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sábado, 4 de dezembro de 2010

FEBEAPÁ

Um dos homens mais inteligentes deste país, o nunca deslembrado Sérgio Porto, organizou antologia de sarcasmos inexcedível, o sal do espírito, com que vergastou os fazedores de asnices nacionais. O FESTIVAL DE BESTEIRAS QUE ASSOLA O PAÍS provocou gargalhadas milionárias. Livro imortal, repositório de imbecilidade ou cousa semelhante dos governantes do Brasil, numa época em que era luxo o despacho ou a decisão de líderes e culturas de fancaria.

No Brasil vigora a esperteza. Na falta de virtudes e de estudos usam-se o golpe, o jeitinho, o conto-do-vigário, contanto que haja lucro, vida fácil, pagodeira. Mas prevalecem também a indolência, a preguiça, a fuga ao trabalho. Generalizando a classe média de primeira classe e a alta-roda buscam pretextos de encompridamento do ócio condenável.

O funcionalismo público de todas as esferas espairece nos "feriadões" agora criados para que a irresponsabilidade seja universal. Na sexta-feira de tarde as repartições começam a despovoar-se. Seguem-se o sábado, o domingo, acrescidos da segunda-feira, que é o dia feriado que se comemora antes, para a emendação com o final da semana. Até a data memorizadora do sacrifício de Tiradentes deu marcha ré, pois caiu entre a terça e a sexta-feira, o que demonstra o interesse da lei em sufocar o civismo brasileiro. Povo subliminarmente pervertido por uma televisão que educa para a batota do bicho, ou faminto, corresponde a povo patrioticamente embotado, preso apenas ao gozamento da vida fácil e descomposta.

Terça-feira, o barnabé, o chefe, o chefinho, o chefete, a secretária, a secretária da secretária voltam ao serviço ressacados, com bocejos tonitruantes, mal-estar generalizado - e cada qual se preocupa com a boa soneca em cima das mesas e dos birôs.

Por força dessa lei de feitio amoral, uma das grandes tradições do Catolicismo, o Corpo de Cristo, foi este ano descaracterizado, pois no país não se respeita ao menos a religiosidade coletiva. E os ministros de Deus buscaram as autoridades, e estas compreenderam as razões eloqüentes e sérias oferecidas. O governador Alberto Silva e o prefeito Wall Ferraz dispensaram, como ato de justiça, o trabalho dos funcionários públicos, no grande dia santificado. Gesto que compreendi e aplaudi. Homenagem aos sentimentos cristãos dos piauienses e teresinenses, principalmente destes, pois Teresina nasceu aos pés da Igreja de Nossa Senhora do Amparo. Apenas acho que os dois ilustres líderes deviam ter negado o feriado inconseqüente de segunda-feira, mesmo porque o beneficio injusto dos dois feriados patrocina privilégio a uma classe dos servidores, negado aos operários, que mourejaram na quinta-feira.

Não se encontra distante o dia em que um dos nossos pais da pátria invente nova modalidade de malandragem. E outra lei se promulgará: se dia feriado cair em sábado ou domingo, passa a ser comemorado na segunda-feira. Pois desta forma a pátria amada, idolatrada, mais benesses prodigalizará aos filhos queridos.

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Dizem os entendidos que a história sempre se repete. A 11 de fevereiro de 1912, pouco antes do carnaval, morreu o barão do Rio Branco. Logo apareceram os tipos espírito de porco, sobretudo repórteres; lembrando as glórias do extraordinário diplomata e achando que a festa de Momo não devia realizar-se, ou que fosse adiada, e assim se homenagearia o grande morto. O governo resolveu transferir os festejos para 7,8,9, e 10 de abril.

O povo não se fez de besta: brincou os dois, o do devido tempo e o outro.


A. Tito Filho, 03/06/1988, Jornal O Dia.  

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