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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

VELHICE

Na medida em que o homem e a mulher percorrem o caminho da existência, o bem e o mal estão sempre presentes diante deles, no meio social, e os cercam num amplexo do qual não podem fugir. As contingências existenciais lhes batem a porta da morada ou de suas almas, para os obrigarem a uma tomada de posição. O evangelho ensina que o "inimigo do homem mora em sua casa". Mateus, o apóstolo, testemunha (10,36) essa afirmação de Miquéias (7,6). E Jeremias acrescenta que "a habitação do homem está construída no meio de enganos" (9,6). O texto bíblico adverte que é uma falácia o fato de alguém estar vivo. São breves os dias do homem sobre a terra, mesmo que viva vida longa.

O conjunto de todos os acontecimentos que a todos nós envolvem, comumente chamado de experiência, decerto que amiúde nos serve de referencia para um comportamento razoável nas contingências.

Frequentemente, observa-se que o individuo, na fase da juventude comporta-se como se ela nunca houvesse de terminar. O corpo lesto e dócil à rapidez dos movimentos, dá ao jovem uma sensação estar sempre pronto para tudo. E nesse estado de espírito, vai vivendo até aos quarenta anos, idade de crises espirituais freqüentes. E eis - que, num certo dia, ao fazer a barba, mira-se ao espelho com estranheza: este lhe diz que ele está mudando... É nesse momento que o nosso herói, homem moderno, - inquieto apressado, cúpido e vazio - abriga um sentimento de que algo lhe está fugindo do corpo.

Na idade de quarenta anos seria de esperar que o individuo já tivesse uma tranqüila filosofia de vida, mesmo que se sentisse realizado na profissão. Para além da satisfação profissional, passa a sentir uma "fome" de alguma coisa, que nós chamamos de falta de um encontro consigo mesmo, através de um mecanismo que consistirá em ir ele em busca de sua alma, desgastada nos cuidados da vida. O encontro consigo mesmo é coisa simples: meditar sobre os anos já vividos. E tirar suas conclusões.

O individuo que, durante seus dias da idade madura, não condensam para si uma racional filosofia de vida, não a terá quando chegar o limiar da velhice. A sociedade moderna, mecanicista, anônima, esmagadora - embrutecida e brutal - não lhe abrirá os braços para um amplexo fraterno. As engrenagens do mundo tecnológico geram mecanismos que não tomam conhecimento do homem físico, e muito menos de sua alma.

Estas considerações me ocorrem quando meus olhos fitam os que envelheceram ao meu redor: um imenso vazio nas almas. São homens que envelheceram e que passaram a vida inteira sem ler a Bíblia, sem ouvir uma sinfonia de Bach ou Beethoven, sem abrir um livro de um poeta, sem assistir a um pôr-do-sol. E, já agora, nestes dias tristes de um país sem rumo, juntam-se como ovelhas, atemorizadas e perguntam-se como serão tratados se uma doença traiçoeiro os acometer... São os corpos alquebrados das filas das agências do Instituto de Previdência.

Ao meditar, na minha velhice sobre o homem que envelhece, cheguei à desolada conclusão de que raros são os que sabem envelhecer, mesmo quando são ricos.

Aceitam-se conselhos.

- Você tem algum, prezado leitor?

Anízio de A. Cavalcante.


A. Tito Filho, 06/08/1988, Jornal O Dia.

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