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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

MÃES

Quem inventou um dia dedicado às mães, e a invenção coube a cidadã norte-americana, certamente se animou de boas intenções. Pretendeu que se homenageasse a mulher-bondade, a educadora do lar, embora as mães desde muito tempo se tenham esquecido dos seus deveres. São poucas as que hoje cumprem o papel sublime que a sociedade lhes confiou. De modo geral as mães abandonaram o lar, e assim, quando têm posses, os filhotes caem nos beliscões das babás descarinhosas. Para as pobres, existem creches, onde passam horas, sem contar os orfãozinhos de afeto. Quando mais taludos, garotos e garotas passam ao processo deseducativo das ruas e nestas adquirem todos os vícios e a convivência dos mais perniciosos companheiros. Nos dias atuais a televisão faz o resto.

A mãe, com o desenvolvimento industrial e a fabricação de produtos em massa, pouco a pouco passou a objeto de propaganda. Os negociantes anunciam os mais requintados presentes para aquelas que conceberam o milagre da vida. Ninguém se preocupa com as dádivas maravilhosas do amor, da amizade e do respeito. Haja dinheiro. Existe um sentimento de mágoa, de abatimento, de vergonha nos que não possuem o vil metal ou o reles papelucho inflacionado para comprar o presente pelo dobro na loja enfeitada de colorido estoque. Os ricos facilmente adquirem os mimos caros, as cousas da moda, as novidades do dia que se anunciam aos quatro cantos da cidade de pouquíssimos esgotos. Os pobres suam na entrada e nas prestações a juros de banqueiro. Quem não se ajeita no fiado, paga no meter das buchas. Uns e outros talvez não saibam que por conta dos fregueses corre o elevadíssimo preço da publicidade. Passada a data solene, o preço dos objetos cai pela metade.

Tornou-se o dia das mães um dia de angústia, de aperreio, de aflições, de ânsias para a classe média e o operariado, ambos assalariados e maltrapilhos, pois difícil de encontrar dinheiro, que é escasso e raro e chorado e vasqueiro nos bolsos dos machacás e bolsinhas das mulheres da plebe ignara e vociferante. Obtidos os miseráveis cruzados, a segunda parte da tormenta está em conseguir a harmonia das pelegas com o custo do objeto que o coitado (a) consegue comprar, depois de mudanças desgastantes, espiando, indagando, pechinchando debaixo da barulheira infernal dos alto-falantes e dos pregões de caixeiros esqueléticos à porta das lojas ou camelos de enjoativa palração.

O dia das mães parece instrumento de suplício. E já se aproxima o dia dos namorados, que facilmente encontram oportunos e baratos presentes, as CAMISINHAS, de não muito segura atuação, mas quebram o galho.

Olhei os jornais teresinenses do dia das mães. Páginas inteiras de fotografias das mais ilustres, finas e ricas senhoras do socaite da terra. Uma festa de mulheres bonitas e elegantes. Reconheci algumas delas, dignas de minha admiração.

A mim mesmo fiz a pergunta. Por que também não se homenageiam as mães mortas e as mães vivas pobres? As roubadas pela morte cumpriram a obrigação e deixaram saudade, as pobrezinhas de Cristo são heroínas, criam os filhos sabe Deus como. Mortas e pobres merecem a cara nos jornais. Por que só as ricas? E a minha santa que se foi ainda nova? E minha comadre CEIÇA, que ainda está de pé, depois de realizar o milagre da vida em quinze novos rebentos, vadiando muito com o Bitonho no jirau do casebre?


A. Tito Filho, 15/05/1988, Jornal O Dia

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