Durante mais de um ano e meio esteve reunida mais uma assembléia constituinte. Deputados e senadores debateram assuntos diversos e aprovou-se novos princípios constitucionais, ao cabo de cartas promulgadas a 5 de outubro. Novo pacto passaria a reger o Estado brasileiro, depois da vigência de seis, a exemplo do que se outorgou no Império (1824), o primeiro republicano (1891), o pós-golpe militar de 1930 (1934), o decretado por Getúlio Vargas na manhã de 10 de novembro de 1937, outro em 1964, o de Humberto Castelo Branco em 1967, fora as emendas constitucionais de 1926 e 1969. Cada uma dessas leis magnas acenava com novos processos de vida para as populações do campo e da cidade, sem que até hoje se conhecessem mudanças, salvo as que afligem a imensa maioria das classes populares cada vez mais empobrecidas, enganadas e abandonadas, sem terra e famintas. Bem salientou o finado Getúlio Vargas, que voto não enche barriga. E sempre que surge nova constituição, os seus títulos, artigos, parágrafos e alíneas mais acenam com novas fórmulas salvadoras. Decreta-se a liberdade em todos os sentidos, o amparo dos direitos individuais e sociais, a proteção da família, da cultura, e a família desagrega-se e poucos, raros, conhecem e interpretam os aspectos culturais do Brasil. Ninguém pode viver com os salários de fome da classe média e do operariado - os salários decretados pelo próprio governo. Não é possível crer em constituição, enquanto reduzido número de banqueiros e magnatas exploram o trabalho dos humildes e dos pequenos, sugados até a alma pela ambição do dinheiro e do poder. Constituição institui direitos e deveres, pelo menos dela se esperam normas de garantia da liberdade de não passar fome, de ter acesso à instrução e à educação, de morar dignamente e jamais em habitações desumanas distribuídas pela falsa benemerência oficial. As megalópoles exibem no dia-a-dia da vida milhares de párias nas filas da inexistente resistência social. E a saúde moral e espiritual dos jovens de hoje? A mocidade está rica de maus exemplos, em protestos freqüentes contra a alta sociedade doente que a criou a seu modo e fisionomia. A violência espalha-se por todos os cantos, nascida quase sempre dos desníveis sociais e da afronta da riqueza mal adquirida. Há frustrações econômicas e sexuais nos espancamentos e nos assassinatos. Bem escreveu Paulo César Coutinho, em lúcido exame, sobre a confraternização alcoólica nos botecos e sobre o homossexualismo reprimido, e conclui que a violência se tornou a única conquista democrática neste país. Já os jovens não se miram nos exemplos dos mais velhos, decepcionados com os planos cruzados e os políticos maus. Há o culto das noitadas irresponsáveis. O ato sexual - disse o jornalista - está desacompanhado do amor. Liquidou-se quase a mocidade e desaparecem os valores autênticos. Chegou a hora de dar novos caminhos à juventude, que reclama e merece afeto e amor. Ou se mudam comportamentos ou a deterioração será total. Faliu a sociedade. Que se esperaria da nova constituição republicana? Justiça Social, antes de tudo, a fim de que haja uma equilibrada distribuição de rendas e que poucos não adotem o deboche como norma de educação coletiva. Ninguém esqueça os milhões de brasileiros que apenas assinam o nome, sem capacidade da leitura e interpretação do emaranhado de diretrizes que não vigoram. De 1824 a 1988 nunca se cumpriu uma Constituição do Brasil.
A. Tito Filho, 27/11/1988, Jornal O Dia
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