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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

CONTOS

Outro dia escrevi neste canto esquerdo, pois a esquerda está na moda, que o conto foi pouco cultivado nas primeiras fases da literatura piauiense. Parece que o primeiro em ingressar nesse gênero se chamou Francisco Gil Castelo Branco, diplomata, com o livro CONTOS A ESMO. Outros se dedicaram ao mister de escrever esse tipo de ficção, a exemplo de João da Cruz Monteiro, João Alfredo de Freitas, João Licínio de Miranda Barbosa, Arquelau de Sousa Mendes, Júlio Emilio de Paiva Rosa, Amélia Bevilaqua, Esmaragdo de Freitas, Álvaro Ferreira, João Pinheiro, o fabuloso Fontes Ibiapina. Arrolei apenas os defuntos. Os vivos somam um bocado de gente boa, inteligente e laboriosa, e entre tantos está essa contista de fôlego chamada Alvina Fernandes Gameiro, que já deu ao público QUINZE CONTOS QUE O DESTINO ESCREVEU e agora, brevemente, a Academia Piauiense de Letras dela publicará CONTOS PIAUIENSES, um conjunto de estórias decorridas neste Piauí, todas de valor literário e artístico. A escritora de Oeiras, antiga capital, de homens e mulheres cultos, concebe como quem mais sabe. O fato, porém, não provoca a admiração. Tem ela para quem puxar, e puxou ao pai, um portugues de muita preocupação com as cousas do espírito e que viveu em Teresina cercado dos melhores e mais respeitáveis intelectuais da época, para o cafezinho na sala da frente do seu estabelecimento comercial e agradável prosa ilustrativa. Ainda mais, Alvina se casou com um sujeito de nome Argemiro, que andou por estes territórios do Piauí teresinando, engenheiro ilustre, professor, em missão educativa.

Quando Alvina publicou CURRAL DE SERRAS, um dos melhores livros da literatura nacional, escrevi que o ponto alto do romance se situava na linguagem dos trechos humanos sem contatos com o progresso e com as transformações do viver dos povos. Existe uma maneira especial de comunicação, de causas profundas, um modo de ser representado pelo linguajar das pequenas paisagens populacionais, de reduzidas comunidades de povo, de lugarejos e vilas, um processo alatinado, cheio de encanto, de originalidade, de sabor ingênuo, conversado inconscientemente durante anos a fio, pelos habitantes desses arraiais, em virtude da segregação e da distancia. Alvina fotografou essa linguagem que se mantém no caipira e no matuto.

Nos contos que dentro em poucos dias se confiarão ao exame dos doutores e da critica literária, a escritora serve-se de material de acontecimentos reais. Retrata com talento caracteres físicos e reproduz os cenários como eles são, os da natureza dadivosa como os da intimidade familiar. Tudo nela, na extraordinária prosa do trabalho, parece copiado ao vivo pela acuidade de pintor genial.

As páginas de Alvina entusiasmam por virtude de um estilo educativo e do modo de reproduzir cenas que já viu com certeza nos hábitos dos irmãos das vilas e cidadezinhas dos longes piauienses.

A realidade fia mais fino do que a fantasia. Parece que assim se pronunciou Machado de Assis. Perverso no bom sentido de revelar as mulheres por dentro, não das roupas, mas da cabeça vazia, salvante as obrigatórias exceções.


A. Tito Filho, 18/07/1988, Jornal O Dia.

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