Nasci na terra piauiense de Barras, bem no Largo da Matriz, mas em Porto, antigo Marruás, passei instantes inesquecíveis da meninice e adolescência. Fui afilhado de respeitável senhora chamada Beatriz Rodrigues, possuidora da Fazenda PEIXE, de algum gado bovino, bodes e carneiros, em cujas terras havia o lugar OLHO-D'ÁGUA, de riachos cristalinos e muitas árvores de gostosos frutos: mangas, jacas, abacates, laranjas. Terreno pantanoso de bonito buritizal. Numa elevação de terra, meu pai construiu espaçosa casa de palha, e aí passamos os dias que não se apagam da memória, eu ainda de calças curtas.
Beatriz Rodrigues tinha o apelido de Beata. Criou minha mãe desde garota. Nise, que morreu em Barras, do segundo parto, uma menina que chegou a receber o nome de Odaléia, falecida quinze dias após o nascimento. Beata pediu e obteve a guarda de José de Arimathéa Filho, o que lhe foi concebido. Beata foi-se da vida quando eu tinha uns quatro anos. O coração baqueou.
Meu pai gostava de passar as férias na fazenda e para lá levava a família: a segunda esposa e eu. Dias felizes vivíamos alí. Leite tirado do peito da vaca, manhãzinha, a gente bebia com gosto. Beijus apetitosos. Banhos na riacharia. Uma festa permanente para o espírito infantil.
Depois viemos morar em Teresina. E da capital piauiense, nas férias escolares do fim do ano, lá ia eu para a vila, depois cidade de Marruás, hoje Porto, o velho e bom marruás de outros tempos. Iam também de Teresina vários primos meus que aqui estudavam e tinham em Porto pais e irmãos.
Hospedagem com os boníssimos tios Joaquim Gonçalves Cordeiro e Doninha, marido e mulher. As férias coincidiam com a festa da padroeira, novenário, missa e procissão. Leilões animados. Leiloeiro o saudoso parente José Antero, cidadão muito estimado. Celebrava as práticas religiosas um dos mais virtuosos padres das paróquias piauienses, o querido Lindolfo Uchoa.
Quantas saudades dos banhos no Parnaíba, dos passeios a cavalo e de bicicleta, das festivas chegadas dos vapores e dos hidraviões, dos quitutes de minha tia Doninha, da banda de música regida pelo maestro João Burundanga, também compositor de valsas sentimentais e lânguidas. Nas serestas a gente cantava com o melodioso saxofone do Alonso, pai deste moço trabalhador e correto, Roberto John.
Em Porto tive minha primeira aventura amorosa, dentro do mato. Amei roliça cabocla, mulatona de carnes muitas, que me iniciou na estória. Também namorei garotas bonitas que ainda hoje habitam minha saudade.
Havia a ponte no meio da rua principal, a ruazona comprida, que começava na igreja e acabava no Parnaíba. A ponte onde a turma de rapazes de meu tope pilheriava até tarde da noite, comendo sardinha de lata e fumando cigarros fedorentos. A luz era de lampião, a querosene, nos postes de madeira, e de candeia, nas residências.
Pertenço de coração a três municípios. Barras onde nasci, Porto, o velho Marruás, com a fazenda PEIXE, onde passei dias maravilhosos nas férias de fim de ano, e Teresina, cujas belezas espirituais a malvadez dos homens sacrificou. Valeu a pena viver nas três os dias felizes que não voltam mais.
A. Tito Filho, 16/10/1988, Jornal O Dia
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