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segunda-feira, 14 de março de 2011

MENTIROSOS

As estórias fiadas dos grandes mentirosos estão incorporadas ao folclore das coletividades. Ouvi muitas dessas narrativas no interior e li-as depois em livros de estudiosos dessas interessantes e curiosas manifestações populares.

Em Teresina meu querido e inesquecível Mário José Baptista contou o episodio de um macaco que ele ensinou a pular com extraordinária perícia. Se o bicho saltava de um galho para outro e no meio se arrependia, o referido esperto animal fazia finca-pé no ar e facilmente retornava ao local de origem.

É comprida a coleção das lorotas humanas. Homens e mulheres têm imaginação fértil, sobretudo estas quando ajudam os maridos nas cabeludas mentiras.

Tornou-se vulgaríssima em Minas a conversa de Joaquim Bentinho com os dois amigos que o visitavam e aos quais ele contou que um dia, quase boquinha da noite, sentado à porta da casinha tosca daqueles perdidos do interior mineiro, viu no descampado, ao longe, um vultozinho. Coçou os olhos, reparou direito era um veado. Agarrou a espingarda, carregada só com um cartucho. Fez pontaria segura, e houve o papouco. O bicho deu salto, bateu no chão e imobilizou-se. Bentinho buscou a caça, estava morta, rasgo de bala no casco e na orelha. Os ouvintes admiraram-se: uma bala só, dois buracos? A mulher por perto não deixou que o marido mentisse:

- Tu não se alembra que o animá tava coçando a orêia?

Gustavo Barroso encontrou essa rabuda mentira entre os campônios de França e do folclore de outras gentes anotou invencionice que os nossos matutos também contam.

Lembrou-me do bom Capivara, caboclo que tomava conta de um sítio de meu pai nos arredores de Barras, neste Piauí famoso. Bebedor permanente de cachaça, calmo, tranqüilo, Capivara nunca deixou de deliciar as pessoas, na choupana modesta onde morava como caseiro, encarregado do cajual, das mangueiras e outros pés de frutas, com mentiras bem contadas.

Ouvi uma delas, certa vez, e a encontrei como estória matuta do sertão brasileiro em Gustavo Barroso.

Capivara contava-a como cousa acontecida, verdadeira, segundo dizia, como Deus no céu. Ele gostava de criar papagaios. Conseguiu onze dessas aves faladoras. Nas novenas ouvia o padre rezar a ladainha com as beatas na ajuda, vozes fanhosas. Achou que os papagaios deveriam aprender esse hino religioso e tratou logo de efetuar a ensinança. O mais velho dos papagaios cantava o verso do cântico bonito em louvor da Virgem Maria, e os dez papagaios mais novos respondiam o ORA PRO NOBIS. Uma maravilha.

Há mentirosos de todo tipo.


A. Tito Filho, 31/12/1988, Jornal O Dia - p. 4

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