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terça-feira, 15 de março de 2011

SEU LAMPA

Era madrugada do dia 29 de julho de 1938. Na última quinta-feira o episodio completou cinqüenta anos. Os homens e as mulheres do bando começavam levantar-se, em gostosos espreguiçamentos, bocejantes, quando a fuzilaria teve início. Balas de inúmeras bocas de fuzil matavam os tipos naqueles confins do Estado do Sergipe. Confiou-se a façanha à polícia alagoana, em grupo chefiado pelo capitão Bezerra. No chão de Angico, o esconderijo dos cabras, se contaram onze cadáveres. Alguns da cabroeira conseguiram fugir ao cerco impiedoso e de surpresa. Tratava-se do bando de Virgulino Ferreira da Silva, pernambucano conhecido pela alcunha de Lampião, também dito SEU LAMPA, morto ao lado de Maria Bonita, com quem ele viveu em amancebamento, prodigalizando-se reciprocamente um amor romântico debaixo das árvores às vezes de boa sombra na terra sertaneja. Sexo no cangaço.

Muitos homens entraram na história do Brasil por caminhos diferentes, da mesma forma que noutros países. John Wilkies Booth não se separa do presidente norte-americano Lincoln, uma vez que o primeiro matou o segundo, nem de Chicago desaparece o nome de Al Capone, chefe de GANGSTERS, e a Alemanha e o mundo nunca esquecerão Hitler. Antes de Lampião viveu Antônio Silvino, célebre governador do sertão, cangaceiro ilustre, preso e condenado, e cuja pena mereceu comutação de Getúlio Vargas, na década de 40. Silvino visitou o presidente para agradecimento, deu entrevista a jornais, revistas e a escritores.

Domingos Jorge Velho sentou-se na história do Piauí, mas na verdade o seu extraordinário heroísmo verificou-se no genocídio do quilombo dos Palmares. O presidente da República chamado Prudente José de Morais Barros, enviou exércitos para combate a Antônio Conselheiro, no arraial de Canudos, terra baiana, o primeiro núcleo socialista da América do Sul. Uma campanha injusta, infame até, se promoveu na imprensa nacional contra o barbudo comandante dos caboclos na comunidade de que Euclides da Cunha se serviu para mostrar com segurança a miséria do interior brasileiro. Milhares de soldados da República eram repelidos e morriam às pencas. Conselheiro seria o primeiro chefe de guerra de guerrilha nas Américas, estrategista sem igual. As tropas presidenciais ao menos conseguiam aproximar-se do casario da caboclada. Conselheiro queria apenas que os latifundiários do cacau pagassem decentemente os trabalhadores explorados. Rico tem raiva de pobre.

Lampião foi vítima de um Brasil atrasado, roubado pelo coronelismo impiedoso, cujos filhinhos mimados emprenhavam as cunhazinhas amedrontadas - um país sem lei, sem alma, perverso com os humildes, espoliador dos pobres. Vigorava um aparelhamento policial embrutecido e violento, de assassinos impunes. Nesse clima, haveria de surgir o cangaço, ou o cangaceiro vingativo e cruel. Hoje os estudos de quantos se têm preocupado com o fenômeno do fora-da-lei demonstram que esses homens viviam da violência para que pudessem sobreviver.

De 1925 a 1938, Virgulino atormentou vários Estados. Não andou no Piauí. Matava e pilhava, para vingar as barbaridades policiais contra a sua família. Foi traído por um coiteiro, tipo que prestava serviços aos cangaceiros. A polícia cortou as cabeças dos onze cadáveres no esconderijo de Angico. Arrumou-as num caminhão e com elas percorreu alguns trechos do território nacional, sob aplausos da plebe ignara e dos coronéis interioranos. Em Salvador da Bahia terminou a exibição macabra. As cabeças se incorporaram a um museu e muitos anos depois encontraram o descanso do sepulcro.


A. Tito Filho, 31/07/1988, Jornal O Dia

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