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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

TOMBAÇÃO - III

Tombar significa cair, derrubar, mas também preservar o patrimônio artístico, enfim cultural das coletividades. Teresina tem sido destruída, perversamente, por motivos ambiciosos, ofendida na riqueza dos seus bens espirituais, dia por dia, em nome da ganância por dinheiro para a luxenta vida sem sentido, ou dos programas de governo apoiados sobre obras de fachada. Leônidas Melo sacrificou o antigo e bonito FÓRUM. Helvídio Nunes, para construir um vistoso conjunto administrativo desplanejado e torto, desalinhando a rua Rui Barbosa, arrasou a edificação de estilo neoclássico de ordem dórica denticular, feita em 1919, em que funcionaram a Fazenda, a Polícia, as Obras Públicas, a Faculdade de Direito, o Centro Telefônico. Sem dinheiro para concluir a aleijada programação, vendeu o arcabouço ao governo federal, que o aproveitou e terminou as obras para alojamento de órgãos fazendários.

E o SOBRADO DOS AZULEJOS AMARELOS, na rua Bela (Teodoro Pacheco), esquina da rua Boa Vista (Rui Barbosa)? Mandou construí-lo o fazendeiro José Félix Alves Pacheco, que não se trata do poeta simbolista do mesmo nome. Para os serviços veio mestre-de-obras de São Luís, que assentou os azulejos portugueses. Demoliram-no em 1969. No lugar se fez o espigão chamado Palácio do Comércio, destinado quase a aluguel de salas.

Se Alberto Silva levantou o ALBERTÃO, está de futebol sem platéia, o seu figadal inimigo Dirceu Arcoverde devia efetuar cousa igualmente monumental, e botou abaixo a velha penitenciária, um dos marcos do começo de Teresina, e levantou o Verdão determinando o fechamento de vias públicas com que mais uma vez se aleijava a cidade.

Desapareceu a casa de Antonino Freire. Os calçadões liquidaram a praça Rio Branco, recanto agradável de tradição.

João Mendes Olímpio de Melo, prefeito, deformou o Teatro 4 de Setembro no primeiro centenário de Teresina. A querida casa de espetáculos tinha de cada lado área ampla arborizada, de inconfundível beleza. Anularam-na e no lugar surgiu casa de bebidas e comidas arrendado a cidadão argentino que explorou quanto mais o ramo e nele enriqueceu. A estalagem passou a boteco de segunda classe com o correr dos anos. A imponente area plantada do outro lado foi cedida pelo prefeito Agenor Almeida a comerciantes que no local mandaram construir certa espelunca de dois andares. No térreo instalou-se venda de pastéis e bolos, na parte superior funcionava jogatina permanente.

O patrimônio cultural de Teresina, a sua dignidade, os seus valores tradicionais, o exemplo dos seus filhos humildes, os que, com trabalho e sacrifício, a construíram - esse patrimônio tem sido maltratado, insultado, descaracterizado, sob protestos de poucos, de alguns corajosos amigos deste xodó, deste bem-querer que José Antonio Saraiva confiou aos homens, na imensa fé de que a sua criatura maravilhosa haveria de ser respeitada, mas a verdade está em que Teresina sofre exploração de ambiciosos de dinheiro, ou a deformam administradores de mau senso.

Só a tombação resolve o problema. O Estado e o Município têm o dever de resguardar a memória do que no passado foram dignos de suas responsabilidades.


A. Tito Filho, 22/08/1988, Jornal O Dia

domingo, 30 de janeiro de 2011

DOENÇA

Anízio Cavalcante, inteligência aprimorada, muito educa os desavisados nesta crônica que me manda de Niterói. Tenho as mesmas idéias que ele. Leiam as palavras que escreveu esse piauiense ilustre sob o título O HOMEM DOENTE DE PÓS-GUERRA. A doença do mundo está na desagregação moral da sociedade. Leiamos Anízio:

"A imprensa do sul do país anunciou em maio de 1985 que, na França e na Inglaterra, estavam sendo realizados dois congressos de psiquiatria para uma conceituação e diagnose clínica definitiva da neurose, da ansiedade e da angústia. [Jornal do Brasil, 5.maio.1985]

A profunda aceleração do ritmo da vida humana, depois da segunda grande guerra, terminada em 1945; a derrocada dos valores morais, que não foram substituídos por valores melhores; a descristianização das massas e, consequentemente, o seu embrutecimento e animalização; a conduta do individuo, já frequentemente bestial; os vícios, o consumo de drogas estupefacientes; em síntese, a desagregação física, psíquica, moral – graus supremos da desmoralização - transformaram o homem deste final de século vinte: despojam-no da estrutura psíquica normal, e, já agora, é atormentado pela instabilidade econômica do país, iniciada no ano de 1930.

A inquietação, a ansiedade, a angústia, que neles se instalaram, se manifestam com freqüência através de sintomas vazios: falta de concentração mental, sensação de irrealidade, medo de enlouquecer, temor de catástrofes, medo de assaltos, medo de tráfego, palpitações, perturbações gastrintestinais, insônia, roer de unhas, suores frios, pressão sanguínea alta, taquicardia, desemprego, medo de inflação, profissão não-amada, sensação de perda de status dos aposentados (chefias, comissões, diretorias, presidências, honrarias).

Como síntese de todas essas constatações psicológicas, podemos dizer: homem desgastado pelas estruturas sociais, que desmoronaram; pela rápida e incessante sucessão de fatos, que o ameaçam; perda grave do sentimento religioso, com a sensação de ser órfão adulto; tomado de desorientação, de instabilidade, insegurança; psiquicamente desagregado, eis o homem que não terá o prazer de comemorar, no ano de 1989, o segundo centenário da Revolução Francesa (1789), origem das repúblicas.

Os jornais destes dias atuais anunciam o aumento significativo de moléstias mentais e nervosas.

O leitor desta crônica é convidado a meditar sobre o que nela se descreve"


A. Tito Filho, 20/07/1988, Jornal O Dia

sábado, 29 de janeiro de 2011

APOTEOSE

Aconteceu a 10 de dezembro de 1988, dia de sábado. Era noite e se daria, como se deu, o casamento do ano. Uma apoteose. Dos cinco mil convidados, compareceram dois mil, mas pode atestar-se que as comedorias e bebedorias se prepararam para os presentes e para os ausentes. Uma festa de papouco, como os meus avós batizavam essas experiências, no seu tempo. A imensidão se passou nos arredores do Recife, numa propriedade de sete mil metros quadrados. Verificava-se um casamento em família de milionários cujos dinheiros são inesgotáveis. A noiva esteve metida em traje de princesa medieval, de sete milhões de cruzados, com um rabo de dez metros de comprimento, segurado por umas trinta ou mais seguradoras de rabo de noiva em casório de luxúria. Na cabeça dela puseram uma tiara de prata e pérolas. Sim, uma tiara, da forma que registrou jornal do Rio de Janeiro. Como tiara é cousa de papa, a futura esposa parecia uma papisa. Doze damas de honra acompanhavam a marcha nupcial, cada qual mais rica de enfeitações. As mucamas usavam roupas bordadas em estilo francês e se encarregavam do atendimento dos convivas indicando-lhes os locais de efetuar o pipi, as salas de arrotar, os caramanchões de descanso e os reservados para as dondocas rebocarem as caras. A sala da cerimônia estava iluminada de cento e vinte refletores. Depois das benzedouras do pastor evangélico, houve os comes e bebes comemorativos. A comida foi transportada em três microônibus, várias kombis e alguns automóveis. Viam-se cinco bolões de noiva, de vários pavimentos cada um. Já me ia esquecendo: o salaozão da festança era ornamentado de castiçais de ferro, feitos especialmente para o regabofe, e mais quatro candelabros que custaram oito milhões. Cento e cinqüenta garçons carregavam bandejas de bebidas e comidas. Contrataram-se os melhores fogueteiros de Pernambuco para o espetáculo dos fogos de artifício, e com estes e os tocadores de foguete os gastos subiram a dois milhões. Duzentos soldados da polícia e um pelotão de bombeiros e carros respectivos, pagos pelos brasileiros de categoria inferior, montaram a segurança do tubaronato nacional.

E nos arredores de Recife também meninos famintos se alimentavam de restos de comida apanhados nas latas de lixo. Mundo cão.


A. Tito Filho, 20/12/1988, Jornal O Dia

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

TOMBAÇÃO - II

"Revivendo Teresina" vale um trabalho de amor e afeição a esta cidade maltratada, ferida, desfigurada na sua memória social. Tranqüila e pitoresca, como sempre eu disse dela, da sua gente querida, singela nas suas habitações, nos prédios públicos. A antiga Vila Nova do Poti tem sido dia por dia modificada pela exploração imobiliária e ganância de certos proprietários sem alma, sem respeito à lembrança dos que a construíram.

Leônidas Melo iniciou o processo. Mandou derribar o edifício do fórum, merecedor de respeito, pois ali pontificaram luminares da ciência jurídica que constituíram o Tribunal de Justiça do Estado. No lugar se constituiu o Hotel Piauí, hospedaria governamental arrendada a particulares que encheram a pança de dinheiro por conta e patrocínio dos cofres públicos desta terra sem rumo e sem objetivo. Havia acordo entre o arrendante e o arrendatário. Dos dinheiros do arrendante o arrendatário descontava, nos governos seguintes, a hospedagem gratuita e criminosa de deputados e dos protegidos oficiais. Tanto gritei que o hotel foi vendido, anos depois. Ainda bem. Demoliu-se o tradicional Café Avenida, onde homens ilustres se encontravam para palestração amistosa. Hoje o local serve de estacionamento de automóveis. Quanta desafeição a uma comunidade acomodatícia e inconsciente dos seus direitos.

Passado o tempo, houve o deprimente espetáculo de desproteção aos bens espirituais de Teresina decretado pelo governador Helvídio Nunes. Sacrificou-se o prédio enorme, em que se alojavam antigamente a Secretaria de Fazenda, a Faculdade de Direito, a Diretoria das Obras Públicas, a Chefia de Policia - um conjunto de heranças históricas - derribando para a bestialógica construção de um centro administrativo desnecessário. Ali se inaugurou o centro telefônico automático, em 1937. Sem dinheiro para terminar o elefante branco, vendeu-se o arcabouço ao Ministério da Fazenda, que o concluiu e nele assentou vários dos seus setores administrativos. Proeza de heróis, a do conterrâneo Helvídio Nunes.

"Revivendo Teresina" constitui um livrinho de amor. Concebeu-o uma plêiade de gente maravilhosa, como Socorro Carvalho (pesquisa), Alcília Afonso, Ana Márcia, Ana Clélia Correia (texto), Arnaldo Albuquerque, Wagner Santos e Diva Figueiredo (fotografias), Ana Márcia Moura e Alcília Afonso (desenhos) e Geni (arte final). Gente de coração, sobretudo.

Nunca perdi a lembrança do prefeito Lindolfo Monteiro, que administrou a cidade uns dez anos. Médico de crianças. Ele não fez esgotos, mas tinha cuidados especiais com a cidade. Nesse tempo não havia verbas federais no tesouro municipal. As cidades viviam dos seus próprios recursos. Na história de Teresina, Lindolfo representa um dos seus mais admiráveis governantes. Antes, houve Luis Pires Chaves.

Luis arborizou, uma lindeza, a praça Saraiva. O criterioso Lindolfo criou o Parque da Bandeira - simples, bonito, sem desfigurar cousa alguma. Por volta de 1936 Francisco do Rego Monteiro, prefeito, deu mais graça e harmonia à praça Rio Branco, antiga praça Uruguaiana, lugar em que se acenderam as primeiras lâmpadas elétricas de Teresina.

Lindolfo fez mais. Cidade limpa. E urbanizou a velha e boa praça Aquibadã, que depois se chamou João Pessoa e finalmente Pedro II.

Assassinaram as lembranças espirituais de Teresina, em nome de um progresso sem entranhas, destruindo-se, por causa do dinheiro, a memória desse xodó maravilhoso que foi a cidade de Saraiva de Antigamente, desambiciosa, tranqüila e pitoresca.


A. Tito Filho, 20/08/1988, Jornal O Dia

O CONGRESSO

Criada em 1933 a Associação Piauiense de Imprensa e já funcionando regularmente Cláudio Pacheco sugeriu que se convocasse um debate entre jornalistas, em Teresina, para "intensificar o movimento associativo iniciado pela A.P.I. e tornar mais eficiente a sua atuação como órgão defensor dos direitos da classe e dos interesses e aspirações dos militantes na imprensa".

A idéia teve entusiástica recepção. Designaram-se Pedro Conde, Benedito Pestana e Joel Oliveira para que elaborassem as bases da reunião e os assuntos das teses de estudo. Organizou-se regimento. Confiou-se a direção do certame à própria mesa diretora da API. Escolhido presidente de honra mestre Higino Cunha, decano da imprensa piauiense e sua maior expressão.

As teses subordinaram-se aos seguintes temas: 1) criação e desenvolvimento da Imprensa do Piauí, compreendendo o aparecimento do primeiro jornal e o histórico das artes tipográficas no Estado. 2) Influencia da imprensa no meio piauiense, sobretudo a feição moral, com o histórico das campanhas jornalísticas ocorridas no Estado. 3) Liberdade de imprensa, censura e ética jornalística. 4) O jornalista e o estudo de sua figura em relação ao meio.

Das teses se encarregaram, respectivamente, Joel Oliveira, Higino Cunha, Joel de Andrade Sérvio e Pedro Conde. Até hoje não se verificaram estudos idênticos.

Todos os jornais de Teresina como do interior aderiram ao movimento que recebeu o nome oficial de Congresso da Imprensa Piauiense, o nosso primeiro e notável ciclo de debates importantes sobre o assunto.

Representações. Teresina, Cláudio Pacheco, jornal "O Tempo"; Leonardo Cunha, "Diário Oficial"; Martins Napoleão, jornal "O Momento"; João Pinheiro, jornal "A Imprensa"; Vaz da Costa, jornal "A Gazeta" e Moura Rêgo, revista "A Gazeta". José de Freitas, Antônio Freitas. Campo Maior, Leopoldo Pacheco. Floriano, Antônio Neves, jornal "Floriano", Veras de Holanda, Hosternes Brandão, Alceu Brandão, Osvaldo da Costa e Silva, Benedito Pestana, jornal "A Liga", José Pires Ferreira, jornal "O Popular". Picos, Joaquim das Chagas Leitão. Piripiri, Osíris Melo. Amarante, F. da Cunha e Silva. Parnaíba, padre Israel Sousa, jornal "O Sino", Leopoldo Cunha, "A Tribuna", Epaminondas Castelo Branco, João Pinto Edison Cunha, Da Costa Andrade, jornal "O Norte", e Raul Primo.

A Associação Brasileira de Imprensa esteve representada por Antonino Freire.

A 22 de julho de 1933 deu-se a sessão preparatória do Congresso, na sede da Associação Comercial Piauiense.

Realizou-se a instalação oficial do cinema "Olímpia", praça Rio Branco, 10 horas da manhã de 23 de julho, abrilhantada por concorrência excepcional, presente a sociedade teresinense. Presidência de Cláudio Pacheco. Prestigiaram o acontecimento as mais destacadas figuras da administração.

Estas despretensiosas notas, que ora publicamos, têm o objetivo de contribuir para o levantamento da história de nossas associações de imprensa.

A. Tito Filho, 20/04/1988, Jornal O Dia

MEMÓRIA

Meu pai e Eurípides Aguiar muito se estimavam. As vicissitudes de vida e os deveres da solidariedade estabeleceram entre ambos sólida amizade, que os anos não arrefeceram, antes aprofundaram - e o fato fez que tivesse no incontestável comandante um amigo certo, a quem ofereci admiração e respeito. Com a subida de Rocha Furtado ao Governo, as figuras mais ativas de "O Piauí", Eurípedes, Martins Vieira e Ofélio, receberam cargos oficiais, como auxiliares da administração que se inaugurava. Afastaram-se do jornal, cuja direção Eurípedes me entregou, e pude desempenhá-la com leal observância dos princípios partidários. Transmitia-a, de ordem, ao poeta José Severiano da Costa Andrade.

Em maio de 1947 tive nomeação como delegado de polícia da capital. Por esta forma passei a trabalhar com Eurípides, chefe de Polícia e nas funções me conservei.

Privei com Eurípides no jornal e nos encargos de xerifado. Dele recebi conselhos e proveitosas lições de experiência. Nunca o vi covarde, nem prevalecido de prestígio para perseguir ou humilhar. Uma feita me ensinou que a gente não deve gastar tempo, tinta e papel para se defender de ataque inimigo pelo jornal. Antes se ataca com mais violência o diatribista.

Eurípides não tinha ódio a ninguém. Apenas - me contou certa vez - nunca perdoaria a maldade que certo cidadão lhe fizera, desnecessariamente. Jamais o havia perseguido, mas nunca praticaria gesto que o beneficiasse. Quando Rocha Furtado pretendeu premiar essa conhecida figura, Eurípides, como secretário geral do Estado, recusou-se a assinar o ato. Não houve o beneficio. Disse-me Eurípides: "Esperei-o anos a fio, detrás do paú, cacete em punho. chegada a hora, dei-lhe a cacetada merecida".

Era doutor em assentar apelidos gostosos e sarcásticos nos adversários: Soim da Prefeitura, Cascavel de Quatro Ventas, Carregador de Piano - e outros que depressa caíram no agrado popular e se tornavam obrigatórios nas palestrações de praça e na linguagem debochativa dos jornais. Para que se compreendam essas irônicas alcunhas torna-se necessário conhecer as personagens que elas batizam, pois os ditos se ajustam ao modo de ser de cada um.

De igual modo, processava-se a vingança adversária. Poucos homens públicos tiveram tantos batismos grosseiros e jocosos como ele: Urso Branco, Euripão, Macacão dos Matões, Gostosão da Vivença, para citar alguns.


A. Tito Filho, 21/11/1988, Jornal O Dia

BAURÉLIO

Era de Piripiri. Batizou-se como Benedito, precisamente Benedito Aurélio. Pertencia aos Freitas. Cedo perdeu os pais e passou a ser criado pelo avô fazendeiro. Novinho ainda foi confiado aos cuidados de um amigo da cidade piauiense de Barras, possuidor de farmácia - e o vendedor de remédios lhe ensinou o segredo da manipulação de drogas, ao mesmo tempo em que aprendia mais cousa na escola. Peregrinou por outras comunidades. Era prático de farmácia, até que se fixou em Teresina. Pelos cafundós das suas andanças receitava sempre, e gozava de algum conceito nas recomendações que fazia para a cura dos males físicos da clientela.

Na capital do Piauí redigia jornais. Vestia-se mal. Abandonou a profissão de farmacêutico e fundou "A Jornada". Pôs os petrechos do jornal no lombo de jumento e se tocou pelas bibocas do Estado. Órgão de imprensa ambulante, do qual ele exercia as variadas funções de redator, tipógrafo, paginador e impressor. Também desenhava caricaturas de gente pequenina e graúda e confeccionava os clichês na madeira para ilustração das notícias. Aonde chegava fazia que o periódico circulasse. Adotou vários pseudônimos, mas adquiriu fama e repercussão: Baurélio Mangabeira. E explicava-o: de Benedito, o B, conforme conta das sagradas escrituras. Aurélio traduz homenagem ao pai. Mangabeira denomina arvore dadivosa das matas piauienses, cujo látex vale ouro e o fruto é como a vida: ora tem amargores de fel, ora doçuras de mel.

Irônico, sarcástico, nunca deixou de poupar os orgulhosos, os presunçosos, os metidos a besta. Arrecadou antipatias e malquerenças. Um grandão da politica prometeu que mandaria, em data marcada, dar-lhe uma pisa de cipó. Foi ao chefe de Polícia, a quem pediu interferência, pois no dia fixado tinha compromisso de participação em festa de amigo. As cipoadas deveriam ser adiadas.

Boêmio. Dava-se sempre à boa cana. Vida irregularíssima, como dele disse Cristino Castelo Branco. Morava perto do cemitério e via passar constantemente enterros, defuntos idosos nos caixões pretos, horríveis, anjos e virgens em urnas mais suaves. Lembrou Cristino um soneto por ele escrito, no dia de completar mais um aniversário, com estes versos finais:

Tanta gente a passar pro cemitério,
E eu, caladinho, faço mais um ano.

A poesia de Baurélio assume tonalidades bucólicas, satíricas, românticas, parnasianas, folclóricas. Encantadora sensibilidade artística. Desprezou o dinheiro. Gostava de mostrar o lado feio dos adversários. Bebia, farreava, perambulava entre cidades. A exata pintura de Lima Rebelo bem o mostra por inteiro: todos o procuravam para lhe cobrar alegria, sem que nada lhe dessem. Pobre, começou a pensar nos filhos pequenos e desamparados. Era tarde. Doente, no seu entardecer chorou por não ter conseguido um ninho para os seus pintainhos.

Finou-se o grande poeta em Teresina, ano de 1937, aos 53 anos de idade.

Os piauienses lhe desconhecem a superior inteligência e o imenso talento lírico.


A. Tito Filho, 19/03/1988, Jornal O Dia

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

EMPACOTAMENTO

Nas festas fraternas dos 29 anos do Sindicato dos Jornalistas do Piauí, mês passado, houve um momento em que poucos meditaram. Não meditei sobre um assunto de incontestável seriedade porque mais de uma vez havia denunciado a perversidade desse empacotamento cultural do Brasil, que Armando Rollemberg, corajoso e claro, denunciou no instante de sua fala aos jornalistas piauienses - o empacotamento com que a Televisão UNIFORMIZA hábitos e costumes regionais brasileiros. Pouco a pouco desaparecem os agradáveis piqueniques de familiares e amigos, pobres e ricos, substituídos pelos americanizados coquetéis residenciais ou nos clubes, nos quais só a soçaite destes atormentados anos se delicia nos salgadinhos sem gosto, enfeitados de rodelinhas de azeitonas e salsicha, o tira-gosto da moda após cada taleigada (taleigada mesmo) de uísque gelado. Institui-se a civilização do enlatado. As danças típicas sumiram-se. Só se dança nos dias que correm, cada homem e cada mulher, separadamente, ou homem com homem e mulher com mulher, pinotando ou careteando que nem macaco, na barulheira e histerismo do roquenrol. Não se bebem mais cajuínas, sim coca-cola, expressão do progresso das coletividades patrícias. A panelada de bucho e tripa e a mão-de-vaca, comidas de sustança na confecção de machos verdadeiros, cederam lugar aos perfumados estrogonofes. O cinema tem fundamento na violência. Criança não ouve mais as encantadoras estórias das vovós bondosas. Educam-se nos xôs das xuxas. O texto é um só, no Brasil: bumbuns de fora, pornografias no ar. A linguagem de gatos e gatas e até de mestres qualificados vigora, deformada, no iê-iê da nação toda. TU  e VOCÊ são pronomes idênticos. A novela orienta a juventude, a maturidade, a velharia para o desrespeito recíproco. Pais e filhos se xingam. O bicheiro tem "status" - e aos estudantes serve de exemplo a uma carreira de conforto e de conquistas amorosas fáceis. Dinheiro a rodo lucram os profissionais da esperteza. Muitos homens de variado tipo usam brincos nas orelhas e difundem a usança pela tevê.

A televisão brasileira, de propriedade dos espertos, dos tubarões de publicidade, praticam verdadeiro crime espiritual. UNIFORMIZANDO o Brasil. Música, cantoria, cozinha, vestuário, usos, hábitos, costumes, estórias, sexo, brinquedos infantis, livro, teatro, cinema, perfume, linguajar, lendas, modos de mentir, diversões - tudo, mais alguns anos, estará bitolado. Educação para comprar, para gastar dinheiro na aquisição de quanta impostura a indústria fabrique. Afeto um só: presente para a mãe, para o namorado, para o pai, para cada classe do dia que a inteligência dos negociantes aponta. As cousas e práticas regionais desaparecem a cada instante. Não se mostra arte, nem se educam as coletividades, senão num ou programa que as platéias recusam. A deformação é geral. O Brasil ingressou no caminho da civilização empacotada.


A. Tito Filho, 19/05/1988, Jornal O Dia

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

NÓRDICA E ANTARES

A editora Nórdica acaba de incorporar a Editora Antares, cujo acervo passará a constituir uma divisão especial dentro da nova casa, onde a sua comercialização se iniciará em todo o Brasil a partir do dia 27 de junho.

O acordo foi realizado entre Maura Sardinha e Maria Helena Geordane, pela Antares, e Jaime Bernardes, pela Nórdica.

A Antares foi fundada em 1978 e alcançou excelente prestigio, principalmente, através do lançamento de obras de literatura infantil e juvenil dos melhores autores nacionais. No entanto, também obteve uma posição meritória na area universitária, especialmente em fonoaudiologia, setor em que a editora, praticamente, foi pioneira no lançamento de obras de autores nacionais (antes, havia apenas alguma coisa do Dr. Pedro Bloch). Em ficção e não ficção, alguns lamentos fizeram ótima carreira no mercado e ainda permaneceram com vendas pontuais de bom nível, como é o caso, por exemplo, do clássico "Geografia da Fome", de Josué de Castro. Ao todo, serão transferidos para a Nórdica, aumentando o seu catálogo, cerca de 70 títulos, 50 dos quais na área infanto-juvenil.

Durante dez anos a Antares lançou mais de 120 títulos e realizou um esforço extraordinário a favor da cultura nacional. Os investimentos foram, relativamente grandes e a sua administração apresentou um bom resultado, traduzido por uma situação hoje controlada e saneada. A Antares poderia ter continuado, mas as dificuldades econômicas do país no momento e, sobretudo, os atuais problemas de comercialização exigiam novos e pesados investimentos que Maura Sardinha e Maria Helena Geordane acharam por bem não realizar.

A Nórdica, fundada e administrada pelo editor Jaime Bernardes, desde 1970, vem atravessando as sucessivas crises econômicas do país, seus altos e baixos, com uma atuação equilibrada e cautelosa, sem grande euforia e sem grandes pessimismos. Jaime Bernardes costuma dizer que, editar e administrar num país de alta inflação como é o Brasil se assemelha a correr uma prova de fórmula 1, à velocidade de 300 km por hora. O mínimo deslize é a morte do artista. Um pé no acelerador, outro no freio, mudanças na hora certa, atenção aos outros concorrentes, antecipar suas manobras e as do comando da corrida, ou seja, o governo que adquiriu o hábito de mudar as regras mesmo "durante" a prova, são algumas das precauções a tomar nas circunstâncias.

Em seu acordo, a Antares permanecerá como selo de prestígio dentro da Nórdica e será uma divisão que continuará dispondo da preciosa assessoria editorial de Maura Sardinha. Novos lançamentos estão em estudo, embora a prioridade seja dada às reedições. São vários os livros da Antares que estão esgotados e serão sucessivamente relançados.


A. Tito Filho, 19/07/1988, Jornal O Dia

TOMBAÇÃO - I

Marcelino e Ada Rego, meus avós, tiveram mais de vinte filhos. Viviam no Peixe, hoje município de Nossa Senhora dos Remédios. No povoado morava, dona Beatriz Rodrigues, viúva sem descendentes, já idosa, e esta boa senhora quis criar um dos rebentos do casal, Nise, e recebeu a garota, cercou-a de conforto e de afeição. Moça feita, casou-se com José de Arimathéa Tito, juiz de direito da comarca de Barras com jurisdição em algumas vilas do interior. Nasci do casal. Minha mãe morreu do segundo parto, uma menina, que, quinze dias depois, fechava os olhinhos ao mundo. Meu pai casou de novo. Antes, deu-me de presente a dona Beatriz, a quem se chamava Beata. Uns três anos depois, resolveu ele tomar o filho da veneranda mulher, pois não veio rebento do segundo matrimonio. Carregou-me de manhã num ford-de-bigode, e de noite chegava a Barras a noticia de que Beata havia morrido, certamente do coração. A boa velha deixou-me rico. Fazenda de gado no Peixe, fazenda de gado e vazante em Marruás, sítios em Esperantina e Barras e bens outros de que não me recordo.

Transferido para Teresina meu pai, com a família, habitava casa alugada, mas acalentava o sonho de construir confortável residência. Vendeu as propriedades de minha mãe, que eram minhas, e construiu a espaçosa casa da rua Eliseu Martins, recebendo-a dos empreiteiros em setembro de 1933. Com a morte de Arimathéa a casa passou a viúva, cabendo-me outra por compensação. Nela meu pai trabalhava, descansava, e todos nós o admirávamos na sua alegria e no seu entusiasmo pela vida. Trinta anos depois, dela saia o bom do velho morto para a morada derradeira.

Minha madrasta morreu doze anos depois do marido. Os bens que ela possuía passaram a familiares seus. A mim não coube uma simples xícara de servir café. Nada quis nem me convinha reclamar. Os herdeiros venderam o imóvel.

Hoje me proibi de andar pelas imediações dessa casa de esquina, ampla e de relativo conforto. Dói-me o espírito vê-la como está dividida em vários compartimentos comerciais. A sala onde meu pai lia e escrevia brilhantes sentenças jurídicas agora expõe calcinhas intimas, sutiãs e mais que seja. Tudo se repartiu em lojas de variado tipo. A chamada sala de visitas, em cujas cadeiras se sentou gente importante, como José Américo, está desfigurada, serve de venda de tintas. As mangueiras frondosas desapareceram.

Fico a pensar na ambição dos homens. O dinheiro torna vil quem o ambiciona e o tem como deus. Pois aí está a que ponto relegaram a memória de Arimathéa Tito, meu pai, um dos mais admiráveis juízes do Piauí, reto, caráter sem nódoa, homem de bem, pobre, humilde, mas dedicado servidor de sua terra, havendo ocupado vaga do Tribunal de Justiça e lecionado na velha Faculdade de Direito.

A casa a que ele dedicou cuidados constantes, melhorando-a sempre que podia - e que tem muito da sua vida ilustre, tornou-se um balcão de dinheiro, com que se azinhavra a memória dos homens e das belezas de Teresina.

A tombação ou o tombamento é o remédio.


A. Tito Filho, 19/08/1988, Jornal O Dia

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O VELHO CLUBE

Senhores da mais alta evidência, pelo dinheiro e pelo prestígio político e intelectual, fundaram a sociedade recreativa Clube dos Diários, no ano do centenário da Independência do Brasil, 1922. Coube a primeira presidência ao comerciante e proprietário Antônio Ferraz. Deu-se o baile inaugural a 31 de dezembro do mesmo ano, na casa residencial do negociante Antônio Campos, batizada de CAMPINA MODESTA. Disseram-me depois que a festa esteve maravilhosa. Presença da fina flor da alta roda, mulheres vestidas de muito luxo e beleza. Anotaram-se na crônica da época nomes prestigiosos de homens e suas famílias, como Matias Olimpio, Miguel Rosa, Valdivino Tito, Jarbas Martins, Mário Baptista, Evandro Rocha, Sotero da Silveira, Simplício Mendes, Antonino Freire, Heli Castelo Branco, Antônio Costa Araújo Filho, Heitor Castelo Branco, Álvaro Freire, Agripino Oliveira, Antônio Chaves, Dídimo Castelo Branco, Joel Oliveira, com destaque especial para o solteirão governador João Luís Ferreira e outros.

Em 1927, houve a festiva inauguração da sede própria, no terreno doado pelo governador Matias Olimpio, a mesma que atravessou os anos até hoje, e que, de vez em quando, sofria alterações para atendimento dos novos sócios que se filiavam ano por ano. A atual sede está aumentada mais ou menos da metade do que foi antigamente.

Tornou-se essa sociedade recreativa o centro social de intensa atividade. Era a instituição querida dos teresinenses. Deslumbrantes as suas festas dançantes. Muitos namoros, noivados e casamentos tiveram inicio nos seus salões. Homenagens a políticos, banquetes, recepções ainda hoje estão na lembrança da cidade. Carnavais formidáveis vivem na recordação permanente de velhos foliões. Ali se realizaram conferencias literárias e posses acadêmicas aclamadíssimas. Eleições de misses. Reuniões de objetivo vário.

Ainda na década de 60 o Clube dos Diários, apesar do nascimento e florescimento de outros grêmios, mantinha-se altivo, como uma relíquia, freqüentado por uma sociedade que já afrouxava os freios morais de homens e mulheres. A juventude entregava-se aos primeiros passos da contestação de costumes nas coletividades humanas.

Nos fins dos anos 60 e principio da década seguinte, a agremiação tão querida entrou em decadência e chegou ao estado que chegou, requentada pelos que apreciam o jogo noturno e madrugadino, por homossexuais dos dois tipos, garotos vadios, pivetes. Ainda algumas personalidades ilustres nela espairecem, chorando intimamente as recordações de um tempo romântico que não volta mais. O ambiente está hoje de sujeira e integral desagregação física, do solo ao teto. Sombra dorida de um passado de riqueza espiritual. Em tudo, os fantasmas dos que bailaram, cantaram e se divertiram na magia de um mundo maravilhoso que a imbecilidade dos homens maus não soube preservar.

Resta ainda, como vigilante do encantamento de outrora o antigo funcionário Marcelino Rocha, o popular Marcelino, com o seu bom comércio de comes e bebes, certamente de coração em lágrimas simbólicas pela morte do bem-querer de todos nós.

A desapropriação pelo governador Alberto Silva vingou o velho Clube das humilhações que tem sofrido, sempre clamando por uma justiça demorada.


A. Tito Filho, 19/06/1988, Jornal O Dia

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

NAMORADOS

No meu tempo não havia estas datas comemorativas, os dias disto e daquilo: dia das mães, do papai, do vovô, da vovó, da criança. Cada ramo profissional tem o seu: dia da aeromoça, dia do comerciante, dia do comerciário, da meretriz, do funcionário público, do motorista. A indústria e o comércio deveriam criar outros, como o dia do netinho, da titia, do coveiro. Que tal uma data que lembre as COROAS, mulheres que deram o tiro na macaca e que são as mais apetitosas rabos-de-saia da paróquia? Por extensão, também se assinalava a data homenageadora das BONECAS, outra das DONDOCAS. O dia-guei e o dia-sapatão. Nestes dois últimos as vendas seriam espetaculares.

A 12 de junho festejou-se o dia dos namorados, o que não acontecia alguns anos atrás. Também já não se namorava como antigamente, o casalzinho de mãos dadas apenas para que o público visse tanta inocência nas praças animadas das retretas musicais, ou no uso de certas bolinações na penumbra dos cinemas.

Nos tempos atuais as farmácias estiveram repletas de moços e moças na compra do melhor presente para os receios de cada qual: as camisinhas. Módicas de preço e de resultados mais ou menos seguros nos motéis que já estão cobrando por minuto de ocupação das camas redondas e filmes de ensinança pornográfica.

Minha primeira namorada foi uma matutinha muito alva, filha de latifundiário do antigo Marruás, hoje Porto. A menina com os pais comparecia nos festejos de Nossa Senhora dos Remédios. A gente dançava mal nos bailes de primeira que iam das dez da noite às duas da madrugada. Amor platônico, que a gente não sabia ainda das sem-vergonhices da vida.

Já taludo, consegui em Teresina namorar um morenão cheio de carnes, cabelos negros, bonita como quê, e ao lado dela, assistindo a filme de amor, aprendi a arte sublime da bolinação, como se dizia o pegamento nas saliências do colo bem feito. A garota também sabia adotar as suas liberdades provocativas.

E segui o meu destino de namorador constante, e vivi momentos inesquecíveis e deliciosos. Foram tantos. Mas a gente ficava nessas primícias encantadoras dos primeiros contactos. Avançava-se um pouco, e mais não se fazia nem se tentava, salvo se quisesse descontar o vale e sujeitar-se ao casório infalível.

Hoje se namora de modo diferente. Extinguiram-se as virgens, feitas as exceções ilustres e de praxe. Os namorados buscam as tardes e as noites nos motéis, ou nos relvados das praças esquecidas, ainda nas areias das coroas dos rios, no tempo de estio, também debaixo dos pés de pau. E nos automóveis todo tempo, em posições dramáticas.


A. Tito Filho, 18/06/1988, Jornal O Dia

domingo, 23 de janeiro de 2011

COMUNISMO

A Academia Piauiense de Letras editorou COPA E COZINHA, em que mestre Cunha e Silva escreve memórias políticas e sociais de Teresina, e o faz com rara fidelidade aos fatos e aos homens que neles tomaram parte. Jornalista, historiador e estudioso de temas filosóficos, o autor também leciona, com autoridade, sobre a vida e os problemas das coletividades universais. Em determinado trecho, com franqueza, narra: "Em 1935, fui apontado graciosamente como implicado em movimento subversivo que dizia a Polícia, estava se preparando no Piauí. Meteram-no no xadrez mais infecto do Quartel de Polícia".

Era o tempo da mais extraordinária imbecilidade nacional. Getúlio Vargas necessitava de pretextos para mais períodos de poder discricionário e ilegítimo, que se implantaram em 1937. A melhor maneira de permanecer dono dos destinos do país estava em propagar o perigo comunista, e o comunista, nesses anos de ignomínia, eram tidos como inimigos de Deus e da família. Feras humanas, gostavam de comer menino novo, de tenra idade.

O professor Cunha e Silva recorda essa fase de covardias permanentes da Polícia: "Naquele tempo, como hoje, prisioneiros políticos misturavam-se com sentenciados, com criminosos de toda espécie, com facínoras os mais perigosos, com ladrões e punguistas".

Acusado de chefe da conspiração em Teresina, o ilustre jornalista e educador, nascido nas terras piauienses de Amarante, enfrentou corajosamente as acusações injustas e o processo respectivo, sem provas corretas e irrefutáveis.

Esclarece o escritor noutro local: "Logo que fui preso em Teresina, o coronel Delfino Vaz já esteve em Amarante, onde procurou o meu irmão Enoch Cícero e Silva e dele recebeu a chave de minha casa, entrando nela e retirando da estante dez livros da literatura marxista-leninista".

Anos de terror. Ao menos livros que se vendiam nas livrarias de Paris e de outros centros europeus não podiam fazer parte da cultura de ninguém.

Convivi anos a fio com Cunha e Silva no magistério e nunca ouvi dele idéias de solidariedade ao comunismo. Sempre liberal, o mestre defendia, no jornalismo e na oratória, o direito de o homem pensar conforme quisesse, sem que fosse sujeito a censura ou castigo.

Era, porém, o tempo da caça às bruxas. Em alguns pontos do país havia sido derrotado o movimento subversivo de Luís Carlos Prestes, a 27 de novembro de 1935. Prendiam-se pessoas inocentes, em conseqüência de denuncias anônimas, feitas para o exercício de vinganças mesquinhas contra adversários.

No Piauí não houve comunistas. Houve idealistas. Homens simples, pobres e humildes que pretendiam uma pátria tranqüila e feliz, em que todos obtivessem os frutos da justiça social.

Voltarei ao assunto.


A. Tito Filho, 18/09/1988, Jornal O Dia

sábado, 22 de janeiro de 2011

SAMPAIO - I

Nasceu em Livramento, hoje José de Freitas (PI), 1857. Faleceu no Rio de Janeiro, 1906. Bacharel em Letras. Estudou em Zurick (Suíça), onde fez ainda proveitosa leitura de naturalistas do porte de Hartt, Gardner, Martius, Spix, d'Orbigny, Koster, Agassiz. Doutorou-se em ciências físicas e naturais. Também engenheiro industrial pela Escola Politécnica Federal da Suíça. Após, viagem de observação por vários países europeus. Regressou ao Piauí em visita aos pais e para a tentativa de despertar, em Campo Maior, o espírito dos criadores dessa rica região pastoril no sentido de que aderissem à criação de lacticínios. Esforços inúteis. Luís Mendes Ribeiro Gonçalves escreveu sobre o episódio: "Os criadores ouvem a explanação atentos e silenciosos. No fim, não lhe recusam aplausos. A boa educação e a urbanidade tradicional impõem tratamento respeitoso e afável ao hospede ilustre. Mas, em verdade, o calor das falas ouvidas não lhes infundiu coragem. Acendeu-lhes, ao contrário, muitas dúvidas. O que lhes fora dito como proposta auspiciosa parecera-lhes, antes, uma inovação revolucionária. E, contra todas as sedutoras promessas, opunha-se a realidade, herança avoenga de mais de dois séculos, expressa na rotina satisfeita, modorrenta e despreocupada a que tão bem se acomodavam. Todos responderam à sugestão de maneira evasiva. Tiveram como muito mais seguro permanecer como estavam. O progresso da forma por que lhes era acenado, além de excessivamente trabalhoso e cansativo, se lhes afigurava por demais arriscado. O que haviam recebido dos maiores, pretendiam legar, sem desfalque, à prole, garantindo-lhe igual quietude e tranqüilidade".

Estudiosa da sua personalidade, Augusta Franco de Sá Sampaio salientou o seguinte: "... muito anteriormente à propaganda e prática dos princípios e meios que somente agora estão sendo adotados e seguidos em diversos outros Estados, já procurava eles em 1822 introduzi-los em sua terra natal, para promover e estimular o seu progresso industrial, com o auxilio e cooperação de todos os criadores!".

Retornou a Livramento e em seguida viajou para o Rio de Janeiro, onde se tornou mestre de química da Escola Politécnica. Outra luta o tomou de preocupações, desta vez com o sentido de reformar totalmente o ensino técnico. Sobre o assunto escreveu trabalho de parceria com o professor Ennes de Sousa.

Em 1889, torna-se arrendatário das Fazendas Nacionais do Piauí e cinco anos depois partiu para a Europa, com a intenção de desenvolver a indústria pastorial em terras piauienses. Adquiriu mecanismo moderno. Realizaria o sonho da fábrica de manteiga, de queijo e de gelo. Haveria instalação de funilaria, serraria e aparelhos de uma estação meteorológica. Contratou técnicos para montar a aparelhagem e conduzi-la. Realizou ainda conversações para trazer ao Piauí quarenta famílias italianas.


A. Tito Filho, 16/09/1988, Jornal O Dia

SAMPAIO - II

Iniciei ontem estas notas sobre o engenheiro Antônio José de Sampaio Castelo Branco. Termino-as hoje.

"Vieram-lhe as surpresas" - salientou Luís Mendes Ribeiro Gonçalves, seu correto biografo: "O transporte do material redundou em perigosa corrida de obstáculos a consumir energias, produzir canseiras, motivar retardamentos e provocar dispêndios imprevistos. A peleja teve de ser áspera e ininterrupta, desde o desembarque no porto de Floriano, onde não havia sequer um aparelho de suspensão, até a montagem. Foi preciso abrir estradas, construir pontes e pontilhões, desbastar rochas, escavar, movimentar e consolidar terrenos. Por fim, os edifícios se levantam, a água é captada e distribuída, as instalações se executam. As máquinas são postas em funcionamento, quebrando a monotonia daquelas paragens onde, antes, só o vento açoitava as folhas. A chaminé a atirar para o alto o seu penacho de fumaça, o vapor da caldeira a fazer vibrar o apito estridente a horas certas, a labuta dos currais, a atividade dos técnicos e auxiliares nas oficinas eram sinais de uma vida diferente que nascia rumorosa e promissora".

Chegaram as primeiras famílias italianas, que foram logo localizadas. "Mas - diz Luís Mendes Ribeiro Gonçalves - antes de se dedicarem ao trabalho efetivo, começam os reveses. Alguns dos colonos adoecem depois de comerem, desavisados, frutos silvestres venenosos, outros são acometidos de doenças tropicais, ainda outros, amedrontados, não se adaptam ao clima. Surgem reclamações e o conseqüente cortejo de dificuldades. Há intervenções diplomáticas, repatriação de emigrantes com pesadas despesas imprevistas. O lamentável desastre iria servir de descrédito a outras tentativas".

Antônio José de Sampaio continua, porém, a lutar, mas contra ele se colocam os políticos, que se utilizam de pressões financeiras, como muito bem sustenta o seu dedicado biografo, acima citado, que acrescenta: "Atordoado após trabalho dedicado e hercúleo, é obrigado a concordar com a encampação do contrato, transferido, sem demora, a políticos cobiçosos. E, desde então, tudo foi aos poucos se perdendo. Da opulência das antigas Fazendas Nacionais mostra-se hoje, no cenário vazio, apenas o que construiu Sampaio e ficou, como ruína, exposto aos desgastes do tempo".

Sampaio, além do português, dominava o francês, o inglês, o alemão e o italiano, línguas em que escreveu vários estudos sobre as riquezas naturais brasileiras e as indústrias nacionais no estrangeiro. Tornou-se célebre o seu livro a respeito do Piauí, publicado em ingles: "A general description of the State of Piauhy on the northern part of Brazil its natural resources , pasturagen, climate and salubrity with special reference to the cattle breeding compared with the conditions of the Argentine Republic and Australia" (1905). Parte da obra foi publicada pelo governo do Piauí (administração Pedro Freitas), em bem cuidada tradução a professora Maria Cacilda Ribeiro Gonçalves.

São eloqüentes e verdadeiras estas palavras com que Luís Mendes Ribeiro Gonçalves enaltece a personalidade de Sampaio, em trabalho muito criterioso: "Sampaio foi, incontestavelmente, um desses raros exemplares de homem de alta cultura, rasgados horizontes e esclarecidas idéias, em cuja objetivação se obstinava ao influxo de irreprimíveis energias criadoras. As amarguras, as vicissitudes, as contrariedades não o esbarraram. Até ser paralisado pela morte, em 1906, conservou sempre mais ardente, a fé no ideal irrealizado".


A. Tito Filho, 17/09/1988, Jornal O Dia

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

CEIÇA

Estava eu como delegado de Polícia de Teresina, tempos passados, solteirão, quando, uma manhã recebi em audiência uma senhora viúva, quase preta, acompanhada da filha, caboclinha bem feita, convidativa. A mãe queixou-se do Bitonho, que havia deflorado a garota de dezesseis anos e não queria pagar o serviço, casando. Dois dias depois, o médico Hugo Bastos fazia o exame, presentes a autoridade policial, o escrivão e duas testemunhas. A garota ficou nuinha em pelo, deitou-se na cama especial. O doutor mais tarde escreveu o laudo de defloramento já cicatrizado. Conduzi a vítima a meu gabinete. Mandei-a sentar-se e guardar. Interroguei-a pelo meio-dia. Morava ela na estrada da Catarina. Tomei-me de intenções safadas. Liberei-a e disse-lhe que de noite iria à sua casa dar o resultado a mãe, e com esta conversei pelas vinte horas, no casebre miserável, isolado, dos arredores de Teresina. Notei que a mulher tinha interesse no delegado e, dentro em pouco, no único quartozinho ordinário da choupana, eu me deitava no jirau-cama com a graciosa Conceição, a ceiça. Bons e felizes momentos. Na despedida, a mãe me pediu que conseguisse casar a filha, pois, segundo lhe parecia, a menina engravidara. Meditei que o negócio o negócio poderia virar-se contra mim. Voltei umas três vezes ao local dos amores escondidos. E adotei providencias. Convoquei o Bitonho à delegacia, disse-lhe que a garota estava de criança na barriga e aconselhei-lhe o casamento. Melhor do que envolver-se em processo criminal, com o juiz Pedro Conde sempre a lamber os beiços para condenar sedutores. Bitonho aceitou a ponderação. Casamento no juiz Milcíades Lopes, de beca no corpo e código nos recitativos. O marido de Ceiça mostrou-se responsável. Tipo morenão, trabalhador, não arrepiava serviço. Tratava Ceiça de modo carinhoso. A sogra, mais algum tempo, morreu. Começou a chegar rebento no lar do casal. O primeiro, Pedro, me teve como padrinho. Batizado simples, na igreja de são Benedito. Os dias se escoavam e Ceiça paria ano por ano. Botou quinze entre meninos e meninas neste mundão. Bitonho suava em serviços diversos, mas sempre tinha bóia de todos e os panos das roupas de homens e mulheres.

Quando secretário da Educação empreguei minha comadre Ceiça. Dei-lhe cargo de merendeira e direito a assistência e previdência. Não me lembro a data em que Bitonho morreu num desastre em viagem para Caxias. Uma pena. Ceiça e os filhos enfrentaram a vida. Neste 1988, rapazes e moças do casal, todos casados, consideram-se felizes. Espalharam-se pelo Brasil e pelo interior do Piauí. Dedicam grande afeição à mãe e a ajudam dos longes das moradias. Mão heroína.

Os jornais desta capital publicaram páginas inteiras com as mães ricas retratadas bem vestidas, elegantes, do soçaite. Um retratinho sequer puseram das mães mortas. Também não vi heroínas como a comadre Ceiça, mãe pobre. Fui visitá-la no seu dia. Abracei-a. E ela me disse ao pé do ouvido:

- Comprade, continuo desconfiada. Meu primeiro moleque, o Pedrinho, tem mais pra branco do que pra negro. Aquele menino é seu, compadre...

De mim, tenho certeza de que foi o Bitonho o plantador da semente.


A. Tito Filho, 17/05/1988, Jornal O Dia

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

ROUPA

Deu-se um alvoroço neste último dia internacional da mulher. As fêmeas nacionais comemoraram o acontecimento. Julgam-se ainda injustiçadas. Querem que a constituinte lhes dê setenta por cento de pensão do pobre diabo do ex-marido lascado em banda. E mais: a nova constituição deve assentar que elas passem definitivamente ao BOTTOMLESS.

Sim, ao BOTTOMLESS, divinamente peladas, maravilhosas, para que economizem e deixem de pedir aumento de salários e vencimentos.

Muitos anos atrás as donas usavam vestido no mocotó, também dito osso gostoso, que ia até ao gogó. Por baixo desses cinco metros de fazenda botavam calça tipo samba-canção, abotoada dos dois lados, e por cima desse sungão bem fofo havia três anáguas, uma combinação e um corpete. Algumas usavam chapéu e luvas. Sinceramente, dificílimo que aparecessem as mãos e somente se viam pedaços do rosto. Uma vitória retumbante do machismo, que não permitia olhares profanos nas carnes de suas deusas.

Grande conquista esteve no fato de chegar o vestido ao meio da canela, pescoço de fora, manga meia quarta. Nos anos 20 Gabrielle Chanel modernizou certos aspectos da situação. Na década de 30, voltou-se um bocado à austeridade. Ombros almofadados. As filhinhas de Eva se masculinizaram.

Ainda perto de 1940, as meninas de Teresina eram acompanhadas, na rua, de dois ou três gajos sensuais, quando a calça samba-canção, primeira cobertura dos possuídos, marcava o vestido, atravessando as defesas naturais das anáguas e combinações. Para onde a garota ia, os macachás seguiam atrás, olhos cúpidos e boca aberta.

Durante a guerra de Hitler os vestidos se tornaram funcionais. De 1940 em diante, houve a revolução de Dior, que queria voltar a padrões antigos. Pernas escondidas. Feminilidade. Próximo dos anos 60 apareceu a moda unissex. E de 60 em diante, a estilista Mary Quant revolucionou a moda com a minissaia, que mostrava a perna toda. Chegou-se à era dos exploradores da moda. E a moda enlouquece as fêmeas. Calças boca-larga, cigarrettes, t-shirts, camisetas punk, santo Deus. Quantos processos novos se criam para que as mulheres gastem dinheiro a rodo. Cada dia mais explorada se vê a vaidade feminina.

Um dia o mulherio do mundo todo aderirá ao melhor dos espetáculos - abolição completa dos vestidos - e tudo voltará a fase de Adão e Eva, que só depois do pecado original cobriram as suas respectivas vergonhas. O nu já ganhou as praias e os carnavais por parte do elemento feminino. Falta apenas que elas, ditadoras hoje, decretem o peladismo generalizado. E podem. Pelo menos só gastarão com as despesas de plástica e com o arsenal de reboco do corpo e sobretudo das faces.


A. Tito Filho, 16/04/1988, Jornal O Dia

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

MARIA PREÁ

Teresina lembra a Maria Preá. Quem não conheceu, anos atrás, alguns anos atrás, aí pela década de 40, a Maria Preá? Mulata rechonchuda, ampla de carnes, dentes alvos, cabelo bem negro, simpatia de todos, Maria Preá, bem sacudida, passeava as ruas, olhares provocantes como as carnes. Era uma tentação, uma provocação, uma danação. De Nápoles se diz: Ver Nápoles e depois morrer. De Maria Preá se diria: passar uma noite no aconchego do seu calor de vida, já era a própria vida. Não se morria, vivia-se. Popularíssima a divina Preá. Chamariz de desembargadores, também de operários e estudantes sem dinheiro.

Um dia Maria Preá foi-se embora. Cada dia mais esbelta, mais desejada, eram, porém, poucos os dinheiros para o futuro. E assim foi que arrumou os vestidos berrantes no baú de couro, pegou trem para São Luís, meteu-se na segunda classe do navio da Ita - e deu às praias do Rio de Janeiro.

No Rio, Maria Preá era uma festa. Cada dia mais enfeitada, mais cobiçada. Usava chapéu de penacho. Carnes gordas, apetitosas, jóias em todos os dedos. Pó de arroz, ruge, batom - tudo a enfeitava.

Alguns anos de Rio deram boa situação financeira a Maria Preá. Sofisticou-se no trajar, no andar, no falar. O coração, porém, era o coração de Teresina, que não desconhecia os quebrados, o operário de salário pequeno e o estudante de mesada paterna raquítica. Preá tinha nascido para o amor da humanidade. Por mais que se enfeitasse, que se sofisticasse, que enriquecesse, que se cobrisse de miçangas e de chapéus espalhafatosos, por mais que forçasse requebros, que se estrangeirasse, Maria Preá não escondia o ar brejeiro, o olhar que todos admiravam em Teresina, aquele jeitinho faceiro de gente da cidade pacata.

Um dia lá vem ela descendo a Avenida Rio Branco da antiga capital do Brasil. E subindo a Avenida, caminhava, despreocupado, um teresinense já nos trinta de idade. A mulata andava elegante, de modo de rainha. Mas aquelas ancas, aquele olhar... O teresinense que a conheceu nesta Teresina, e dela mereceu afagos e amores, parou, embevecido, olhou-a e adiantou-se:

- Tu por aqui, Maria Preá?

E ela, procurando esconder a origem teresinense, forçando a transformação do olhar e da voz:

- Yo tengo una vaga recordación de usted. No me recuerdo se fué de los cabares de Buenos Aires, o mismo aqui del Rio de Janeiro...

E bem puxava o "j" à maneira espanhola: RANEIRO.

O teresinense desconfiou e não se conteve:

- Tu é besta, Maria Preá, eu te conheço...


A. Tito Filho, 14/08/1988, Jornal O Dia - p. 4

MEMÓRIA

Nasci na terra piauiense de Barras, bem no Largo da Matriz, mas em Porto, antigo Marruás, passei instantes inesquecíveis da meninice e adolescência. Fui afilhado de respeitável senhora chamada Beatriz Rodrigues, possuidora da Fazenda PEIXE, de algum gado bovino, bodes e carneiros, em cujas terras havia o lugar OLHO-D'ÁGUA, de riachos cristalinos e muitas árvores de gostosos frutos: mangas, jacas, abacates, laranjas. Terreno pantanoso de bonito buritizal. Numa elevação de terra, meu pai construiu espaçosa casa de palha, e aí passamos os dias que não se apagam da memória, eu ainda de calças curtas.

Beatriz Rodrigues tinha o apelido de Beata. Criou minha mãe desde garota. Nise, que morreu em Barras, do segundo parto, uma menina que chegou a receber o nome de Odaléia, falecida quinze dias após o nascimento. Beata pediu e obteve a guarda de José de Arimathéa Filho, o que lhe foi concebido. Beata foi-se da vida quando eu tinha uns quatro anos. O coração baqueou.

Meu pai gostava de passar as férias na fazenda e para lá levava a família: a segunda esposa e eu. Dias felizes vivíamos alí. Leite tirado do peito da vaca, manhãzinha, a gente bebia com gosto. Beijus apetitosos. Banhos na riacharia. Uma festa permanente para o espírito infantil.

Depois viemos morar em Teresina. E da capital piauiense, nas férias escolares do fim do ano, lá ia eu para a vila, depois cidade de Marruás, hoje Porto, o velho e bom marruás de outros tempos. Iam também de Teresina vários primos meus que aqui estudavam e tinham em Porto pais e irmãos.

Hospedagem com os boníssimos tios Joaquim Gonçalves Cordeiro e Doninha, marido e mulher. As férias coincidiam com a festa da padroeira, novenário, missa e procissão. Leilões animados. Leiloeiro o saudoso parente José Antero, cidadão muito estimado. Celebrava as práticas religiosas um dos mais virtuosos padres das paróquias piauienses, o querido Lindolfo Uchoa.

Quantas saudades dos banhos no Parnaíba, dos passeios a cavalo e de bicicleta, das festivas chegadas dos vapores e dos hidraviões, dos quitutes de minha tia Doninha, da banda de música regida pelo maestro João Burundanga, também compositor de valsas sentimentais e lânguidas. Nas serestas a gente cantava com o melodioso saxofone do Alonso, pai deste moço trabalhador e correto, Roberto John.

Em Porto tive minha primeira aventura amorosa, dentro do mato. Amei roliça cabocla, mulatona de carnes muitas, que me iniciou na estória. Também namorei garotas bonitas que ainda hoje habitam minha saudade.

Havia a ponte no meio da rua principal, a ruazona comprida, que começava na igreja e acabava no Parnaíba. A ponte onde a turma de rapazes de meu tope pilheriava até tarde da noite, comendo sardinha de lata e fumando cigarros fedorentos. A luz era de lampião, a querosene, nos postes de madeira, e de candeia, nas residências.

Pertenço de coração a três municípios. Barras onde nasci, Porto, o velho Marruás, com a fazenda PEIXE, onde passei dias maravilhosos nas férias de fim de ano, e Teresina, cujas belezas espirituais a malvadez dos homens sacrificou. Valeu a pena viver nas três os dias felizes que não voltam mais.


A. Tito Filho, 16/10/1988, Jornal O Dia

domingo, 16 de janeiro de 2011

LEITURA

Com a verdadeira revolução cultural que representou a década de 60, o mundo ocidental passou e vem passando por inúmeras transformações em seus costumes. Umas dessas vertentes foi nossa aproximação com o Oriente, sua filosofia, sua forma de ser. Dentro desse quadro, tem aumentado, intensamente o interesse pela ioga. No decorrer dos últimos anos, milhões de pessoas, em todo o mundo, se aproximam desta filosofia e respectivas técnicas, buscando ampliar a sua vivencia a nível emocional, espiritual e físico.

Em TRANTA, A IOGA DO SEXO, o leitor encontrará tudo isso, com uma visão voltada mais especificamente para o aspecto sensorial e sexual do ser humano. Esta valorização do ser se baseia em toda uma filosofia nascida e desenvolvida na índia entre os séculos VII e XV D.C., e que apresenta ligações coma própria psicanálise ocidental deste século. A obra traz aspectos teóricos e filosóficos e também toda uma parte prática, com exercícios para o dia-a-dia. Siga estes passos e viva melhor com você mesmo e com o outro.

Omar Garrison, o autor, é um destacado correspondente internacional. Estudou para ordenar-se padre na Igreja Episcopal antes de se fascinar com a filosofia hindu e o Tantra, que estudou na Índia.

As crianças estão na ordem do dia: na Constituinte brasileira, nos jornais e no coração de todos os pais e cidadãos responsáveis. Elas querem ver os seus direitos reconhecidos, preto no branco, direitos que, na realidade, sempre tiveram. E, no entanto, a violência das sociedades modernas não respeita ao menos as crianças.

E foi nesta linha de pensamento que a escritora norte-americana Mary Higgins Clark criou uma obra de ficção literária que, na realidade, tem muito a ver com o dia-a-dia de todos nós.

O cenário é tranqüilo, bucólico, de mansões espalhadas entre jardins vistosos e, ao fundo, os braços de mar do Atlântico formando ilhas, estreitos, baias e pequenas enseadas.

As crianças são encantadoras, inteligentes, vivas. Seus pais aparentam a calma dos que tem os seus problemas resolvidos.

E, de repente, a agonia começa. As crianças desaparecem, o passado de sua mãe é revirado pelo policia. Volta o pesadelo das incertezas e das suspeitas.

Entretanto, chegando ruídos difusos, soluços, pragas refreadas, gritos abafados de crianças. É um pesadelo transformado em realidade, uma história comovente, de interesse inescapável, de suspense e terror.

Mary Higgins Clark, que muitos comparam a Doris Lessing, conseguiu o sucesso internacional, justamente, com o livro ONDE ESTÃO AS CRIANÇAS?, seu primeiro romance de terror. Depois, publicou "A stranger is watching" (1978), "The Craddle sill fall" (1980), "A Cry in the Night" (1982), "Stil Watch" (1984), "Weep no more, my Lady" (1987), que irão aparecer no Brasil.


A. Tito Filho, 15/06/1988, Jornal O Dia