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domingo, 16 de maio de 2010

LINGUAGEM

Uma feita escrevi a respeito da linguagem de Jorge Amado, que alguns consideram atentatória ao pudor, pornográfica, ofensiva da educação puritana de donzelas puras e rapazolas ainda de buço ralo. Lembrei o presidente Truman, dos Estados Unidos, antigo vendedor de gravatas no Missouri. Um jornalista criticou-lhe a filha Margaret, admitindo que a moça, que se julgava cantora, cantava muito mal. Truman defendeu a filha pela televisão, e xingou o jornalista de SON OF A BITCH. Sobre Truman choveram protestos de toda parte, das ligas americanas de moralidade, de sindicatos de educadores, de gente cultivadora de falsa pudicícia.

No meu artigo traduzi o SON OF A BITCH como FILHO DE QUALQUER COUSA. Fugi de dar o verdadeiro significado da expressão entre os norte-americanos.

Magalhães Júnior no seu "Dicionário de Coloquialismos Anglo-Americanos" registra SON OF A BITCH, isto é, FILHO DE UMA CADELA, e atesta que tal expressão é o pior insulto da língua inglesa.

Disse eu que não elogiava o impropério de Truman. A alta dignidade da função não o autorizava a ombrear-se com o calão do submundo social. Truman tinha o dever da expressão nobre. Mas, se Truman fosse o homem-de-rua, só os falsos correriam, envergonhados, da usança expressional de todos. Às vezes SON OF A BITCH, por razões semânticas, não xinga propriamente a mãe dos outros. Traduz antipatia, e muita vez até se torna modo de elogiar a grandeza alheia. Quando Lacerda convocava atenções das galerias nos seus irônicos arroubos oratórios, ouvia-se, à boca pequena, de ouvintes catequisados de tanta inteligência:

- É um filho duma puta!

A linguagem humana é meio de entendimento da comunidade que se manifesta por processos vários. Há a linguagem literária, asseada, estruturada, e ao lado dela a linguagem natural, despoliciada, no contato com os amigos, nas diversões, a linguagem chã, plena de expressões triviais - veículo de entendimento geral, que todos compreendem, instrumento de conversação do doutor com a verdureira, do sábio com o limpador de sapatos.

Jorge Amado busca a vida para a concepção dos seus livros. A linguagem é vida. Jorge é repórter da vida. Passou o romantismo e com ele se foi a linguagem de polimento que José de Alencar punha na boca das cozinheiras e das babás.

Essa fotografia da fala da comunidade não pertence apenas a Jorge Amado. Pertence a José Américo, a Lins do Rego, a outros. 

A. Tito Filho, 03 de janeiro de 1990, Jornal O Dia.

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