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domingo, 20 de junho de 2010

UM MANICACA

Tencionando documentar Teresina no apagar das luzes do século XIX e combater as práticas e a fé religiosa da coletividade e ainda algumas doutrinas do Catolicismo, Abdias Neves compôs UM MANICACA.

No fim do século registrou: os animados festejos da igreja de N.S. do Amparo, de foguetório e namoricos. As festas de aniversário nas residências, quando os amigos chegam de surpresa, sem aviso: forma-se o baile, dança-se, bebe-se e fala-se da vida alheia. As alegrias públicas com o reconhecimento, pelo governo, dos parlamentares eleitos. O São João festivo, com o boi e fogos de artifício. Serenatas madrugadinas. As sentinelas em casa de defunto.

Registrou a moda do tempo: a bengala, a flor na lapela, o leque, o chambre, o cabelo à escovinha. Não esqueceu os tipos: o acendedor de lampiões, o cangueiro dágua, nem certos hábitos como o rapé, as cartas anônimas, a vida noturna dos homens nos botequins.

Devemos observar que UM MANICACA foi publicado em 1909, embora escrito entre os anos de 1901 e 1902. Com o livro de Abdias Neves inaugura-se praticamente o romance no Piauí. É verdade que antes dele houve “O CASAMENTO E A MORTALHA NO CÉU SE TALHA”, de José Coriolano, "romancinho de enredo simples", "A PEROLA DO LODO", de Francisco Gil Castelo Branco; "BELA", de Leonidas Benício Maris de Sá; "MEMÓRIAS DE UM VELHO", de Clodoaldo Freitas - todos publicados em orgãos de imprensa. Também "O PADRE LUPE", de José Mariano Lustosa do Amaral, inédito, e talvez algum outro inédito de Clodoaldo Freitas.

UM MANICACA é a primeira expressão do romance de costumes entre nós, embora o escritor, documentando a época vivida pela capital piauiense e nos tempos finais do século XIX e alvorecer do XX, pretendesse sustentar as suas idéias anticlericais e o seu ateísmo, condenando os ritos, crenças e processos religiosos da Igreja Católica. Mas é também uma história de pecadores, numa cidade tomada de preconceitos, num tempo em que os ministros de Deus mais condenavam práticas do que educavam os espíritos. Era a exigência da época. A exigência dos costumes, a exigência das mentalidades.

UM MANICACA deve ser visto na personalidade do autor e nos caracteres humanos que davam vida à cidade ainda desumana, suja, sem conforto, impregnada de religiosidade simples, submissa a tabus de vários tipos, vivendo do pequeno comércio, deliciando-se com a intriga e o mexerico. Nela se entrecruzam tipos humanos, quase sempre maledicentes.


A. Tito Filho, 08/12/1988, Jornal O Dia. 

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