Nas minhas andanças cívicas por Oeiras visitei palácios do arco-da-velha. Com os olhos imaginativos, vi os fantasmas de pessoas de outras luas, importantes na politica e na riqueza do gado, passeando as salas assoalhadas, encoletados, nos dias grandes. Apreciavam em vida a cheiração de rapé. Nas banqueteações, serviam-se dez e vinte pratos diferentes, e comedores se empanturravam de tal forma que a gordura escorria pelos cantos da boa. Os arrotos formidáveis davam ideia das gostosuras. Era bom. As mulheres nas horas festivas tiravam as roupas ricas do baú, punham calças, anáguas, combinações, e o vestido comprido, que só dava para ver os sapatos, subido até o pescoço. Braços cobertos. Não se viam peitos nem traseiros, e até o melhor da lua-de-mel se fazia de lamparina apagada.
As lembranças me vinham à mente como se eu tivesse participado da história social de Oeiras. As visitas anuais à velha capital me proporcionavam também a alegria de conhecer figuras de carne e osso, como Possidônio Queiroz, uma espécie de consultório sobre assuntos diversos ligados aos primórdios da velha e sonolenta vila da Mocha. Humilde, honesto, estudioso. Feio como o diabo, por fora, mas por dentro existe o homem íntegro, inteligência cultivada, irmão do próximo, da forma que Deus quer. Se tem defeitos, guarda-os, recusa-se a importunar com eles o semelhante. Orador equilibrado, cada peça que pronuncia corresponde a lição verdadeira ilustrativa da alheia ignorância. Mesmo que doutor na arte da escritura da língua portuguesa, que ele sabe apurar sem ser ranzinza. Quando mete, numa manhã domingueira, a fatiota de brim branco para um discurso, fica até bonito, numa elegância de londrino da melhor elite intelectual. Sujeito que eu admiro e estimo. Faz anos lhe dou notícias por carta e ele me retribui com respostas que me fazem muito bem, umas frases boas de conforto e amizade. Possidônio de Queiroz existe, alma, coração, cérebro da sua terra e dos seus irmãos. Com ele, Oeiras existe ainda mais na grandeza espiritual dos seus filhos queridos. Depois eu conto mais.
A. Tito Filho, 11/05/1989, Jornal O Dia.
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