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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

EMPACOTAMENTO

Nas festas fraternas dos 29 anos do Sindicato dos Jornalistas do Piauí, mês passado, houve um momento em que poucos meditaram. Não meditei sobre um assunto de incontestável seriedade porque mais de uma vez havia denunciado a perversidade desse empacotamento cultural do Brasil, que Armando Rollemberg, corajoso e claro, denunciou no instante de sua fala aos jornalistas piauienses - o empacotamento com que a Televisão UNIFORMIZA hábitos e costumes regionais brasileiros. Pouco a pouco desaparecem os agradáveis piqueniques de familiares e amigos, pobres e ricos, substituídos pelos americanizados coquetéis residenciais ou nos clubes, nos quais só a soçaite destes atormentados anos se delicia nos salgadinhos sem gosto, enfeitados de rodelinhas de azeitonas e salsicha, o tira-gosto da moda após cada taleigada (taleigada mesmo) de uísque gelado. Institui-se a civilização do enlatado. As danças típicas sumiram-se. Só se dança nos dias que correm, cada homem e cada mulher, separadamente, ou homem com homem e mulher com mulher, pinotando ou careteando que nem macaco, na barulheira e histerismo do roquenrol. Não se bebem mais cajuínas, sim coca-cola, expressão do progresso das coletividades patrícias. A panelada de bucho e tripa e a mão-de-vaca, comidas de sustança na confecção de machos verdadeiros, cederam lugar aos perfumados estrogonofes. O cinema tem fundamento na violência. Criança não ouve mais as encantadoras estórias das vovós bondosas. Educam-se nos xôs das xuxas. O texto é um só, no Brasil: bumbuns de fora, pornografias no ar. A linguagem de gatos e gatas e até de mestres qualificados vigora, deformada, no iê-iê da nação toda. TU  e VOCÊ são pronomes idênticos. A novela orienta a juventude, a maturidade, a velharia para o desrespeito recíproco. Pais e filhos se xingam. O bicheiro tem "status" - e aos estudantes serve de exemplo a uma carreira de conforto e de conquistas amorosas fáceis. Dinheiro a rodo lucram os profissionais da esperteza. Muitos homens de variado tipo usam brincos nas orelhas e difundem a usança pela tevê.

A televisão brasileira, de propriedade dos espertos, dos tubarões de publicidade, praticam verdadeiro crime espiritual. UNIFORMIZANDO o Brasil. Música, cantoria, cozinha, vestuário, usos, hábitos, costumes, estórias, sexo, brinquedos infantis, livro, teatro, cinema, perfume, linguajar, lendas, modos de mentir, diversões - tudo, mais alguns anos, estará bitolado. Educação para comprar, para gastar dinheiro na aquisição de quanta impostura a indústria fabrique. Afeto um só: presente para a mãe, para o namorado, para o pai, para cada classe do dia que a inteligência dos negociantes aponta. As cousas e práticas regionais desaparecem a cada instante. Não se mostra arte, nem se educam as coletividades, senão num ou programa que as platéias recusam. A deformação é geral. O Brasil ingressou no caminho da civilização empacotada.


A. Tito Filho, 19/05/1988, Jornal O Dia

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