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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

USA E OS NEGROS

O romance de Margareth Mitchell "E o Vento levou..." conta a história do sul dos Estados Unidos, com seu algodão, o seu tabaco, a sua opulência, o seu luxo, os seus saraus de mil-e-uma-noites e os seus escravos - os pretos que trabalhavam a terra e faziam a riqueza do branco. Nesse ambiente, vivia Scarlett O'Hara, mimada de todos, inclusive de mucama de cor, uma negra gorda de voz metálica. O livro é a própria paisagem humana e social do negro, num instante em que o problema começava a preocupar a politica da nação americana. O sul mantinha o escravo para o trabalho da terra, a quem se davam casa e comida por conta do esforço. O norte convocava o braço negro para a indústria, acenando-lhe com liberdade e salário. Sul escravocrata e agrícola: norte industrial e abolicionista por força do processo econômico.

Estados Unidos e Brasil buscaram [no] negro o elemento humano para o trabalho do campo. Foi ele, o negro, o sustento de uma organização política e social agrária em seus fundamentos. Considerado tipo inferior, o regime de igualdade resultante da abolição não foi aceito pelos brancos. Nos Estados Unidos as primeiras manifestações desse ódio racial partiram dos negros. Vencido o sul na Guerra de Secessão, derrotada a escravatura, os brancos do norte, raposas políticas, serviram-se do negro para incutir-lhe a vingança contra o antigo senhor - e a violência negra no sul, logo depois da vitória do norte na luta civil, tornou-se rotineira.

Os incautos sempre dizem que no Brasil não há preconceito de cor. A verdade e que aqui vigora o preconceito, embora não assuma o caráter de segregação, como nos Estados Unidos vigora veladamente em alguns pontos do país e em certos grupos sociais. No Brasil, como lá, em quase todas as camadas brancas prevalece o assentimento de que o negro é inferior - tese que não encontra mais adeptos, uma vez que a inferioridade dos homens não reside na cor da pele. Inferiores são os povos economicamente explorados. E recorde-se que a abolição, no Brasil, não acarretou os males que a mesma abolição impôs aos Estados unidos. Os escravos aqui continuaram a participar do trabalho da terra. Apenas o imperador perdeu a força politica dos latifundiários, e caiu. Na América, não. O rico sul americano, com a guerra, passou a terra arrasada. Extinguiram-se fortunas. Ainda hoje o sul dos Estados Unidos é pobre e sofredor. As suas comunidades federadas menos expressão politica possuem. A Virgínia, que sempre elegia os filhos ilustres para a presidência da República, agora possui a simples representação no Senado e na Câmara. Os presidentes saem do leste, do centro, do oeste, industrializados e também fortemente agrícolas. O negro correu do sul em busca do salário pelo trabalho. É verdade que o sul tem a maioria dos negros americanos, mas confinados pela segregação, vivendo de pequena lavoura e de empregos domésticos ou de serviços humildes em transportes, engraxatarias e hotéis.


A. Tito Filho, 06/05/1988, Jornal O Dia. 

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