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terça-feira, 8 de março de 2011

PRIVILÉGIOS

Sinceramente, a mulher gozava de muitas regalias e perdeu-as com a história do feminismo. É verdade que não tinha a liberdade de andar batendo coxas pelas ruas. As casadas saíam com os maridos, as outras podiam ir à escola, à missa. Em compensação, de vez em quando havia matinê de danças e bailezinhos bons de namorar de noite. Quando o namoro estava pegado, podiam ir com o futuro noivo ao cinema. Hoje pode a mulher fazer tudo o que pensa, salvo se não tem dinheiro. Anda como quer e com quem quer, de dia e de madrugada.

Mulher de classe média ou de alta-roda não trabalhava em casa. Estava sempre servida de cozinheira, copeira, lavadeira. Mulher de operário, sim, realizava as tarefas caseiras.

A mulher, de modo geral, gozava de cobiçados privilégios. Todas as mazelas da vida se verificavam com os machacás: desde a cobrança de contas do quitandeiro aos desaforos de marido alheio por causa das picuinhas das esposas vizinhas.

Mulher nunca tinha nome: solteiras ou casadas, eram conhecidas pelo nome do legitimo esposo. Quando amancebada, pela denominação do amante respectivo. Era até bonito ser rapariga de cabo da polícia, chofer de caminhão ou gigolô.

Recebiam as filhas-de-eva tratamento excepcional e de fina educação por toda parte. Nas estradas lamacentas, se o caminhão atolava, os adões logo estavam convocados para o empurramento. Elas, nunca, que em tempo algum botaram força, só no ato da parição, antigamente. Nos ônibus lotados, fêmea não ficava de pé. Aparecia o tipo fino, elegante, se levantava e oferecia-lhe o lugar por ele ocupado. Mas agora ninguém lhe cede o assento, até as buchudas ficam se rebolando dentro dos coletivos. De primeiro, se o lenço do rabo-de-saia caia na calçada, o homem corria, apanhava-o e devolvia-o, às vezes sujo de catarro. O individuo namorado, noivo, casado, se via à frente buraco na rua, protegia a companheira, segurando-a pelo braço e advertindo-o do perigo. Agora o pessoal empurra a dona para o precipício. Também os gajos abriam o guarda-chuva, ficavam debaixo d'água, mas cobriam a mulher ao lado, com todo o respeito e aptidão. Hoje elas que se danem.

Quantos privilégios. Regalias sem conta. As mulheres deviam lutar por um retorno aos tempos antigos, às suas origens caseiras. E estou achando que as inteligentes cronistas sociais de Teresina, mulheres antes de tudo, iniciaram, veladamente, a marcha para a volta à submissão do sexo frágil ao homem, a ressurreição do machismo. Pois não é que as nossas cronistas escrevem todo dia o nome do pessoal festeiro, citando o sujeito, seguido de SUA fulana, como se esta fosse dele propriedade? Observem os registros. Compareceram na recepção: o Dr. Pancrário e sua Bigorna, o Dr. Creolino e sua Lascívia, o Dr. Matapasto e sua Estrepolia.

Um bom começo. A mulher nas nossas registradoras de notícias elegantes têm dono. E isto é bom, porque nós sempre as possuímos ao longo da vida, no bom sentido.


A. Tito Filho, 29/03/1988, Jornal O Dia

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