Como vos vinha narrando meus queridos e raros leitores, eu, minha mulher, os jornalistas José Filho, Iara Osana e José Carlos Alencar estávamos bem refestelados nas cômodas cadeiras do restaurante do Hotel Rio Poty, majestosa e revolucionária pousada teresinense, de CINCO estrelas só superada por hospedaria de cearense, em Fortaleza, que vai de SEIS a OITO estrelas. Os elegantes funcionários, ricamente fardados, como contei, nos forneceram o CARDÁPIO, escrito em francês, idioma que só o companheiro citado por último conhecia, pois visitou Paris e arredores. Os outros, os convidados, nada sabiam desse linguajar estranho. Eu ainda me lembrava de uns verbos que o saudoso mestre Álvaro Ferreira conjugava, ensinando a gente a usar a língua alheia, e fazendo um bico com a boca nascida com ele nas terras piauienses de Piripiri. Eu me recordava do verbo ÉTRE, para citar um. De francês, conheci Jean Le Lonnés, generoso, educado, que comia pouco, no bom sentido, e deixou viúva a querida amiga Isabel Le Lonnés.
Era grande a apertação de nós quatro, os convidados de José Carlos, na escolha das comedorias. A coleguinha Iara Osana perguntou ao patrício de fraque que havia de fresco. O ilustrado MAITRE, na paciência costumeira, logo lhe aconselhou um POISSON e a garota aquiesceu no palpite. No regresso ao lar, nós todos num automóvel, ela soube que POISSON significava PEIXE, conforme traduziu José Carlos, o anfitrião. Comeu sem saber.
Cada qual dos outros, minha excelentíssima esposa e o jornalista José Fortes Filho, foi encontrando a sua bóia sob orientação do funcionário competente de fraque, acostumado em língua de francês.
José Carlos deu preferência a DINDONNEAUX, feito em vinha-d'alhos e milho verde rosado.
O bom do guia orientava com lhaneza, amável e risonho. Procurei junto a ele saber de que jeito era o prato chamado PETIT L'AMOUR VERA FISCHER. Atencioso, me explicou. Tratava-se de iguaria finíssima, de sabor paradisíaco, feita de carne macia passada em ovos. Já pensastes, meus raríssimos leitores, que seja comer um filé VERA FISCHER, de carne macia passada em ovos? O meu repasto foi quase antropofágico.
Comer é uma arte, uma atitude racional e filosófica. Todos apreciam comer aquilo de que gostam, como uma buchada de carneiro, por exemplo. Quando meninote eu gostava de comer galinha de quintal. Se houvesse rosbife tipo BRUNA LOMBARDI, vós o comeríeis? Claro que sim. Há os que se alimentam de líquidos e os que comem mordendo a carne e penso que por esse motivo a gente morderia alegremente a belezoca Xuxa.
Apreciei a bóia do Hotel Rio Poty. Gostosa. E vedes vós que tenho conhecido cozinheiras de mão cheia, famosas, que bem aprenderam os mistérios estranhos da culinária. Minha comadre Biló, embora bem nova de idade, dava comida saborosa na sua casinha do antigo Marruás. Comi muita cousa boa dela. Lembro-me dos velhos tempos da doce Barras, de Dona Maricota, mãe de três bonitezas, namoradeiras, também peritas em arte de comidas, e eu aceitava sempre as maravilhas que elas, generosas, me ofereciam.
Antigamente as mulheres se fartavam de doces de tacho, sentadas em esteiras dentro dos quartos residenciais. Acabavam diabéticas. Os homens já não comem mais como no passado, andam sempre de fastio, repugnando as gostosuras.
O Hotel Rio Poty me deliciou com um filé tipo Vera Fischer, de carne macia passado em ovos, o que nem é bom pensar. Valeu a pena.
A. Tito Filho, 11/08/1988, Jornal O Dia.
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