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sábado, 15 de janeiro de 2011

FOGO

Vitor Gonçalves Neto sempre escreveu bem. Cineas Santos publicou agora desse bom jornalista e narrador de têmpera o conto FOGO, para cuja cuidadosa edição lembrei que as comunidades humanas padecem, de vez em quando, sofrimentos e aflições, assim como Teresina.

Em 1875, houve o pânico, tempo da varíola impiedosa, quando Frei Serafim de Catânia tornou-se o santo confortador dos padecentes. Dois anos depois, a seca de 77, e a sua esteira de penúria, fome e morte. Teresina semelhava hospital de exaustos e doentes.

As cheias formidáveis dos dois rios que banham a cidade, de tempos em tempos inundam habitações, sobretudo as choupanas da pobreza sofredora.

O cerco a Coluna Prestes, entre 1925 e 1926, vinda do sul do Estado, fez que boa parte da população, espavorida, abandonasse a cidade e tomasse os caminhos do norte, por medo da fuzilaria perigosa.

Os acontecimentos iniciados em 1943 correspondem, porém, a cenas dantescas e tragédias gregas, tantas as violências contra pessoas pobres se provocaram. Era o governo do médico Leônidas Melo, que conquistou em virtude de certos atos contra direitos alheios, sérias inimizades. Vigorava violenta ditadura de Getúlio Vargas. A chefia de policia estava sob ordens do coronel Evilásio Vilanova. Foi o tempo dos terríveis incêndios de casebres de palha de Teresina. Comunicavam-se por bilhete o dia e a hora em que as labaredas deveriam subir aos céus na queima da casa escolhida, e os moradores a abandonavam, e no exato momento do aviso as línguas de fogo consumiam tudo, teto, paredes e os trastes da vida diária. Desespero e choro. Nada se salvava, tudo se transformava em cinza, os cacos da cozinha e os farrapos de pano da tipóia ordinária e da margem do corpo.

Os elementos da oposição culpavam as autoridades, desejosas de acabar com as choupanas de palha da capital, feias e miseráveis, ou o governo atribuía o crime aos adversários para puni-los severamente como incendiários. Pensava-se também na existência de piromaniaco. Chegou-se a acusar da hediondez o próprio chefe de Polícia, por intermédio de policiais de confiança, com o objetivo ambicioso de derribar o interventor Leônidas e assumir o comando governamental. As rodas oficiais consideravam mandante das queimações o médico Cândido Ferraz, afoito adversário da ditadura vigorante.

Alta noite homens humildes, acusados de autoria, nas matas do rumo de Morrinhos, eram submetidos a intensas torturas. Conta-se que alguns morreram.

Do Rio de Janeiro veio delegado especial para investigação, mas não chegou a conclusão alguma. Levantou apenas suspeitas.

Vítor Gonçalves Neto fixou tenebrosos aspectos dos incêndios que afligiram a pacata Teresina desses dias de lágrimas. O talento de escritores como ele sabe explorar essas tragédias e revelar-lhes os cenários e as vítimas da forma que os reproduzissem em toda a eloqüência da sua crueza. Vitor utilizou-se da verdadeira arte popular e a sociedade de hoje, já distante dos trágicos dias passados, transmitiu a força dum sentimento coletivo para os deveres das grandes solidariedades nas dores que o homem tem padecido em todos os tempos da humanidade.


A. Tito Filho, 15/07/1988, Jornal O Dia

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