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sábado, 29 de janeiro de 2011

APOTEOSE

Aconteceu a 10 de dezembro de 1988, dia de sábado. Era noite e se daria, como se deu, o casamento do ano. Uma apoteose. Dos cinco mil convidados, compareceram dois mil, mas pode atestar-se que as comedorias e bebedorias se prepararam para os presentes e para os ausentes. Uma festa de papouco, como os meus avós batizavam essas experiências, no seu tempo. A imensidão se passou nos arredores do Recife, numa propriedade de sete mil metros quadrados. Verificava-se um casamento em família de milionários cujos dinheiros são inesgotáveis. A noiva esteve metida em traje de princesa medieval, de sete milhões de cruzados, com um rabo de dez metros de comprimento, segurado por umas trinta ou mais seguradoras de rabo de noiva em casório de luxúria. Na cabeça dela puseram uma tiara de prata e pérolas. Sim, uma tiara, da forma que registrou jornal do Rio de Janeiro. Como tiara é cousa de papa, a futura esposa parecia uma papisa. Doze damas de honra acompanhavam a marcha nupcial, cada qual mais rica de enfeitações. As mucamas usavam roupas bordadas em estilo francês e se encarregavam do atendimento dos convivas indicando-lhes os locais de efetuar o pipi, as salas de arrotar, os caramanchões de descanso e os reservados para as dondocas rebocarem as caras. A sala da cerimônia estava iluminada de cento e vinte refletores. Depois das benzedouras do pastor evangélico, houve os comes e bebes comemorativos. A comida foi transportada em três microônibus, várias kombis e alguns automóveis. Viam-se cinco bolões de noiva, de vários pavimentos cada um. Já me ia esquecendo: o salaozão da festança era ornamentado de castiçais de ferro, feitos especialmente para o regabofe, e mais quatro candelabros que custaram oito milhões. Cento e cinqüenta garçons carregavam bandejas de bebidas e comidas. Contrataram-se os melhores fogueteiros de Pernambuco para o espetáculo dos fogos de artifício, e com estes e os tocadores de foguete os gastos subiram a dois milhões. Duzentos soldados da polícia e um pelotão de bombeiros e carros respectivos, pagos pelos brasileiros de categoria inferior, montaram a segurança do tubaronato nacional.

E nos arredores de Recife também meninos famintos se alimentavam de restos de comida apanhados nas latas de lixo. Mundo cão.


A. Tito Filho, 20/12/1988, Jornal O Dia

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