Era de Piripiri. Batizou-se como Benedito, precisamente Benedito Aurélio. Pertencia aos Freitas. Cedo perdeu os pais e passou a ser criado pelo avô fazendeiro. Novinho ainda foi confiado aos cuidados de um amigo da cidade piauiense de Barras, possuidor de farmácia - e o vendedor de remédios lhe ensinou o segredo da manipulação de drogas, ao mesmo tempo em que aprendia mais cousa na escola. Peregrinou por outras comunidades. Era prático de farmácia, até que se fixou em Teresina. Pelos cafundós das suas andanças receitava sempre, e gozava de algum conceito nas recomendações que fazia para a cura dos males físicos da clientela.
Na capital do Piauí redigia jornais. Vestia-se mal. Abandonou a profissão de farmacêutico e fundou "A Jornada". Pôs os petrechos do jornal no lombo de jumento e se tocou pelas bibocas do Estado. Órgão de imprensa ambulante, do qual ele exercia as variadas funções de redator, tipógrafo, paginador e impressor. Também desenhava caricaturas de gente pequenina e graúda e confeccionava os clichês na madeira para ilustração das notícias. Aonde chegava fazia que o periódico circulasse. Adotou vários pseudônimos, mas adquiriu fama e repercussão: Baurélio Mangabeira. E explicava-o: de Benedito, o B, conforme conta das sagradas escrituras. Aurélio traduz homenagem ao pai. Mangabeira denomina arvore dadivosa das matas piauienses, cujo látex vale ouro e o fruto é como a vida: ora tem amargores de fel, ora doçuras de mel.
Irônico, sarcástico, nunca deixou de poupar os orgulhosos, os presunçosos, os metidos a besta. Arrecadou antipatias e malquerenças. Um grandão da politica prometeu que mandaria, em data marcada, dar-lhe uma pisa de cipó. Foi ao chefe de Polícia, a quem pediu interferência, pois no dia fixado tinha compromisso de participação em festa de amigo. As cipoadas deveriam ser adiadas.
Boêmio. Dava-se sempre à boa cana. Vida irregularíssima, como dele disse Cristino Castelo Branco. Morava perto do cemitério e via passar constantemente enterros, defuntos idosos nos caixões pretos, horríveis, anjos e virgens em urnas mais suaves. Lembrou Cristino um soneto por ele escrito, no dia de completar mais um aniversário, com estes versos finais:
Tanta gente a passar pro cemitério,
E eu, caladinho, faço mais um ano.
A poesia de Baurélio assume tonalidades bucólicas, satíricas, românticas, parnasianas, folclóricas. Encantadora sensibilidade artística. Desprezou o dinheiro. Gostava de mostrar o lado feio dos adversários. Bebia, farreava, perambulava entre cidades. A exata pintura de Lima Rebelo bem o mostra por inteiro: todos o procuravam para lhe cobrar alegria, sem que nada lhe dessem. Pobre, começou a pensar nos filhos pequenos e desamparados. Era tarde. Doente, no seu entardecer chorou por não ter conseguido um ninho para os seus pintainhos.
Finou-se o grande poeta em Teresina, ano de 1937, aos 53 anos de idade.
Os piauienses lhe desconhecem a superior inteligência e o imenso talento lírico.
A. Tito Filho, 19/03/1988, Jornal O Dia
Nenhum comentário:
Postar um comentário