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domingo, 1 de agosto de 2010

JOÃO ADÉLIA (I)

Fevereiro do ano passado estive em Barras para as solenidades e as festas comemorativas do primeiro centenário de vinda ao mundo de velho e bondoso amigo de minha família, João Carvalho, como eu nascido em Barras, pedaço de terra piauiense de muitas bonanças. Houve lançamento de delicioso livro de estórias, de cenários e tipos barrenses, escrito por um dos filhos do homenageado. Episódio no clube recreativo, gente fina, discursos bonitos, coquetel, danças. Festa boa de reviver. Animação constante pela banda de música municipal. Procurei por João Adélia, o herói do contrabaixo de quantos peraltas tiveram infância na cidadezinha tranqüila, de gostosos peixes do rio Maratoan. Trouxeram-me o tocador, morenão, dentes alvos, magro, andava já em maré de magrém, doente, desanimado. Não bebia mais a boa pinga e estava separado do seu querido bombardão de tantas lembranças de tempos antigos, nos forrós poeirentos, nos bailes familiares do sobrado da Prefeitura, dos festejos religiosos, das solenidades cívicas, das recepções de gente importante nas visitas à cidade de povo humilde. Não era possível João Adélia sem o instrumentão de sopro. Corpo e alma os dois, inseparáveis. Carne e músculos. Irmãos siameses quase.

À mesa de honra, na festa, onde me encontrava, sentou-se o amigo desde os instantes de ouro da infância, ele já nos oitenta de idade. A imagem do bombardão do seu músico habilidoso fixou-se no meu subconsciente. Pelos anos adiante, nunca pude ver e ouvir contrabaixo que não enxergasse, com o instrumento metido pela cabeça e repousado no ombro largo, dedos direitos nas teclas provocantes das sonoridades mais altas e bem surdas, o João Adélia, olhos avermelhados de fogosa pinga, animando a minha infância.

Conversei muito com ele o ano passado. Dei-lhe boa ajudazinha. O negro velho andou perto de chorar. De mim, chorei muito com o coração, nas lembranças do menino ao lado de João Adélia, no rumo da igreja, a banda a alegrar as tardes da minha terra.

João Adélia morreu. Barras perdeu um pedaço das cousas boas do seu passado. Perdeu o musico que alegrou moças e rapazes mais de meio século. Barras ficou mais pobre. Foi-se o seu grande poeta do bombardão inimitável.


A. Tito Filho, 27/05/1989, Jornal O Dia.

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