Prossigo. Hoje a segunda parte do almoço de que fizemos parte o anfitrião José Carlos Alencar, os jornalistas José Fortes Filho, a simpática Iara Osana, eu e minha cara-metade no Hotel Rio Poty, cinco estrelas, luxuoso, revolucionário, que só perde para os hotéis de cearense, em Fortaleza, de seis, sete e oito estrelas. Estávamos justamente no momento da leitura do MENU, que os tupiniquins conhecem pelo nome cientifico de CARDÁPIO. Cada comensal fez que lia a enorme lista de comedorias. Olhavam-se com o rabo do olho. Ninguém entendia patavina das iguarias relacionadas. Havia CANAPÉ DE REQUIN, FILET MEDITARRANÉ, BROCHETES DE FOI VOLAILLÉ, PORC ROTI A LA LUSITAINE , DINDONNEAUX FARCI A L'AMERICAINE, POISSON DELICIEUX, PETIT AMOUR VERA FISCHER e outros pratos de bom paladar, como explicava o paciente e educado amigo de roupa preta comprida, o MAITRE, que nos anunciou o primeiro sortimento, o HORS-D'OEUVRE, uma iniciação picante para abrimento do apetite: ingredientes pastosos, azeitonas, paezinhos redondos, roscas de trigo, manteiga e uma riquíssima quantidade de ovos de codorna, já descascadinhos. O supervisor do excelente restaurante nos achou a todos de certa idade e carregou na codornização do ambiente.
Desde meninote me acostumei com comida de panela, que a saudosa negra Francisca, funcionária-chefe da cozinha de minha tia Honorina Tito, preparava com banha de toucinho, muita cebola e pimenta-do-reino. A saia-velha de muito vinagre, o cozidão com abóbora e osso de boi rico de nervuras e rejeitos, caldo abundante e pirão de farinha de mandioca, a paçoca bem acebolada, a mão-de-vaca de muito tutano. Me lembro dos arrotos gostosos que a gente soltava, de pança cheia, pecadores da gula, tomando pito pela falta de educação.
Nos banquetes de meu tio Antenor Rego, na velha e pacata Barras do Marataoã, apareciam uns trinta pratos de diferentes tipos, como aquele oferecido ao antigo governador Helvídio Nunes, constituído de vatapá, galinha de molho pardo, galinha ensopada, torta de carne, costela de porco e de carneiro, macarrão, lingüiça, peru, leitão, lombo, e outros pratos, cousa principesca, de encher os limites das barrigas famintas.
Os cinco participantes da encantadora reunião no restaurante do Hotel Rio Poty continuavam em busca de uma solução. Dos cinco só José Carlos Alencar conhecia língua estrangeira, em viagens jornalísticas por esses espações do mundo. Conhecia a língua de Lollobrigida e de outras celebridades femininas dos Estados Unidos, da Grécia, de França. A gente notava que ele não queria mostrar sapiência traduzindo o francês do cardápio. O jeito estava no MAITRE de fraque comprido, lapelas luzentes, educado, simples, sorriso largo, paciente como frade de convento beneditino.
Amanhã eu conto o resto.
A. Tito Filho, 10/08/1988, Jornal O Dia.
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