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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

EDISON

Anízio Cavalcanti escreveu, de Niterói:

Daqui de Niterói, onde resido há 43 anos dos 77 já vividos, regresso em pensamento à época em que transcorreu minha  adolescência (1925-1929) e, através da memória, eis-me um rapazote em Parnaíba, aluno de uma escola de ensino primário e também de grau mais elevado, dirigida por um tipo humano inesquecível, que foi meu professor de língua portuguesa, aritmética e outras matérias. Edison da Paz Cunha.

O ambiente em que vivi a vida escolar ainda não tinha naquela época escola de ensino secundário; de modo que nossa aprendizagem elementar era aumentativa ano a ano, a fim de que, com um apuro maior, pudéssemos todos, ao deixar a escola, sair rumo a Teresina, para ingressar no Liceu Piauiense.

A vida dos alunos, todos adolescentes, transcorria calma, pacata e feliz. A cidade, ainda pequena, habitada por povo laborioso, concentrava sua maior atividade comercial na rua Grande e suas adjacências. No fim da rua, a alfândega, bastante movimentada em certos dias.

Era na rua Grande, extensa e larga que se situava o edifício onde Edison Cunha mantinha o colégio, a que deu o nome de Colégio 19 de Outubro, a data da proclamação da independência do Piauí, em Parnaíba, no ano de 1822.

O ambiente regional onde Parnaíba está localizada, ao norte do Piauí, é de vizinhança do mar. A cidade, durante quase o ano inteiro, é iluminada de sol vidente e claro, que lhe dá um ar de festa, e por toda ela perpassa um vento brando, que vem lá do mar - a mover os cataventos.

Começam. Na sala ampla, pintada de cor clara, a luz do dia jorra pelas janelas altas, encimadas de vitrais. Diante de nós sentava-se Edison nos intervalos de cada aula, a decifrar palavras cruzadas. Costumava falar aos alunos de pé. Sua postura, voz de altura e timbre agradável, aliada a modo de expressar-se acessível àquelas inteligências em idade de formação, faziam dele vulto completo da personalidade de professor, perfeito no desempenho de incutir nos alunos o que ensinava, e mais do que isso: ensinava-nos também a estudar, para colher fruto melhor dos livros. Passeando por entre as carteiras, livro aberto na mão, faziam-nos ditados freqüentes de trechos de literatura, prosa e poesia; e, no quadro-negro, nós, com a ajuda dele, íamos nós mesmos corrigir os nossos erros.

Este que escreve esta crônica, tem diante de si o professor dedicado e amigo, bondoso e enérgico, culto e conhecedor de nossa ignorância de adolescentes, metódicos e paciente, a incutir em nós o modo de escrever correto, nem sempre fácil.

Ainda hoje, através de reminiscências, revejo aquele vulto humano de olhos claros, de voz clara, de espírito claro - todo claro -, de queixo fino, feição cerebral tipológica, na classificação morfológica de SIGAUD: o cerebral.

Edison da Paz Cunha, um dos fundadores da Academia Piauiense de Letras (1917), nasceu 1899 e faleceu em 1973.


A. Tito Filho, 22/06/1988, Jornal O Dia

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