O convite partiu desse conterrâneo inteligente e dedicado, jornalista de bom conceito, José Carlos Alencar, de "O Globo", do Rio. Almoço no Hotel Rio Poty - eu, minha mulher Delci Maria e os confrades José Fortes Filho e Iara Osana. Um dia especialíssimo em restaurantes CINCO ESTRELAS , que só perde para os SEIS, SETE e OITO ESTRELAS de Fortaleza. Fomos recebidos à porta da vistosa e revolucionária hospedaria por um almirante, de capacete brilhoso. Reconheci nele meu bom compadre Chico Bocó, metido numa impecável fardação. Enfiamos na primeira sala, depois noutra e assim percorremos umas seis, ricamente aparelhadas, com cavaleiros e cavalheiras aos cochichos, pelos cantos, na parecença de que tramavam um golpe para ganho de eleição prefeitural. Em todas, muitos homens fardados à moda russa, batendo continência para nós os convidados. Gostamos do maravilhoso recepcionamento. Por fim atingimos o imenso salão onde funciona o restaurante, de mesas enfeitadas, tudo limpo, convidativo, grau dez. Tomamos uma das mesas. Chegou ao nosso território de bom gosto, de toalha alvíssima, galhetas de todo tipo, um cidadão de casaca, lapelas brilhantes, gravata borboleta. O paletó semelhava batina de padre velho, comprido como quê. Então houve os cumprimentos de praxe do funcionário hoteleiro, tipo saudável, gentil, sacerdotal a quem a coleguinha Iara Osana, depois de benzer-se, pediu a benção. Fomos agora cercados por cinco graduados, cada um de comprido livro parecido com partitura de orquestra sinfônica. Tratava-se do MENU. De mim estava abismado. Andei por Fortaleza e Rio de Janeiro e só habitei pensão ordinária de restaurante, sem luxurias e confortações. Julgava-me no céu, num ambiente novo, despoluído, em que me sentia bem, compensado da dura vida de assalariamento tipo classe média de degrau inferior.
Abrimos os livros das refeições. E cada qual de nós ficou a fazer que lia, calado, passando o rabo do olho pelo companheiro.
Lembrei-me dos meus antigos e recentes momentos nos restaurantes de Teresina. Vieram-me à mente o Gumercindo, criador do filé de chapa, que se trabalhasse em França, teria ganho o Premio Nobel de comedoria; o João Bebé, o Ludgero, o Filomeno, eximios na arte das feijoadas com pé de porco e rabada à lá Toinha Arêa Leão. Recordei-me do frege do Doutô, especialista em panelada e mão-de-vaca, muita pimenta, cachorros gafentos brigando por debaixo das mesas para a agarração das ossadas que a gente limpava nos dentes, limpinhos de dar prazer, depois de engolir com boa farinha o tutanão interior, que escorria gordurento pelos cantos da boca. Não pude também esquecer o velho e bom Pedro Quimino, que enriqueceu e se retirou do ramo e cujo cozinheiro preparava uma língua que a gente comia em dobro como bispo em desobriga. Amanhã eu conto o resto.
A. Tito Filho, 09/08/1988, Jornal O Dia.
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