Quem leu "...E o vento levou", ou assistiu ao filme que Selznick copiou do livro, pode sentir o problema negro nos Estados Unidos - um problema com raízes num processo econômico que mais se salienta com o correr dos tempos e que não se resolve com leis civis, humanas, é verdade, mas distanciadas da realidade. O problema, ali, só se resolve com a abolição da miséria no sul e da miséria do negro. As populações negras nos Estados Unidos vivem nas piores condições de existência. Dá-lhes a lei o voto, o direito de freqüentar escolas e universidades, proíbe a lei a segregação em todas as suas modalidades e disfarces - mas a lei não lhes dá trabalho nem meios de auferir os benefícios da civilização dos brancos.
O presidente Johnson quis tocar na angustia do problema. Para ele, tudo deriva do desemprego, da doença, dos bairros pobres de miséria extrema: "Não é possível conter os insurretos pela força, mas é possível a extirpação das causas dos acontecimentos". Embora com tais verdades, Johnson não tinha razão. Esteve o falecido presidente em atendimentos para uso interno. Entendeu o caráter revolucionário do movimento negro, mas não foi capaz de perceber sua relação com a estrutura econômica.
Noutro século, o negro americano cantava infortúnios através da lânguida e morna música dos "spirituals". Neste século, passou ao protesto musical do nervosismo do jazz-band. Criou-se o Poder Negro, cujos cantores sabem que a opressão do negro é um fato econômico. Para a abolição se torna necessário mexer nas raízes econômicas do atraso social do negro. Observe-se que esse Poder Negro baniu indiscriminadamente os brancos do seu convívio. É que a luta de negros contra brancos e vice-versa tem fundamentos mais sérios, que não se situam na simples cor da pele. O negro, antes de tudo, vive numa até hoje inevitável exploração de operário não-qualificado e é muito difícil mudar o coração da massa humana, acostumada a ver o preto no seu lugar distante e subserviente.
Vivien Leigh interpretou a sulista bonita e graciosa da Geórgia vivendo a Scarlett O'Hara de "...E o vento levou", uma história da escravatura. A autora do livro, fidelíssima aos episódios históricos, não mostrou ódios raciais no romance que foi mais vendido do que a Bíblia, quando apareceu. Pelo contrário. Apresenta o negro em convivência afetiva o branco. Scarlett, a menina branca, estima, como aos seus, a mucama, que lhe dedica, por igual, amizade e afeição. Por que o ódio posterior? O ódio resultou da abolição e dos problemas econômicos daí advindos, e um destes está na mão-de-obra negra, que a sociedade capitalista inutiliza porque não pode legislar contra si mesma.
Vale lembrar Vivien Leigh, a menina maravilhosa de "...E o vento levou". Ela fez com Clark Gable, Olivia de Havillaand, Leslie Howard, Thomas Mitchel, o mais belo filme sobre a história dos negros americanos. Um filme imortal, feito pela generalidade de Selznick, em 1939, e que não perdeu a oportunidade, nem a perderá. O estudioso encontrará nele os fundamentos desse propalado preconceito racial, inexistente. Há, sim, um problema econômico.
A. Tito Filho, 07/05/1988, Jornal O Dia.
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