte, prendeu deputados, e acabou outorgando a Carta Magna. Em 1824, a Confederação do Equador. Correm os anos. Noites das Garrafadas. Abdicação. Regências. Revolução de Miguel de Farias. Abrilada. Cabanagem. Guerra dos Farrapos, revoltas no Pará. República de Piratini. Sabinada. Invasão de Santa Catarina. Balaiada. Maioridade de Pedro II. Revoltas em Minas e São Paulo. Praieira de Pernambuco. Questão religiosa e prisão dos bispos. Libertação dos escravos em 1888. Queda do Império. Expatriamento do monarca e da família imperial.

Não se fizeram referências a guerras no exterior, nem a revoltazinhas internas como as duas contra Juscelino e até uma no Piauí chefiada pelo cabo Amador, do Exército nacional.

Pedro II passou 49 anos como imperador do Brasil. Até 1930, os presidentes cumpriram os mandatos respectivos. A geral confusão, com três ditaduras violentas, teve início depois da queda de Washington Luís: de 1930 a 1934 (ditadura Vargas), de 1937 a 1945 (Estado Novo - cruel ditadura getuliana), 1964 a 1984, terrível regime militar.

O Parlamentarismo vigora na Europa, na Ásia, em alguns países africanos e alguns americanos com excelentes resultados e forte estabilidade. O presidencialismo participa mais das Américas, sobretudo a do Sul, em que o presidente tem mais poderes pessoais do que vários sobas africanos. No Brasil, em matéria de regime, parlamentarismo ou presidencialismo, no momento, qualquer que seja adotado será regime vicioso e viciado, pois os políticos são os mesmos em cada um deles.

A. Tito Filho, 03 de dezembro de 1987, Jornal O Dia

sexta-feira, 12 de março de 2010

Jorge Velho

Um documento transcrito por Pereira da Costa afirma que Domingos Jorge Velho e seus soldados haviam erigido para morada e habitação o rio Potingh, que quer dizer rio ou água dos camarões, e o rio Parnaíba, e neles tinham feito suas povoações, com suas criações e lavouras.

E mais: que eles desceram para a guerra dos Palmares, largando terras, povoações, criações e lavouras.

Barbosa Lima Sobrinho contraria o documento para dizer: “Todavia, a documentação da época vem, uniformemente, afirmar que, em 1687, Domingos Jorge Velho e sua gente foram de São Paulo para os Palmares”. E passa a citar documentos:

a) patente de governador de um terço de infantaria passada a favor de Domingos Jorge Velho, que vai à conquista dos bárbaros do Rio Grande. Documento de 1688, imediato aos fatos arguidos.

b) o governo geral destacava que, para a Velho se abalou da Vila de São Paulo.

c) Domingos Jorge Velho encontrava-se pelejando nos Palmares em meados de 1692. A fase final da luta foi em 1696.”

Pondera Barbosa Lima Sobrinho:

“Domingos Jorge Velho não se afastou mais das habitações que levantaria para maior segurança de sua missão guerreira.

Estabeleceu-se com arraial na região em que existe, atualmente, a cidade de Atalaia, à margem esquerda do rio Parnaíba, no Estado de Alagoas.

Há notícias de que vivia ainda em 1702. Sua morte deve ter ocorrido entre esse ano e o de 1704”.

Barbosa Lima Sobrinho anota depoimento segundo os quais Domingos Jorge Velho partiu de São Paulo para os Palmares, e não do Piauí: 1) trecho de carta de Matias da Cunha, governador-geral do Brasil, de 13/10/1688, 2) carta do governador-geral dom Manuel da Ressurreição, 3) patente em que Antônio Cubas, irmão e auxiliar de Domingos Jorge Velho, foi provido no posto de coronel do terço paulista (“Porquanto o coronel Antônio Cubas me enviou a representar que viera da vila de São Paulo, pelo sertão, com que o governador Jorge Velho à conquista dos Palmares...”, 4) carta do governador-geral Câmara Coutinho e outros.

A. Tito Filho, 02/03/1989, Jornal O Dia. 

sábado, 6 de março de 2010

PORTUGUÊS

Garotote ainda, eu gostava de ler romances. Havia a loja do Juca Feitosa, em Teresina, e ali a gente adquiria Júlio Verne, os livros de aventura da coleção Terra, Mar e Ar, sempre o herói contra os bandidos. Comprei e li as obras completas de José de José de Alencar e algumas dos portugueses Camilo Castelo Branco e Pinheiro Chagas. Gostei do mineiro Bernardo Guimarães e do autor de A MORENINHA, Joaquim Manoel de Macedo. Nesse tempo de vendiam livros de uma coleção de reduzido tamanho, autoria de franceses, ingleses e russo, em traduções excelentes. Lembro-me da leitura que fiz de obras de Zola, Onnet, Dostoiewski.

Gostava de Emílio Salgari e do Tarzã, de Burroughs.

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Meu pai possuía boa biblioteca, em que se destacavam obras jurídicas. Mas havia também obras de literatura e uma boa quantidade de livros de português, especialmente gramáticas e algumas de dúvidas de linguagem e ensinamentos de correta escrita das palavras, como as lições do lusitano Cândido Figueiredo. Lia constantemente as vaidosas explicações desse sujeito de grande aceitação na sua pátria de origem. E tomei gosto pelo assunto. Na antiga biblioteca pública da Casa Anísio Britto adotei como leitura predileta obras de Xavier Fernandes e outros estudiosos de questões de linguagem. Professor de português, li Said Ali, Pedro Pinto, Silveira Bueno, Vitório Bergo, Napoleão Mendes de Almeida, Martinz de Aguiar, Tenório d’Àlbuquerque e quantos mais, meu Deus. Aprendi uma porção de lições úteis e também gravei na memória invencionices, e ordenamentos inconsistentes.

Nesta coluna já me referi aos trabalhos, em três volumes, de Cineas Santos, bons de aprender, pois são simples e de clareza que ninguém esquece.

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Ganho agora presente valioso e de raro método, PORTUGUÊS COMPLETO, no seu primeiro volume, e do qual se esperam mais dois, com um total de três mil questões resolvidas.

Assina-o um mestre da língua portuguesa, que tive a honra de ter como aluno, nos tempos do curso ginasial e do científico. Estudioso, fez da língua pátri instrumento de trabalho e de muito saber e muito escrever bem ultrapassou o velho e modesto professor. Refiro-me a William J. Silva, cujos serviços aos moços têm merecido aplausos da sociedade teresinense.

Neste PORTUGUÊS COMPLETO está a linguagem e nele se podem anotar a correção simples dos defeitos comuns em que laboram moços e velhos, homens e mulheres na fala quotidiana e na comunicação escrita do pensamento.

Li o livro de fio a pavio. Corrigi alguns defeitos em que eu estava acostumado.

As lições de William J. Silva são acessíveis a todos, a principiantes e aos que labutam no uso correto da linguagem humana.


A. Tito Filho, 31 de março de 1992, Jornal O Dia

sexta-feira, 5 de março de 2010

ANÍSIO

Nasceu em Piracuruca (PI), 1886, e faleceu em Teresina, 1946. Cirurgião-dentista, exerceu atividades profissionais em Piracuruca e Teresina, deixando-as para dedicar-se ao magistério e às letras. Na capital piauiense desempenhou altas funções públicas, com acendrado espírito de responsabilidade: conselheiro municipal (vereador), redator-chefe e diretor da Imprensa Oficial, Diretor (quatro vezes) do antigo Liceu Piauiense, Diretor da Instrução Pública e da Biblioteca, Arquivo e Museu do Piauí, instituição que hoje lhe homenageia a memória com o nome de Casa Anísio Brito. Professor de história, português e literatura. Era profundo conhecedor da história do Piauí.

Projetou-se ainda como educador experimentado e consciente, esfera em que escreveu trabalhos de valiosa leitura, como "Ligeira Notícia sobre o Ensino Público", "Do Ensino Primeiro" e "A Reforma Atual e o Ensino Normal e Secundário". Ofereceu sérios subsídios para a renovação educacional no Piauí. Introduziu vários melhoramentos no ensino, especialmente em música e educação física.

Sobre a história, publicou: "A quem pertence a Prioridade Histórica no Descobrimento do Piauí?", "Independência do Piauí", "A Adesão do Piauí à Confederação do Equador", "Os Balaios no Piauí", "Contribuição do Piauí à Guerra do Paraguai", "Ligeira Notícia sobre o Jornalismo", "Piracuruca" e várias páginas do verbete Piauí no "Dicionário Histórico e Etnográfico do Brasil", publicação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Conferencista ilustrado. Foi sócio fundador do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense, a que presidiu, sócio correspondente de idênticas sociedades do Pará, do Ceará, da Bahia e membro da Sociedade Numimástica Brasileira.

Organizou o acervo de documentos do Arquivo Público do Piauí. Enriqueceu-o com valiosos documentos, dos municípios e de outros Estados.

Odilon Nunes a ele se refere com estas palavras: "Assim propende para a história pragmática, tendência que sempre revelam os historiadores que, como ele, também se dedicam ao magistério. Contudo, escreveu história genética, pois vemos em seus trabalhos a tendência para o revisionismo histórico, especialmente sob o ponto de vista factual e também sua notável contribuição ao incorporar a nossa historiografia valiosos documentos inéditos, ampliando as fronteiras de nossos conhecimentos".

Chamou-se Anísio de Brito Mello. Brilhantes as solenidades promovidas pela Secretaria de Cultura e pela Academia Piauiense de Letras no primeiro centenário.


A. Tito Filho, 03 de setembro de 1988, Jornal O Dia.