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terça-feira, 30 de novembro de 2010

PROSA BONITA

Menino do Bandolim, de Tobias Pinheiro. Livro que revela o poema da infância e da mocidade. Bandolim é o nome do engenho de moer cana, no Brejo dos Anapurus, Maranhão, sítio de peraltices e de inspiração desse eterno enamorado das coisas simples e bonitas, que é Tobias.

Os cenários se vão transformando, página por página. Agora, São Luís, as primeiras letras, a palmatória, as visitas ao Piauí, pois o autor é piauizeiro - gente que nasce noutro lugar e se encanta pelos rios em que se banha Teresina.

E os episódios surgem, tirados de uma memória de guardar coisas ternas, espiritualmente ternas: o Natal e a Semana Santa. Personagem de encantamento: a vaca Baié. Gente de fazenda de gado sempre há de contar estórias de uma vaquinha paciente, de leite gostoso, espumante, manhã cedo. E aparece o saudoso poeta, nosso Mário Bento, guardador de pássaros e jumentos em gaiola, dono de uma poesia de humildade e plenitude.

Nada se esquece no livrinho danado de emoções: a praça Rio Branco, tão tranqüila e maledicente, o folclore piauiense, a economia do Maranhão, a viagem ao estrangeiro para ver Dacar, no Senegal, quente como diabo, mas onde pontifica um poeta divino, o presidente Senghor. E Lisboa, a do fado, da bacalhoada e do vinho generoso como o coração de sua gente.

Tobias me roubou uma madrugada de sono, mas lucrei. Lucrei lembranças, lucrei estilo, lucrei prosa que sabe a gestos de eternidade.


A. Tito Filho, 18/12/1988, Jornal O Dia.

AINDA FLOCLORE (2)

O folclore poderia dizer-se a história moral do homem, como insinua Câmara Cascudo. Melhor é identificá-lo como a história natural das coletividades, da sua alimentação, dos seus tabus, das suas orações, dos seus ritos, da sua vida diária, para o reconhecimento da cultura - da cultura como conjunto de normas sociais de que participamos.

Daí porque o trabalho do escritor, quando procura a fonte folclórica como sustento do livro, há de compreender as manifestações populares no campo, em que elas se manifestam, para anotar-lhes as variantes e oferecer a fisionomia da realidade cultural. Não se pode reproduzir o folclore na sua universalidade, apenas. É necessário entendê-lo como a ciência do homem-comum. E o homem-comum é a preocupação de Ibiapina, para projetá-lo no quadro da vida urbana e da vida rural, - como contadores de estórias de bichos, reproduzidas de geração em geração, como personagem de novelas de amor, de heroísmo, como personagem de facécias, de cenas de bravura para lavação da honra ofendida, sempre respeitoso com a mulher, - objeto das preocupações do macho numa terra de preconceitos, e mais: como personagem da violência de um mundo que o prepara para o ódio e para a vingança - o ódio e a vingança sugeridos e provocados pelo desequilíbrio dos processos da vida social.


A. Tito Filho, 25/12/1988, Jornal O Dia.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

JULGAMENTO

No "Jornal de Brasília", edição de 14 de outubro de 1988, Aluízio Napoleão publicou este seguro comentário, com o título CARTAS QUE SÃO FARPAS:

Acabo de receber o livro do professor Acrísio Torres, intitulado Cátedra e Política, que reúne cartas escritas durante o regime autoritário, que combateu, revelando seu espírito de oposição ao que julgou prejudicial ao País durante aquela fase difícil da vida brasileira. O gênero foi adotado por Ramalho Ortigão, embora em estilo diferente, num outro país, o Portugal de sua época, ao qual nem o Imperador do Brasil, D. Pedro II, escapou.

As farpas do professor Acrísio Torres são diretas, exteriorizando, sem rebuços, seu pensamento e sua opinião sobre um regime que detestava. Há momentos, porém, em que sua pena, refletidamente, passa a critica alta, ganha em força e persuasão, como, por exemplo, ao dizer, com penetração e, sobretudo, com razão: "O progresso social consiste, sobretudo, no desenvolvimento da inteligência. Isso não se dá neste país de jovens. E se falta esse desenvolvimento da inteligência, não se terá o apuro dos sentimentos altruísticos, únicos que permitem a cordialidade, a solidariedade entre os homens. E se falta o desenvolvimento da inteligência, circunstancia ideal das ditaduras, faltará interesse maior pelo bem-estar comum, e pior, morrerá pouco a pouco até o horror às injustiças, às iniqüidades".

Em outro trecho, o autor mostra-se um pedagogo, ao expor seu pensamento com transparência: "Há natural vocação dos jovens para a politica, mas como realizar essa vocação pelas vias normais, as dos partidos, dominados, estes, pelos velhos sobas, de mentalidade retrógrada? Essa circunstância, decorrente de estruturas arcaicas, continua a impedir o liame entre a formação política dos jovens, papel da universidade, e a participação deles no processo político nacional. Nesse elementar raciocínio, natural a ilação de que a participação política dos jovens deverá implicar alternativas capazes de unir interesses e aspirações dos jovens aos reclamos maiores da nacionalidade".

João Emílio Falcão, em magistral prefácio, disse bem o que deveria ser dito sobre Cátedra e Política: "A sua atuação contra os governos militares, quer na UnB, que nas cartas, lembra a lenda de Selma Lagerlof sobre a ave que asperge a água em grande incêndio de grande floresta. Não lhe importava o resultado, mas a consciência de haver cumprido o seu dever".


A. Tito Filho, 25/10/1988, Jornal O Dia.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

FIGURAS

JOSÉ BURLAMAQUI AUTO DE ABREU. Nasceu e morreu em Teresina. Bacharel em Direito. Filho do grande orador parlamentar, político, poeta, governador do Piauí Anísio de Abreu. Deputado federal muito novo representante do seu Estado. Duas vezes deputado estadual. Secretário do Governo na Administração Matias Olimpio. Tribuno, jornalista, jurista, memoralista, contista. Publicou "Terra Mater", de variados assuntos.

MATIAS OLÍMPIO DE MELO. Nasceu em Barras (PI), em 1882. Faleceu em Teresina, 1967. Bacharel em Direito. Secretário de três administrações no Piauí. Juiz federal no seu Estado e na Bahia. Duas vezes senador da República. Governador do Piauí, combateu tenazmente a Coluna Prestes. Homem de letras, jornalista, cronista, folclorista, jurista. Crítico literário e estudioso de problemas educacionais. Publicou "Diversas e Pareceres", "Despachos e Sentenças", "Falando e Escrevendo" e "Rumos e Atitudes".

LUÍS DE MORAIS CORREIA. Nasceu em Amarração, hoje município de Luís Correia, 1881. Faleceu em Fortaleza, 1934. Secretário de Polícia do Piauí. Na capital cearense exerceu elevadas funções, entre as quais secretário de Fazenda e catedrático da Faculdade de Direito. Advogado, Juiz Federal, Jornalista. Escreveu sobre sociologia, política, literatura e filosofia. Publicou, entre outros trabalhos: "O crime e a pena", "O domínio e a posse", "Teses de Direito", "A posse", "O divórcio", "A Questão Social", "O amor e o crime", "Psicologia".

JOSÉ PIRES DE LIMA REBELO. Nasceu em Barras (PI), 1885, e faleceu em Parnaíba, 1940. Iniciou carreira militar, dela sendo desligado ao tempo da revolta Lauro Sodré. Advogado. Representou o Piauí em exposição de produtos na cidade de Nova Iorque, Estados Unidos. Diretor da instrução em Parnaíba, onde foi professor de filosofia, história, geografia, matemática e psicologia no Ginásio Parnaibano e na Escola Normal. Exerceu intensa atividade jornalística. Mestre e educador. Talvez tenha sido o maior advogado piauiense. Cultura quase enciclopédica. Rara inteligência. Conhecia o português. Tribuno. Esportista. Trabalhador sem fadiga. Espírito aberto a indagações, palavra fácil, estilo corrente. Publicou trabalhos técnicos, como "A cera de Carnaúba", "O comércio do Rio Parnaíba e o Porto de Amarração", "Relatório sobre a instrução no Piauí". Proferiu inúmeras conferências, sobretudo a respeito de questões operárias.


A. Tito Filho, 30/10/1988, Jornal O Dia.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

JOGO, MUITO JOGO...

“A primeira vez que tomei parte numa banca de jogo, entrei com 35$000 e tive uma sorte inaudita. Dominei a fama dos veteranos de bacará, e, pela madrugada, quando em retirei, levava, no bolso, mais de 800$000, alem do que me ficaram devendo. É fácil imaginar meu deslumbramento deante de tamanha fortuna! Mas engano dalma ledo e cego. Daí por diante experimentei todas vicissitudes do azar caprichoso e traiçoeiro. Passei a servir de joguete nas mãos dos mais espertos.”

Higino Cunha – “Memórias”.

Acrescenta o mestre:

“Persisti durante cerca de três e fui obrigado a abandonar para sempre o jogo de cartas, malferido na bolsa e na reputação e convenci-me da minha incapacidade para tão arriscado mister”. E mais: O jogo “não cria amizades sinceras e duradouras, nem simpatia entre os homens. Mesmo ganhando-se dinheiro, perde-se a confiança no trabalho regular e o tempo que devera ser aplicado em outros misteres, perde-se o credito e a boa fama, e adquirem-se habitos maus, que envenenam a existencia de modo irreparável!”

Despe, leitor amigo, a roupagem vistosa com que te apresentas ante as frivolidades da sociedade e vem comigo, lado a lado, para uma peregrinação noturna nos antros da jogatina. São oito horas da noite, é cêdo, a cidade toda mergulhou na sonolencia, depois do trabalho exaustivo de seus habitantes. Arrulham ainda poucos casais nos bancos de praça, mocinhas acabam de cansar as batatas da perna volteando na pista da Pedro II. Daqui a pouco tudo dorme. Apenas funciona o jogo, a terrível chaga social – sorvedouro da honra de muitos, desgraça de tantos lares, causa de inumeras tragedias. Funciona o jogo, leitor amigo, no centro da antiga Chapada do Corisco – nos clubes, nos bares, em casas particulares, em toda a parte. Desaparecem, no torvelinho medonho da jogatina, o pão, a roupa, o livro, a educação de muitas crianças teresinenses. Esposas aflites rezam no recesso de residencias humildes, chupando muitas vezes a carie de um dente, ou, em cima de três pedras, preparam um ralo mingau de farinha com que entupir o bucho das crianças famintas, enquanto o marido, no covil da jogatina, descarta-se do dinheiro, do relogio e da aliança de casamento para para alimentar o terrível vicio – fumando e bebendo, dores nas costas, debrucado na mesa fatídica, ou avido, nervoso, espiando a roda de roleta, atento ao ruído da palheta, ou, ainda, ouvido apurado, marcando numeros, à espera de que lhe dêem, no víspora, a pedra boa ...

JOGO, MUITO JOGO

- Cinqüenta e cinco ... numero oito ... noventa ...
É a voz arrastada do chamador, anunciando as pedras do víspora, uma a uma, os viciados, palidos  e pigarrentos, marcam os cartões, entre baforada de um cigarro quando estes desgraça os restos de pulmões e o trago de aguardente que lhes corroe as tripas ...
Reino da batota e do deboche – a comunidade de caras mal dormidas se expande, depois do ultimo rateio, no linguajar de calão, parebenizando os felizardos da noite e consolando, com uma palmada nas costas, so companheiros de desgraça e desventura.
Um pouco mais adiante, leitor amigo, o croupier anuncia, com gosto infinito, o ultimo lance da roleta miserável:
- Deu 15, jacaré ... Cercado com dois mil reis.
O desgraçado, mãos nos bolsos, coçando os ultimos tostões do ordenado ou as ultimas economia do pé de meia, lembra-se do sonho de tres dias atras, soma, multiplica, subtrai, divide por dez – e verifica, após maldizer a sorte ingrata, que o bicho era mesmo o jacaré ...

A RONDA DOS AGIOTAS

Não se assuste leitor amigo. Estiremos as peruas um pouco mais, e observemos a praga do jogo. Da Praça Rio Branco à Piçarra, da Piçarra as imediações da Praça Landri Sales, desta a rua Álvaro Mendes, daqui à rua Areolino de Abreu. Das frestas das janelas e das portas, saem os minusculos focos das luzes denunciadoras. Em tudo domina o silencio, impera o sussurro. Poucas vezes reboa a gargalhada. Ouve-se bem o ruído de mãos tremulas traçando o baralho. Poker. Bacarat. Pifpaf.
O Parceiro “chora” as cartas, visando à sensação. “Entrou no meio”, “seus vinte e mais quarenta”, “abro com dez”, “colei uma sequenciazinha” – são as frases ensaiadas, ensarilhadas, engatilhadas ...
Em volta das mesas, as duas qualidades de assistente: o “peru”, que tudo perdeu, inclusive o caminho da honra, e o agiota, na ronda macabra, olhos fitos nas joias do parceiro infeliz, consciencia firme nos 40 % ou 50 % de lucros à custa da vida hipnotizada ...

UMA CARTA E UM APELO

Já vimos muito, leitor amigo, mas não vimos tudo, embora estas pequenas anotações sejam suficientes para uma carta e um apelo, redigidos uma e outro, nos seguintes termos:
“Meu caro delegado Neiva. Estivemos juntos, pela ultima vez, se me não falha a memória, em a noite de 6a. feira. Tornei, nessa ocasião, a falar-lhe do jogo – e mantivemos, sobre o assunto, cordial conversação. Perseguir os pobres e humildes jogadores de sete e meio e relancim, privar-lhes do vicio, processar os pequenos exploradores da desgraça alheia, enquanto os ricos e poderosos, os de gravata e sapatas engraxados, podem, livremente, praticar o poker, o pifpaf, o vispora – é cousa que se não coaduna com o seu feitio moral. A lei das Convenções Penais não faz exceção. Exceção não faz o decreto-lei 9.215, de 30 de abril de 1946, assinado pelo General Eurico Dutra – disse-me você, lembrado talvez de que muitas mães de família lhe imploravam guerra total ao terrível vicio.
Esposas pobres e esposas ricas lhe imploram a esmola do combate ao jogo. Filhos doentes, desnutridos, atacados de lombrigas, olhos remelentos – necessitam dos cuidados que lhes proporcionam os dinheiros sumidos na voragem do jogo. Só voce, meu caro Neiva, com apoio sadio do eminente Governador Rocha Furtado e do ilustre Chefe de Policia, pode dirigir um ultimatum a todos os exploradores, declarar-lhes guerra, aferrolhar os antros, processar os criminosos. Nas suas mãos encontram-se as armas – todas legalissimas – com as quais poderá você aniquilar o mal medonho, que tudo arruina, que tudo avilta, que tudo desgraça.
E depois da limpeza, meu caro Neiva, poderá voce, com a consciencia tranqüila ler esse trecho sublime:
‘Esse mal – o jogo – que, muitas vezes, não se separa do lupanar senão pelo tabique divisório entre a sala e a alcova; essa fatalidade, que rouba ao estudo tantos talentos, á industria tantas forças, á probidade tantos caracteres, ao dever domestico tantas virtudes, á pátria tantos heroismos, reina sob a manifestação completa em esconderijo, onde a palavra se abastarda em calão, onde a personalidade humana se despe de seu pudor, onde a embriaguez da cubiça delira cinica e obscena, onde os maridos blasfemam pragas improferíveis contra a honra conjugal, onde, em uma comunhão odiosa se contraem amizades inverosimeis, onde o menos que se dissipa é o tempo, estofo precioso de todas as obras primas, de todas as utilidades solidas, de todas as ações grandes. Inumeravel é o numero de criaturas, que a tentação, o exemplo, o instinto, o habito, o acaso, a miseria humana, a passar por esses latibulos, cuja clientela vai periodicamente fazer-se apodrecer ali por gozo, por avidez e na corrução, em cujos misterios cada iniciado se afaz a ir deixando ficar, aos poucos, a energia, a fé, a nobreza, o juizo, a honra, a temperança, a caridade, a flor de todos os afetos, cujo perfume embalsa e preserva o caráter’.
Tambem exerci o cargo de Delegado de Transito e Costumes, do qual me exonerei por livre e espontanea vontade, meu caro Neiva. Conheço muito bem as lutas que você está tendo para desempenhar suas funções e corresponder á confiança da sociedade. No exercício das minhas funções tudo fiz para exterminar o jogo, graças a Deus.
Mas não fiz porque se exonerou da Chefia de Policia o Dr. Eurípedes de Aguiar, que sempre me deu inteiro apoio na luta terrível.
Sei que você atenderá, dentro das suas forças e da sua boa vontade, servido por um elevado espírito de honestidade, este apelo.

Um cordial abraço do A. TITO FILHO”.

A. Tito Filho, 11/04/1948, Jornal O Piauhy.

ISABEL

Maria Isabel Gonçalves de Vilhena nasceu em 20 de agosto de 1896 e faleceu nesta Teresina que ela viu crescer no amor e no afeto e com os anos e a malvadez de muitos tornar-se uma cidade materializada e violenta. Fez a viagem final no último domingo, 27 deste novembro, depois de completar 92 anos de idade, desde nova dedicada à família, ao magistério e às letras poéticas.

Pertencia aos quadros da Academia Piauiense de Letras, cadeira 21, havendo substituído o rei Da Costa e Silva.

Publicou dois livros de poesias, um denominado NADA, o outro com o título de SEARA HUMILDE. Era espontânea, gosto apurado e estilo escorreito.

Martins Napoleão escreveu sobre Isabel o julgamento abaixo.

Neste século, onde as forças paganizantes dominam o mundo e se cumpre o "Apocalipse", a noção de espírito de beleza e de arte está completamente subvertida.

A poesia - que é a síntese de todas as artes e flor suprema de todas as civilizações - já não tem lugar no mundo, porque as artes morreram e não há mais civilização. Há apenas, uma ordem imperial no mundo. E, dentro dela, a marcha automática para a destruição e para a morte, com que se devasta, não apenas a expressão material do passado, mas tudo quanto se afigure imagem do espírito, símbolo da beleza e indício da ordem antiga. O homem, nesta conduta nietzcheana, lembrou-se que é o deus-de-si-mesmo e pulverizou tudo que recordasse o Eterno.

Por isso, todos os que fazem versos, contribuem para diminuir a intensidade da obra de materialização da vida e do homem. Tornam-se elementos de combate indireto ao domínio das grandes forças cegas, em que o homem novo se confunde com a natureza em tempestade.

Assim, não sei se é de louvar, ou temer, a coragem da autora de SEARA HUMILDE pela publicação de seus versos.

Não se perca a obra pelo título: Ruth, também, respigou na seara de Booz, e, nem por apanhar as espigas que sobraram da ceifa - humilde na riqueza - foi a menos amada das mulheres...


A. Tito Filho, 30/11/1988, Jornal O Dia.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

(ANTÔNIO) GAYOSO

Nasceu e faleceu em Teresina (3-10-1899/10-05-1976). Iniciou o curso ginasial na capital piauiense, transferindo-se para o Colégio Pedro II, no Rio. Ingressou na Escola Militar do Realengo, arma de Cavalaria. Graduado e posto à disposição do governo do Piauí, em 1924, exerceu as funções de Chefe de Polícia, conseguindo a pacificação do sul profundo do Estado. Participou corajosamente no combate aos revolucionários da época. No Exército, obteve distinguidas honrarias de promoções por merecimento, e a essa instituição nacional prestou relevantes serviços em diferentes pontos do país. Com o forte desejo de dedicar ao Piauí todos os esforços, reformou-se no generalato da reserva, com fé de oficio dos mais merecidos louvores.

No Piauí, desempenhou as seguintes atividades: deputado estadual e presidente do Legislativo; secretário-geral no governo Pedro Freitas; governador no período de 31-1-1955 a 31-1-1959; presidente da Agroindústria do Piauí SA (Agrinpisa).

No quadriênio governamental, manteve serenidade. Reformou o organismo financeiro. Criou o Departamento Administrativo do Serviço Público. Procedeu à reforma do Judiciário. Foi um dos fundadores do Banco Agrícola, na década de 20, elevado por ele à categoria de Banco do Estado do Piauí, em 1957, no período de chefe do Executivo. Instituiu o Frigorífico do Piauí, instrumento para desenvolver a economia do estado. Construiu estradas e modernas unidades escolares - e outras obras que nele caracterizavam o político objetivo.

Fazendeiro por índole, assinalados os trabalhos desenvolveu em favor de sua terra, no processo seletivo do gado, na melhoria dos campos forraginosos, na construção de barragens e açudes.

Pesquisador paciente da história e da economia do Piauí, publicou ensaios valiosos como "O Vale do Parnaíba", "A Casa da Torre" e "A propriedade no Piauí", em que muito elucida a fundação dos primitivos núcleos rurais piauienses e que lhe valeram a consagração intelectual. Era membro do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

Escreveu com segurança de linguagem e clareza de pensamento.

Sobre ele, entre outros, se manifestaram:

- Artur Passos: "...ao lado do cidadão enérgico, do político esclarecido, temos o homem de letras, o conterrâneo de inteligência penetrante de cultura invulgar, com brilhante curso na melhor escola militar da época, com largo tirocínio na imprensa".

- Celso Barros homenageou nele "o parlamentar, o militar, o cidadão, o político e o intelectual, facetas multifárias em que se projetam a sua personalidade predestinada a desempenhar importante papel na história do Piauí".


A. Tito Filho, 28/04/1988, Jornal O Dia.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

DISCURSO DE ODILON NUNES

Discurso pronunciado pelo Prof. Odilon Nunes, no auditório da Universidade Federal do Piauí, dia 12 último, quando lhe foi outorga do título de Doutor Honoris Causa.

Aqui estou para receber o título de doutor honoris causa que me foi conferido pela Universidade Federal do Piauí.

A distinção teve sua origem em minha ação como pesquisador de nosso passado histórico. Através de longos anos dediquei-me a esse afanoso mister, na presunção de que minhas pesquisas seriam úteis a meus contemporâneos. Foi, pois, um sentimento utilitário, de interesse puramente geral, que me conduziu a tão exaustivo empreendimento. Pus, então, a serviço desse objetivo, o que de positivo eu tinha: capacidade de renuncia e obstinação. Daí, nasceram as Pesquisas para a história do Piauí.

Como trabalho pioneiro nesse gênero, já são subsídios para os que quiserem estudar nossa história. Aí encontraram um roteiro de fontes documentais e essenciais, onde poderão aprofundar conhecimentos referentes a nossos antepassados.

E já nos remates últimos de tão exaustivo trabalho, e quando já vacilando na incerteza de que pudesse levar avante tão aspirada obra, eis que os professores do Departamento de Geografia e História da Universidade Federal do Piauí vêm dar-me alento, tomando a iniciativa de propor que me fosse concedida tamanha distinção de magnitude por mim jamais ambicionada, mas que constituirá o maior estímulo para alcançar o fim da caminhada.

Recebi esse gesto como ato de afeto, e também de solidariedade a minha humilde ação que nasceu do desejo de ser útil. Assim também foi valorizada a pesquisa, instrumento básico do ensino, em nossos dias.

Assim recebi e assim interpretei o vosso gesto que muito me sensibiliza. Eu vos confesso que foi pesquisando que, pela primeira vez, pensei numa universidade do Piauí, quando ainda este centro de alta cultura era apenas aspiração do piauiense, simples esperança de nossa comunidade. Quero ainda testemunhar que pensei, então, nesta Universidade com o mesmo afeto e respeito com que vos falo.


Permiti que num ligeiro bosquejo duma página dramática de nossa história, elucide o que vos digo.

Estudando a terra piauiense, não apenas aprendemos a amá-la, mas, sobretudo a admirá-la nas tradições de sua gente, saturadas de sofrimento, mas também de idealismo.

Quando nos familiarizamos com o período da conquista da bacia oriental do Parnaíba, ficamos surpreendidos em face da obstinação com que os primeiros vaqueiros, sem amparo dos poderes públicos, entre perigos iminentes e imprevisíveis, com firmeza e sem estardalhaços, destemerosamente iam ficando as caiçaras de seus currais, consolidando as bases duma civilização. Nunca, em tempo algum, e em nenhuma parte, em tão pouco tempo, tão pouca gente conquistou tão grande extensão de terras. E foi conquista definitiva, para sempre. Realizações dessa natureza não são proezas para homens vulgares.

Aqueles solitários vaqueiros, metidos em seus gibões de couro, frugais em sua alimentação, pródigos em renúncias, assentaram, de modo positivo, as bases de nossa economia e de nosso povoamento. Mas não foi somente isso, porque fixando a base de nossa população e de nossa produção, determinaram também a natureza de nosso trabalho, e assim influenciaram na formação da psicologia do piauiense, dotando-o de capacidade para a luta na obtenção de seus propósitos, e sempre estimulado pelo apego à terra sofrida. Quando o Piauí aparece, já era uma colméia de homens audaciosos que firmavam silenciosamente os vínculos mais profundos da grande nação brasileira.

Aquele comando de vaqueiros, em que predominavam mamelucos, era liderado por Domingos Afonso Sertão, mais conhecido por Mafrense, chefe de tribos em luta contra tribos indígenas, na disputa da terra, na milenar luta do homem contra o homem, em busca de mais espaços vitais.

Além de caudilho, Mafrense quis, entretanto, realizar obras que perdurassem através dos tempos. E para isso encontrara parceiros indômitos. Não ficava vale de afluente e subafluente da bacia oriental do Parnaíba que não pisassem aqueles temerários vaqueiros, plantando as sementeiras dos currais que se tornariam perene fonte da nossa riqueza.

Como chefe de tribos, fora déspota. Não obedecera a tradições; não respeitam direitos. No devassamento da terra, massacrara os indígenas, por vezes destruíra capelas, expulsando os padres, retardatários conquistadores que não recebiam como seus aliados.

De déspota passaria a patriarca. Handelmann chama-o de príncipe de pastores, e diz que patriarcalmente distribuía justiça. Já alcançara seus objetivos. Já era senhor das mais opulentas fazendas da bacia do Canindé.

Senhor de grandes cabedais, obedecendo a seus impulsos de criador de obras duradouras, resolveu Mafrense, já no declínio da vida, destinar seus bens do Piauí à fundação dum morgado ou capela, que teria como administrador o Reitor do Colégio da Bahia, o que fosse no momento e os que lhe sucedessem, até o fim do mundo, dissera ele em seu testamento.

E as fazendas de Mafrense localizadas nas ricas terras da bacia do Canindé, após sua morte, em obediência a sua vontade, tornaram-se fonte financeira para manutenção do Noviciado de Giquitaia e do Colégio da Bahia.

Os jesuítas que professavam nesse colégio, também conhecido por Colégio do Terreiro, vinham solicitando permissão de Roma ou de Lisboa, para criação duma universidade em S. Salvador.

Estudando as raízes da Universidade da Bahia, comenta o historiador Alberto Silva, um de seus mais ilustres professores: "Não lograram por certo o que tanto desejaram e requereram, mas a verdade é que o seu Colégio do Terreiro foi bem uma universidade dotada de características básicas: âmbito universitário, estudos de humanidades, particularmente de Letras Clássicas, de Filosofia, de Ciências Naturais, de Matemática, de História, de Geografia, cerimônias escolares faustosas, graduações acadêmicas expressivas, anel simbólico, livro de juramento, capelo azul e quatro faculdades superiores. Mais: coube ainda ao Colégio do Terreiro a glória de iniciar no Brasil a conferição de graus acadêmicos".

Como vêdes, as fazendas de Mafrense, sob a administração dos jesuítas, financiaram as duas fundações culturais mais importantes do Brasil de então, das quais, uma era verdadeira universidade. E isso através de quase meio século.

E quando surge um novo condutor de homens, mas animado de ambição e vaidade, num ato desvairado expulsa de Portugal e de seus domínios os jesuítas, confisca-lhes os bens, fecham-se os estabelecimentos de cultura.

Os padres jesuítas que então trabalhavam na Bahia, foram todos presos, para deportação. No dia do embarque, conta-nos Serafim Leite, na capela do Noviciado de Giquitaia, todos juntos entoaram o cântico ambrosiano de graças e louvores por serem julgados dignos de padecer em nome da obra missionária a que se dedicavam.

E Serafim Leite, que tudo isso documenta através de ampla pesquisa, ao referir-se ao confisco, comenta: "Os homens não respeitaram a última vontade do grande benemérito sertanista. Mas até ao fim do mundo, ou pelo menos enquanto soar o nome do Piauí, soará o nome de Domingos Afonso Mafrense Sertão".

Após o fechamento do Colégio da Bahia, só decorridos quase dois séculos, o Brasil viria a ter sua primeira universidade. E o rico patrimônio destinado pelo doador à cultura e ao desenvolvimento do Brasil, com a expulsão dos jesuítas, e o desvio de sua finalidade, teve triste história, e entrou em decadência. Hoje pertence ao Estado do Piauí: são as Fazendas Estaduais.

Essas páginas dramáticas de nossa história, como há pouco vos disse, fizeram-me pensar (e isso já faz muitos anos), numa futura universidade do Piauí. Em 1958 publiquei um trabalho em que sugeri pela primeira vez, que os remanescentes do morgado que dera origem ao Noviciado de Giquitaia e financiara o Colégio da Bahia, fossem convertidos em patrimônio da futura universidade do Piauí.

Não havia originalidade na ideia. Basta conhecer a história da Escola de Engenharia do Rio Grande do Sul. Seu maior patrimônio teve como base propriedades territoriais, e sua origem, em doação de generosa fazendeira, a baronesa de Candiota. Já são decorridos quase oitenta anos de sua fundação, o graças a uma plêiade de homens missionários, pelo exemplo de serviços prestados à cultura e ao progresso, constitui hoje, afora muitas outras instituições, a Escola de Engenharia da UFRGS, entre as congêneres no Brasil, a que possui maior numero de cursos profissionais. Bem poderia ser inspiração para os que lideram a vida piauiense.

Exemplo maior dão-nos, entretanto, os Estados Unidos. Sabemos que Jéferson, dotado da perspicácia do autentico estadista, defendera, em sua longa vida, a doação de terras às escolas americanas. Duma vez dissera ele, já no crepúsculo da vida, a testemunhar o que vos digo: "Esta é, de fato, e em substancia o plano que propus num projeto de lei, há quarenta anos atrás...".

Os estadistas americanos, desde os primeiros dias de após a Independência, passaram a conceder terras às escolas que se fundavam. A primeira doação foi logo após a ação de Jéferson, quando os Estados Unidos já tinham nove universidades, cujos professores, no dizer dum historiador, tornaram-se mais admiráveis pela devoção que pela competência; Promulgaram-se novas leis, pelo menos até 1862, a de doação de Lincoln, especialmente, a escola de engenharia, de agronomia ou industriais, independentes ou ligadas a universidades, e destinadas a estimular as pesquisas na agricultura, que se tornou assim experimental ou cientifica. Saídos dessas escolas, em 1930, 8000 cientistas trabalhavam nos centros experimentais, nas fazendas demonstrativas, ligados às universidades, executando variedades de projetos de pesquisas e contribuições outras de positiva significação para a expansão dos Estados Unidos.

É assim que, em nossos dias, muitas dessas universidades têm como seus mais ricos patrimônios as terras que lhes foram doadas.

A universidade, se é ainda um centro de altos estudos para o enriquecimento cultural, já propende, entretanto, mais para a pesquisa, para os laboratórios, para a prática experimental. Hoje, a função da universidade é servir coletividade. É a [?]* identifica com o povo, vincula-se à terra. Já não é fator do divorcio entre a elite e o povo, o que ainda vem ocorrendo no Terceiro Mundo, dando origem ao desassossego social que ora nos tortura.

Agora mesmo testemunhamos a Universidade de Alagoas assinar convenio com a Sudene, para efetuar pesquisas da pesca nas lagoas, nos açudes, nos estuários dos rios alagoanos. E que é enfim Projeto Rondon? Encontramos a resposta no depoimento de Robert Kennedy, sobre a América Latina: É o que fazem também universitários peruanos que trabalham nas favelas de Lima e nas aldeias dos Andes; universitários chilenos que se tornaram coluna-mestra nos programas tipo Corpo da Paz; universitários colombianos a trabalhar em programa de ação comunitária nos bairros de Caracas. Tudo isso nos conta Robert Kennedy, quando diz que essa foi a "primeira geração de estudantes latino-americanos a sujar as mãos e a curvar suas espinhas".

Esse movimento de renovação universitária teve sua origem nos Estados Unidos. Foi Jean Jacques Servan-Schereiber quem melhor sentiu essa projeção da universidade americana, em sua maior grandeza, e externou seu pensamento em O Desafia Americano, obra em que diz, já não há separação entre vendedores e intelectuais, isto é, entre o trabalhador e o intelectual, entre o operário e o homem de cultura.

Ele nos faz crer que a expansão americana teve sua origem não apenas no progresso tecnológico e nas riquezas do subsolo, mas, sobretudo, teve sua origem na ação conjunta e harmônica entre as unidades industriais, a universidade e o poder político.

Denuncia o estado de esclerose e de inferioridade em que se encontram as universidades européias, especialmente as de origem latina, e mostra a necessidade de reformá-las, para a sobrevivência da Europa.

Sua obra teve extraordinária repercussão não apenas na Europa, mas também nas Américas de cultura latina. No Brasil intenta-se democratizar o ensino universitário, e levar à universidade a pesquisa, instrumento também indispensável ao diagnostico para conhecer as condições demográficas e econômicas da Nação, e promover um programa desenvolvimentista com o objetivo de anular os desequilíbrios regionais e de classes sociais, tão nocivos à harmonia nacional.

Foi, pois, inspirado já não apenas na Escola de Engenharia de Porto Alegre, verdadeira universidade técnica do Rio Grande do Sul, como também no exemplo dos Estados Unidos, que mais tarde, já em 1970, voltei a tratar do assunto, em pequeno estudo sobre Mafrense, e reiterei a sugestão de que fossem convertidos os remanescentes de sua capela em patrimônio universitário.

As condições do Piauí são bem semelhantes às do Rio Grande do Sul. O Piauí precisa também de sua universidade técnica, de ensino "ecologicamente condicionado", e nos moldes da fundação gaúcha, ou como mais conveniente for, com fazendas demonstrativas e centros experimentais, ligados à universidade como nos Estados Unidos, para que tenhamos também desde o engenheiro ao capataz habilitado, técnicos em geral, e ainda instrumentos e campo para pesquisas aplicadas ao nosso meio geográfico, especialmente à nossa flora, à nossa fauna, com finalidade de adaptar nossa agricultura e nossa pecuária ao meio agreste em que tão precariamente se desenvolvem, sem assistência cientifica, seguindo os mesmos processos do primeiro século. É bem verdade que nos esquecemos do que dizia o velho Visconde da Parnaíba: "os currais são os mananciais de nossa riqueza".

Eu peço perdão se feri alguma cousa do protocolar, se exorbitei do que houvera de dizer nesse momento para mim tão solene.

Aqui estou por iniciativa dum grupo de professores, classe a que me envaideço de pertencer. Não tenho palavras para agradecer. Assim também ao Conselho Diretor da Fundação UFPI e ao boníssimo Padre Chaves. Dirijo-me e agradeço a toda esta comunidade universitária (a que já tenho a honra de pertencer, pela vossa graça), e donde sairão os lideres de amanhã, que são as esperanças de hoje. Agradeço a todos que aqui estão.

A todos quero lembrar, mais uma vez que Mafrense, quando em seu testamento doou seus bens do Piauí e fundações culturais, tornou bem claro que seria até o fim do mundo.

Pombal, o usurpador desses bens, foi quem primeiro procurou vendê-los. E desde então se vem intentando transferir essas terras a particulares.

Ainda é tempo de tornar válida a vontade de Mafrense; seria a remissão de dois séculos de crimes e pecados.

Vender as terras que foram conquistadas, povoadas e enriquecidas pelo grande sertanista, que as destinou à finalidade tão meritória, seria revelação de inabilidade, revelação de que já não temos os atributos dos antepassados do primeiro século que, liderados pelo benemérito colonizador, nos legaram as páginas mais belas do período heróico de nossa história. Temos milhares de camponeses sem terra, e muitos residem nas Fazendas Estaduais. Executa-se no momento uma reforma agrária. Que se prossiga na obra de Mafrense. Que se faça também nessas terras a fundação de núcleos coloniais, servidos de cooperativas agrícolas, devidamente aparelhadas, e unidos a escolas universitárias como nos países que já deram prioridade à técnica. Assim teremos a integração econômica do camponês, ampliando o mercado brasileiro, e enriquecendo o nosso erário.

Que essa geração aceite o desafio e demonstre as grandes capacidades dos primitivos colonizadores, dos quais somos legítimos descendentes.

Obrigado, muito obrigado.

Publicado no Jornal do Piauí, em 14 de julho de 1974.

* O trecho está ilegível no original.

As Marias

O folclore mostra a vida coletiva na sua cultura material e na sua cultura espiritual. As águas constituem fontes de lendas, mitos, fantasias, imaginações. Na Bahia, os pescadores celebram o despacho da mãe-d'água, cerimônia mágica em que se atiram oferendas ao mar para aquela personagem mística os liberte de infortúnios na pescaria. A tradição mediterrânea está nas sereias, a que Homero se referiu. A iara tem encantos irresistíveis, que o genial piauiense José Newton de Freitas pôs num poema, ao cantar o jangadeiro:

Enquanto seus filhos
ficaram chorando
ele está morando,
beijando, beijando
a iara bonita,
no fundo do mar!...

O paciente pesquisador Josias Carneiro da Silva reviveu num livro monstros aquáticos, que a tradição recolheu e guardou. Mas Josias realiza o seu mais brilhante estudo com o cabeça-de-cuia, que o talentoso piauiense João Alfredo de Freitas colocou em "Lendas e Superstições do Norte". No estudo, erudito e revolucionário, o atemorizador de pescadores e donzelas dos rios Poti e Parnaíba figura como atração principal. Nem poderia deixar de ser assim.

Josias dá nova interpretação ao cabeça-de-cuia - a de incestuoso e condenado, para o desencanto, a deflorar sete Marias, proeza dificílima neste mundo de hoje, de mulheres sem cabaço.


A. Tito Filho, 28/12/1988, Jornal O Dia.

domingo, 21 de novembro de 2010

A TESE DE HIGINO

No 1º Congresso de Imprensa do Piauí, a irrecusável autoridade de Higino Cunha se assentou sobre o estudo social e político do Piauí para dividir a história da imprensa entre nós em três períodos. Inicia os comentários a respeito de Oeiras, e na antiga capital os jornais se limitavam a publicação dos atos do governo e a baixos xingamentos nas pessoas. Não defendiam planos administrativos. Abdias Neves referiu-se aos repulsivos pasquins metidos pelas portas e janelas alta noite. Higino sustentou que a imprensa não podia medrar nesse ambiente, pois não formava opinião, mas apenas gerava ódios e despeitos. Contra o Visconde da Parnaíba houve panfletos violentos.

Abdias Neves disse que os jornais desses primeiros tempos viveram pouco. Eram plenos de ofensas pessoais e não respeitavam ao menos a vida privada dos cidadãos.

Com a transferência da capital para Teresina, surgiu na cidade fundada por José Antonio Saraiva "A Ordem", de vida breve.

O autor da tese acha que nos últimos tempos do Império e primeiros da República, a imprensa avançou, progrediu. Deu-se o esforço para o jornal diário. Cultivaram-se idéias mais nobres, criou-se o serviço telegráfico e deu-se o uso de clichês. Diminuiu a virulência de linguagem. Este seria o segundo período, em que aparecem Davi Caldas, Deolindo Mendes da Silva Moura, Coelho Rodrigues, Agesilau Pereira da Silva, José Manuel de Freitas e outras altas expressões. A imprensa já obrigava que os governos se defendessem das censuras que lhes eram dirigidas.

Higino admite que o terceiro período começa por volta de 1910. Surgiram em Teresina intelectuais que alcançariam triunfos merecidos: Antonino Freire, Abdias Neves, Miguel Rosa, João Pinheiro, seguidos de Valdivino Tito e Matias Olímpio, que iniciaram a luta contra a mentalidade do meio. Fundaram "A Pátria", que chegou a ser diário, audacioso e de idéias originais. "Memoráveis as campanhas que eles sustentaram, na imprensa local, em prol dos interesses materiais, morais e intelectuais do Piauí". Dessa época é a Academia Piauiense de Letras, com a sua revista espalhando boa prosa e boa poesia. Clodoaldo Freitas e o próprio Higino Cunha formavam a retaguarda desses revolucionários, entre os quais Luis Mendes Ribeiro Gonçalves e Lucidio Freitas.

Nessa fase nova da imprensa travou-se a séria luta entre os maçons e os padres católicos.

Estudando a imprensa do Piauí, nessas três fases em que procura definir-lhe aspectos desde Oeiras até as festas dos centenários da Independência do Piauí (1922/1923) conclui o mestre: "Os jornais diários que aqui vão aparecendo, quase sempre nas vésperas de lutas eleitorais, têm tido todos existência precária e instável. Só o governo conseguiu fixar definitivamente o Diário Oficial".

Higino reconhece que a tese está incompleta. Falta-lhe a fixação de vários aspectos, com os atentados sofridos - espancamentos, crimes, prisões violentas praticadas contra jornalistas.

Depois tocaremos no assunto.


A. Tito Filho, 20/05/1988, Jornal O Dia.

sábado, 20 de novembro de 2010

REVOLUÇÕES

Seria exaustivo relacionar todos os episódios de lutas que se tem verificado no Brasil, desde a fase colonial até os dias atuais, cada qual apoiado sobre causas, que os historiadores, no passado como no presente, procuraram revelar e interpretar - e muitos desses episódios ainda se encontram em processo. A grande Revolução Industrial do princípio do século XIX provocou profundas transformações na sociedade dos homens. De feito, a máquina tornou-se responsável pelo poder industrial, que desorganizou a família, baseou a riqueza das nações no combustível, comercializou o afeto - a base da educação - e derribou estruturas seculares.


O Brasil não poderia fugir da sua influencia. A abolição da escravatura, e conseqüente adoção do regime republicano, promanou da civilização industrial. Da instituição da República até hoje, o país vive instavelmente, com a queda de homens do poder, se se analisam superficialmente as causas. O período republicano bem atesta a afirmativa. É que o ciclo revolucionário brasileiro ainda não se completou, e só se completará quando os desequilíbrios sociais, a injustiça social, a fome sejam vencidos, com o estabelecimento de processos humanos de vida - a abdicação do inumano pela valorização do homem.

Quantas revoluções brasileiras de 1922 a esta parte? Talvez elas tenham origem próxima na pregação civilista de Rui, com que contagiou os moços, civis e fardados. Do Rui-profeta, que se antecipou a Getúlio Vargas na luta contra a exploração do homem pelo homem.


A. Tito Filho, 27/12/1988, Jornal O Dia.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

POETAS

Não conheci Antônio Chaves, um dos fundadores da Academia Piauiense de Letras, nascido e morrido em Teresina (1882-1938). Alto funcionário público estadual. Fez parte de "Almas Irmãs", versos, com Zito Batista e Celso Pinheiro. Publicou "Poemas da Mágoa", em que reuniu as suas melhores produções, e outro de poesias também, denominado "Nebulosas". Espontâneo. Escrevia trovas artísticas. O crítico Edison Cunha acentuou que ele era cintilante, com muito espírito prático. Cultivou ainda o jornalismo.

Alcides Freitas nasceu em Teresina (1890) e faleceu em Campo Maior (PI) em 1913, aos 23 anos. Doutor em medicina, com defesa de tese, pela Faculdade da Bahia. Colaborou em vários jornais e revistas. Obras: "Da lágrima", estudo de fisiopsicologia; "Alexandrinos", sonetos, de parceria com o irmão Lucídio Freitas; e as aplaudidas conferências "Álvares de Azevedo", "A tesoura" e "A infância".

Prosador cintilante, prendia os auditórios com palavras fácil e sonora. Poeta sobretudo, completo, moderno. Assombroso era o verso, da forma que o definiu Mário Pederneiras. Estilo elegante, harmonia de conjunto, rimas novas, artista verdadeiro.

Pedro Borges da Silva era de São João do Piauí (1890). Faleceu no Rio de Janeiro, 1965. Ocupou elevadas posições em três governos piauienses como secretário. Deputado federal e juiz federal. Na segunda capital da República participou do Tribunal de Segurança Nacional com o título de ministro. Jurista jornalista, grande tribuno e poeta de muito mérito. Alma lírica, esteta, torturado da forma.

Joaquim Ribeiro Gonçalves teve nascimento em Regeneração (1855) e falecimento no Rio de Janeiro (1919). Bacharel pela Faculdade de Direito do Recife. No Piauí, exerceu a magistratura e foi o primeiro procurador geral do Estado quando se criou o Tribunal de Justiça, em 1891, e como vice-governador esteve cerca de três meses no governo na ausência do titular. Fazendeiro no Maranhão, elegeu-se deputado estadual no vizinho Estado. Novamente no Piauí, foi eleito deputado federal e senador ao mesmo tempo, escolhendo o último mandato, com reeleição em 1917. Jornalista e orador parlamentar de grande conceito. Projetou-se na qualidade de poeta, publicando "Vislumbres", "Mártires da Vitória" e "Emancipação", este último na defesa da liberdade dos escravos.


A. Tito Filho, 26/07/1988, Jornal O Dia.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

INCÊNDIOS

Os acontecimentos iniciados em 1943 correspondem, porém, a cenas dantescas e tragédias gregas, tantas as violências contra pobres pessoas se provocaram, promovidas por agentes policiais. Era o governo do médico Leônidas Melo, que interventor federal no Piauí, em virtude de certos atos contra direitos alheios, conquistou sérias inimizades políticas. Vigorava a ditadura e os jornais sofriam censura prévia. A chefia de Polícia estava sob as ordens do coronel Evilásio Gonçalves Vilanova. Foi o tempo dos terríveis incêndios de casebres de palha de Teresina. Comunicavam-se por bilhetes o dia e a hora em que as labaredas subiam aos céus na queima da casa escolhida - e os moradores a abandonavam, e no exato momento do aviso as línguas de fogo consumiam, tudo, teto e paredes, e os trastes da vida diária.

Desespero e choro. Nada se salvava, tudo se transformava em cinzas, os cacos da cozinha e os farrapos de pano da dormida e do corpo.

Os elementos da oposição culpavam as autoridades, desejosas de acabar com as choupanas de palha da capital, feias e miseráveis, ou o governo atribuía o crime aos adversários para puni-los severamente na qualidade de incendiários. Pensava-se na existência de individuo piromaniaco, para satisfação da mórbida personalidade. Chegou-se a acusar da hediondez o próprio chefe de policia, por intermédio de policiais de confiança, com a intenção ambiciosa de derribar o interventor federal e assumir o comando da administração. As rodas oficiais consideravam mandante das queimações o médico José Candido Ferraz, que despontava como o mais afoito elemento contra o governo ditatorial na politica piauiense.

Alta noite homens humildes, presos pela policia e acusados de autoria, nas clareiras da mata de Teresina, rumo de Morrinhos, eram submetidos a torturas intensas e impiedosas. Contam que alguns morreram.


A. Tito Filho, 24/12/1988, Jornal O Dia.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

POESIA POPULAR

No Piauí nasceram bons poetas ditos populares, os que compõem poesia com o hábito do povo, com a fala do povo, as crendices do povo, os heróis do povo. O cordel, ensinança de sociologia, vale exemplo desse tipo de concepção poética. Popular se dizem também os versos sertanejos, os desafios nas feiras, as cantigas de amor. O nosso José Manuel de Freitas fez poemas simples, em que elogia a vida boa do leite mugido, da rede gostosa, cheirosa e convidativa. Clodoaldo Freitas andou escrevendo sobre as nossas frutas maravilhosas, que já se vão sumindo hoje na voragem da industrialização. Hermínio Castelo Branco reproduziu na LIRA SERTENEJA cenas vivas dos vaqueiros, das vacas amocambadas, do eleitor de cabresto, das farinhadas inesquecíveis. Teodoro Castelo Branco passou à história da literatura brasileira piauiense na qualidade de POETA CAÇADOR, pois fez das peripécias das caçadas o motivo mais puro do seu lirismo caboclo. O desfile desses inspirados poetas não termina neste ponto. Outros de igual porte se acrescentam: José Coriolano, Raimundo de Areia Leão, o médico, o menestrel João Ferry, para falar na defuntaria saudosa.

Extensa a galeria: Zé do Pano, Zé Pretinho, Antônio Francisco dos Santos (Cão Dentro), José Fernandes de Carvalho (Zé da Prata), João Ventura, Domingos Fonseca, João Soeiro - que não sei se já foram desta para pior, cantadores, violeiros, improvisadores, gente do martelo, encheram de alegria os sertões sem fim e encantaram muita cabocha safada, das que gostam sobretudo de motorista de caminhão e soldado de policia.

O Piauí possui realmente autênticos cultores de poesia popular, a que brota da maravilhosa inspiração das cousas simples e das tradições coletivas. Entre os vivos está o divino telúrico Hermes Vieira, que J. Miguel de Matos caracterizou como a maior expressão da poesia folclórica da terra piauiense, versátil e fecundo.

Publicou-se agora NORDESTE, poemas de Hermes, uma iniciativa aplaudida de José Bruno dos Santos da Companhia Editora do Piauí.

Este NORDESTE mostra o poeta, em toda a grandeza dos versos que as criações do povo inspiram, abrangendo aspectos da vida e da natureza, psicologia das gentes, bichos, episódios amorosos e trágicos, alimentos, cerimônias, amores escondidos, mitos, lendas, superstições, doenças, músicas, danças, facécias, anedotas, linguajar - e ninguém melhor do que Hermes Vieira colocou esses processos de vida de homens e mulheres humildes na construção de versos que constituem exemplo de arte verdadeira e motivo de consagrada inteligência.


A Tito Filho, 23/07/1988, Jornal O Dia.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

TRAGÉDIAS

As comunidades humanas de vez em quando padecem provocações, que resultam de cousas diversas - crimes, intempéries da natureza, epidemias, atitudes passionais dos grandes ajuntamentos humanos, imprevidência das pessoas ou dos governos outros. Teresina tem sofrido também, no curso de sua história, dias aflitivos e penosos.

Em 1875 houve o pânico, tempo em que a varíola matava por todos os recantos da cidade, que ocupava apenas a parte plana da margem do rio Parnaíba. Frei Serafim de Catânia tornou-se o piedoso confrontador dos padecentes: "Jamais recusou da porta do pestoso, simples trapo de carnes podres, caindo aos pedaços, sem feições reconhecíveis, momento terrível de miséria humana. Esse quadro, muitas vezes renovado, não o abateu durante longas jornadas a qualquer hora do dia ou da noite. Ao ouvido dos desgraçados, sem desfalecimentos nem tardança, trazia a paz da consolação suprema" - assim escreveu o ilustre Elias Martins. Dois anos depois da varíola, a seca de 77. Centenas de retirantes chegavam ao Piauí, vindos do Ceará. E para o Piauí não tardou a penúria, a fome, a morte. Teresina abrigou multidão de exaustos e doentes.

As cheias formidáveis dos dois rios que banham a cidade, de tempos em tempos inundam habitações, sobretudo as choupanas da pobreza sofredora - e desabrigados sem conta permanecem até que as águas baixem e seja possível reaver as choças miseráveis ou levantamento de novas.

O cerco da Coluna Prestes, entre 1925 e 1926, vinda pelo sul do Estado, fez que grande parte da população, espavorida, abandonasse a cidade e tomasse os caminhos do norte, por medo da fuzilaria ensurdecedora e perigosa.


A. Tito Filho, 23/11/1988, Jornal O Dia.

sábado, 13 de novembro de 2010

CINEMA

Diz-se que a primeira exibição de cinema em Teresina se verificou em 1901, no Teatro 4 de Setembro, de A. F. Nauman, seguindo-se Bernardt Blum. Apenas quadros animados. Em 1906, houve cenas exibidas por Moura Quineau e R. Coelho. Seguiram-se os espetáculos de 1908. Adiante, 1910, muita variedade de filmes mudos atraiu boas platéias. Pedro Silva, grande animador da vida artística da capital, também manteve casas cinematográficas. Antes de 1930, inaugurava-se o Cinema Olímpia, na praça Rio Branco, e em 1933 os irmãos Alfredo e Miguel Ferreira dotavam a cidade de filmes falados, exibindo-se "Doce como Mel", norte-americano, com Nancy Carrel.

Na década de 30 a risonha capital do Piauí possuía três cinemas - um tipo poeira o "Royal", bancos de madeira, sem encosto, situado na rua Simplício Mendes, no lugar onde  hoje se encontra casa comercial. Tinha a especialidade em filmes seriados, em que o mocinho realizava pulutricas incríveis. Seis semanas duravam as exibições, uma série de sete em sete dias. Também passavam películas de bangue-bangue, Tom Mix, Buck Jones e outros heróis da época. Superlotava-se na sessão dominical das seis da tarde. A molecada assobiava a valer.

Os outros dois eram de elite. O "Olímpia", na praça Rio Branco de sessões chiques às 20 horas. Dias de domingo, as senhoras da alta-roda e os maridos engravatados enchiam a comprida sala de espetáculos. Bons filmes mudos. Artistas famosos. Pertencia ao carcamano Budaque. Na praça Dom Pedro II funcionava o Teatro 4 de Setembro, da empresa Ferreira Irmão, propriedade de Miguel e Alfredo, inaugurado em 1933 com a introdução do cinema falado em Teresina. Freqüência da melhor sociedade.

Nos dias de segunda-feira o "Olímpia" oferecia entrada gratuita às normalistas fardadas, o que acontecia no 4 de Setembro, nos sábados.

Na década de 40, com o desaparecimento do "Royal" e do "Olímpia", surgiram o "Rex", de certo luxo, o "São Luís", rua 13 de Maio, frente para um dos lados do Clube dos Diários, também requintado, ambos de freqüência das camadas ilustres, e o de segunda classe, denominado "São Raimundo", na Piçarra, zona do meretrício nesse tempo. Dos três, ainda funciona o "Rex".

Em setembro de 1966, inaugurou-se o "Royal", segundo desde nome, da melhor categoria, infelizmente desaparecido.

Os anos correm e construiu-se o cinema do Centro de Convenções, parece que desativado. Inaugurou-se ainda o Cinema de Arte, fechado, segundo afirmam, por falta de apoio oficial.

De quantos existiram, dos anos 30 aos nossos dias, resta o "Rex", impávido, na praça Pedro II.

Pena que Teresina esteja abandonada relativamente a uma das melhores diversões criadas pelo homem.

As presentes considerações homenageiam José Elias Martins Arêa Leão, por virtude der sua ilustrada exposição sobre a vida cinematográfica da capital - mais um serviço expressivo que ele, vontadoso e criativo, presta, no terreno cultural, à coletividade teresinense.


A. Tito Filho, 18/05/1988, Jornal O Dia.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

LIVROS

Quais são as grandes questões da literatura contemporânea americana? No romance, a ficção étnica e metaficção estão em conflito permanente, mantendo suas características e seus públicos distintos. No teatro, o retorno ao gestual, ao ritual e à mímica revigoram a dramaturgia. E a poesia busca falar mais simples e diretamente a um público cada vez maior.

Tendo como pano de fundo o panorama sempre móvel da vida nacional americana, A Literatura Americana Pós-1945 realiza uma importante revisão das tendências e movimentos literários nos últimos quarenta anos, focalizando não apenas os grandes nomes, mas também os autores significativos, mas menos populares. Mais de trezentos romancistas, poetas e dramaturgos, aqui estudados, entre eles Saul Bellow, Tennessee Williams, Eugene O'Neill e Arthur Miller.

Robert F. Kiernan é o autor de um estudo profundo sobre Gore Vidal e colabora para a "Encyclopedia of World Literature in the 20th Century", da Editora Ungar, da qual é consultor sobre literatura americana. Professor de inglês e de literatura mundial na Manhattam College, publica artigos em importantes publicações literárias.

Yvonne R. de Miranda marcou o ano de 1986 com um original livro sobre as excursões internacionais, que agradou plenamente pela franqueza e espírito com que expõe esse tipo de  viagem, fugindo aos depoimentos habituais. Agora, em 1987, volta ao gênero contos com O CALÇÃO VERMELHO. E, mais uma vez, a escritora se impõe pela facilidade com que liga o seu leitor aos dramas das suas personagens, fazendo-o o vibrar com suas alegrias ou frustrações mesmo quando não se identifique com elas. É a vida alí ao nosso alcance, como se vista de uma janela. Mesmo o marginal de "O Calção", por um momento, consegue transmitir ao leitor um elo de compreensão humana, suavizando a repulsa pela figura do assaltante, tão temida e odiada atualmente.

Como Machado de Assis e outros grandes escritores, Yvonne R. de Miranda fotografa a sua época com grande fidelidade e a criatividade que se faz necessária para prender permanentemente a atenção do leitor.

A autora iniciou a sua carreira literária através do conto. Premiada em concursos da "Revista da Semana" e de "A cigarra", seu primeiro livro ONDA RUBRA, foi de contos.

Elói Pontes, na época o colunista literário de "O Globo", previu para a estreante sucesso no gênero, destacando seu estilo de marcante atualidade, assim como a facilidade da nova contista de retratar os sentimentos do povo.

Ela escreveu quatro romances, e livros de memórias, mas permaneceu uma grande contista. A vida palpitando em suas histórias, até em seus mini-contos, todos marcados pela valiosa característica do bom contista de condensar em poucas páginas momentos culminantes de cada vida. Excelentes flashes, onde transparecem seus vinte anos de jornalismo.


A. Tito Filho, 21/07/1988, Jornal O Dia.