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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

CHATOS

José Vieira Chaves já fez a viagem de ida sem volta. Foi dos meus melhores amigos. Tinha mal o curso primário e dava conta do recado de jornalista com desenvoltura. Sujeito inteligente, de boas idéias. Não suportava o CHATO, viesse de onde viesse. Catalogava vários tipos doutores na amolação do próximo. Um dia me mostrou comprida lista desses indivíduos que nasceram para tirar o sossego alheio. Fiz expressiva relação de CHATOS E CHATAS e estudei-lhes as maneiras de atuação. Publiquei, no jornal dirigido por Chaves, o meu estudo, nos idos de 1952, por aí assim. Anos depois o público ledor se deliciava com o livro TRATADO GERAL DOS CHATOS, de Guilherme de Figueiredo, excelente repositório de figuras da chatice universal. Muitos chatos de minha catalogação foram desconhecidos do excelente escritor citado, que, no seu turno e fonte de observância, apresentou magote desses indivíduos ausentes das minhas preocupações.

Os chatos farejam as vítimas. Ficam nas esquinas, nas calçadas, junto à banca dos jornais a aguardá-los munidos de infalíveis na liquidação da alegria de quem deles se aproxima. Há-os de variada espécie. Os receitadores de remédios e alguns chegam a escrever o nome da droga e enfiam o papel no bolso do pobre diabo. Os poetas recitadores em mesa de botequim. Os que contam velhas anedotas e eles mesmos gargalham felizes. Os vendedores de livros e os cobradores. Os elogiadores: "Você é quem brilha", "Não conheço talento como o seu". Os prestativos, que se dizem amigos do peito do governador, para a solução de casos. Os discursadores de festas: quando a orquestra ataca um samba do bom, o sujeito pede a palavra e solta as asnices. Os oradores fúnebres: saltam sobre o monte de terra a beira do túmulo e sapecam o verbo choramingueiro. Os chatos dos projetos de cidadania, indivíduos puxa-sacos. Existem uns que conversam dando empurrões no ombro da gente ou tapinhas em qualquer parte do corpo. São inaguentáveis. Terríveis os consertadores de objeto. Nojentos os pregadores de moral: "Você precisa deixar de jogar, o jogo é a perdição da humanidade". E os visitadores de doentes: "Minha tia, o ano passado, morreu dessa mesma doença". Há os que conversam cuspindo na orelha do infeliz sofredor. Os chatos conquistadores conhecem todas as mulheres: "Aquela ali eu conheço, é de programa". Mentem como diabo.

Os amigos cronistas sociais também cultivam infalíveis processos de chateação, com as listas DAS DEZ MAIS,  as mesmas caras todos os anos. Existem as virgens que preferem a morte na fogueira a um gesto de amor: "Soube que a Maria se deita com o namorado. Que horror, Deus que me livre". Também as palestrantes de porta de rua, na base do EU SOUBE, QUE COISA HORROROSA. AS COROAS gostam de provérbios: "Coco velho é que dá azeite".

Faz certo tempo publiquei em livrinho minha coleção de chatos, em homenagem ao homem que, em Teresina, descobriu a poderosa força da CHATICE humana, o saudoso José Vieira Chaves.

Um chato sempre evita outro.


A. Tito Filho, 08/06/1988, Jornal O Dia.

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