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quinta-feira, 10 de março de 2011

GAIOLAS

Este jornal está circulando neste dia 27 de maio de 1988 e até ontem não havia sobrado tempo para uma visita minha à nova coqueluche teresinense, o vapor construído em Parnaíba, batizado Comandante Fausto Silva, agora na capital piauiense, na distância de cento e vinte e nove anos do primeiro GAIOLA, o vapor URUÇUÍ, que se fabricou no Rio de Janeiro.

Esses vaporzinhos antigos eram de excelente viajar. Num deles, em 1942, embarquei em Juazeiro da Bahia, para subir o São Francisco até Pirapora, em minas, e daí alcançar o Rio de Janeiro, por terra. Viagem gostosa. Rapazola, deliciei-me com muita cabloca de beira d'água, nas cidadezinhas da época. Estive na gruta de Bom Jesus da Lapa, espaçosa e clara, na terra baiana. Muita pobreza. Mendigos às pencas, feridentos, doentes, maltrapilhos.

Gostei da cidade de Barra do Rio Grande, margem esquerda da grande corrente fluvial, onde foi aldeia de índios e fez parte do célebre Sertão de Rodelas - que pertenceu à Bahia, passou a Pernambuco, a Minas e voltou ao domínio baiano.

Estive doze dias subindo o rio. Manhãs e tarde monótonas. Noites agradabilíssimas. Dormida ao ar livre, na rede do cheiro da gente. Refeições de bom peixe. O comandante apreciava a boa pinga.

Fiz outra viagem nos GAIOLAS, saindo do Rio de Janeiro em 26-12-1946. Percorremos o São Francisco de Pirapora e a Remanso e entramos no Piauí de caminhão, por São Raimundo Nonato. Alegres companheiros no percurso: Tibério Nunes, Fenelon Silva, Mariano Mendes, Álvaro Ferreira Filho. Atingimos Floriano no dia 18 de janeiro de 1947. Nessa antiga Colônia de são Pedro de Alcântara tomamos passagem noutro GAIOLA, rumo de Teresina. Embarque pelas 11 da manhã e chegada ao ponto final às 7 da manhã de 19, um domingo, quando o eleitorado já buscava os locais competentes para eleger o primeiro governador do Piauí depois das trevas da ditadura de Getúlio Vargas, o médico José da Rocha Furtado, artista do bisturi.

Os naviozinhos que o povo chamava VAPOR desapareceram da paisagem do Rio Parnaíba, faz uns trintas anos. Os do rio São Francisco estão transformados em PALÁCIOS de turismo, com orquestras, AMERICAN BAR, mulheres de aluguel, para milionários em férias, PLEIBÓIS de pais latifundiários, artistas de roquenrol e outras maluquices. Contam que nestes passeios, subindo e descendo o rio, gasta-se muito dinheiro mas goza-se um bocado a vida.

Jorge Amado, num dos seus melhores livros, narra viagem nesses barcos ao tempo do transporte a serviço das populações ribeirinhas. Comovente drama de dezenas de pobres e humildes na segunda classe, amontoados, em severa promiscuidade, e as delícias da primeira classe, no segundo andar do vaporzinho. Uma reportagem forte, vida real, da forma que contou o romancista baiano.

Ainda não sei se o Piauí voltará ao transporte pelo seu Rio Parnaíba, quase sem condições de navegabilidade. Será possível?


A. Tito Filho, 27/05/1988, Jornal O Dia

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