A de março de 1964, sexta-feira, eu me encontrava no Rio de Janeiro. Era dia de festa política comandada pelo presidente da República João Goulart. Os jornais anunciavam o grande comício na Central do Brasil. Haveria pregação de reformas sociais na palavra dos líderes-oradores. Boquinha da noite me desloquei para o local. Gente muita. Dezenas de faixas exigidoras de mudanças urgentes. Palanque vistoso, bem iluminado, em que figuras projetadas do grupo presidencial tomavam lugar e posição. Fiquei um tanto distante do foco principal de entusiasmo. Vi de longe Osvaldo Pacheco, comunista de vários costados. O baixote Seixas Dória, sujeito de bem, governador de Sergipe. Ministros anunciados pelas amplificadoras. Enxerguei o notável Clidenor Freitas Santos, que era o presidente nacional do Instituto de Previdência e Assistência aos servidores públicos. E muitas outras personalidades importantes. Corria o tempo e eu a observar o movimento. Foguetório paulificante. Em dado instante, urros e vivas. A multidão ululante estava frenética. João Goulart chegava ao palanque, acompanhado da esposa, Teresa, bonita como quê, uma espécie de receita médica para tipos de bom gosto. Ia principiar o relatório até que chegou a hora e a vez do presidente da República.
* * *
Neste ponto entra a verve, o bom humor do carioca, que criou esta estória de primeira categoria. No comício, distancia regular do palanque, puseram-se dois amigos, funcionários públicos carregados de filhos e moradores em casas alugadas. Um deles padecia de alguma surdez. E o carioca coloca na boca de Goulart estas palavras:
- Brasileiros, com Congresso ou sem Congresso, já determinei a meu ministro da Justiça que, de amanhã em diante, cada brasileiro receba o seu pedaço de terra para cultivar.
A multidão urrou de alegria. E o quase surdo perguntou ao amigo que cousa o presidente havia dito. O amigo deu a explicação e o quase surdo gostou muito da ideia.
- Brasileiros, com Congresso ou sem Congresso, já determinei a meu ministro da Justiça que, de amanhã em diante, ninguém mais neste país paga aluguel de casa.
A multidão berrou. E o quase surdo perguntou ao amigo o que havia dito o presidente. O amigo esclareceu. O quase surdo gargalhou, vitorioso.
- Brasileiros, sustentou Goulart, com congresso ou sem Congresso, já determinei ao meu ministro da Justiça que, de amanhã em diante, funcionário público só trabalha UM MÊS durante o ano.
A multidão delirou, em fúria. E o quase surdo quis saber do amigo sobre a fala do presidente. O amigo lhe transmitiu a ordem presidencial. O surdo exultou, chorava de rir, enfim perguntou:
- Amigo, e sobre as férias, que que ele disse?
A piada inteligente foi criação do carioca, para mostrar que este país caiu na pagodeira e ninguém mais quer trabalhar.
A. Tito Filho, 18/10/1988, Jornal O Dia.
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