A banda de música de Barras, nos meus tempos de menino, tinha João Adélia no sopro do bombardão. Ainda jovem ele dominava o instrumento com perícia e arte. Era de ver e de aplaudir o músico estimado soprando no bocal do aparelho metálico também chamado de contrabaixo por cuja boca enorme saia o som grosso, abafado, de roncos curtos e intercalados. Os artistas humildes formavam em coluna por três e João Adélia na frente, olhos avermelhados de boa pinga derramada pelo gogó, antes das tocatas. Dias de novenas, no tempo dos festejos em honra de Nossa Senhora da Conceição, os integrantes da orquestra simples e modesta vestiam o fardamento bonito e bem lavado e passado na goma, para que ficassem durinho nas pernas dos homens. Cedo ainda, estavam no templo católico enfeitado e no adro se assentavam em bancos toscos de madeira. De vez em quando, executavam composições alegres, cercados os molecotes embevecidos com a sapiência dos seus ídolos cablocos. Iniciada a reza pelo vigário, faziam-se silencio. Os músicos então praticavam o processo de esvaziar os instrumentos de sopro do cuspe acumulado no interior.
Igreja cheia de gente alta e de matutos vindos de lugares próximos e distantes. Novenas de muita reza. Na hora da apresentação do Santíssimo Sacramento, antecedida das campainhas que mandavam ajoelhar, os músicos, de pé, executavam um dobrado entusiástico. No final, a benção dos fieis. Primeiro, padre Uchoa, joelhos no chão, com o rebanho, recitava a oração invocativa do Onipotente, assim:
Deus e Senhor Nosso, protegei a nossa Igreja, dai-lhe santos pastores e dignos ministros.
Era magnífico.
Minhas estradas me levaram a outros mundos, Teresina, Fortaleza, Rio. Nunca mais revi João Adélia. As férias estudantis de fim de ano eu as gozava no velho Marruás, depois Porto. Antes tomou o nome de João Pessoa, uma comunidade de boas almas que possuíam banda de musica própria chefiada pelo maestro competente na musica e na cachaça, um dos povoadores de minha mocidade, o João Burundunga.
Só em 1947 eu teria um encontro com João Adélia na mesma dócil e afetiva Barras nos dias que não voltam mais.
A. Tito Filho, 23/05/1989, Jornal O Dia.
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