Era comum naquela época que os piauienses andassem por muitos lugares, para estudos ou trabalho. Uma temporada aqui, outra acolá. As esposas davam à luz meninos de origem piauiense noutras localidades. Assim, pessoas nossas nasceram em paisagens brasileiras próximas ou distantes, como Ernesto Batista, no Recife, Robert de Carvalho, em Caxias, e Eurípedes de Aguiar, em Matões, estas duas últimas no Maranhão. Nasceria em Barra do Rio Grande, na Bahia, Salmon Lustosa, uma vez que corrente, onde viviam os pais, não possuía médico.
Dos citados, Eurípedes de Aguiar governou o Piauí, em período de vacas magras, de 1916 a 1920, depois de uma seca danada, que a história registrou, a de 15, de cujas misérias Rachel de Queiroz fez romance famoso e real. O objetivo do governante esteve no saneamento das finanças. E conseguiu. Passou a administração, sem nada dever, inclusive ao funcionalismo.
Foi Eurípedes prefeito e parlamentar federal, como deputado e senador. Médico, obteve prêmio de viagem à Europa. Com a vitoriosa revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao Palácio do Catete, em que, numa manhã sem graça, se matou de bala no peito, o piauiense do Maranhão deixou o tablado político e recolheu-se ao lar. Farmacêutico e doutor em Medicina, trabalhava nas duas profissões, sem querer paga dos serviços.
Conhecia-o de nome. Quando rebentou a liberdade de imprensa, em 1945, depois de violenta ditadura. Eurípedes assumiu postura de vanguarda na direção do movimento oposicionista ao Governo de Leônidas Melo. Mantinha coluna assinada no Jornal "O Piauí", que circulava nos dias de quinta-feira e domingo. Não aceitou candidatura a nenhum cargo eletivo, porque - explicava - seria eleito. Na verdade, as oposições elegeram os senadores, a maioria dos deputados federais e o brigadeiro Eduardo Gomes venceu para a Presidência da República, embora na soma geral dos votos nacionais a vitória coubesse ao general Dutra.
Eurípedes não esmoreceu. Com os companheiros, sustentou mais forte a luta. Tinha firme trincheira no jornal. Tornaram-se popularíssimos os seus comentários, numa linguagem ao alcance de todas as inteligências. Discípulo dos mestres franceses da ironia e do remoque, o articulista aplaudido conhecia a fraqueza interior dos adversários e os expunha ao riso coletivo, tanto os mitos fabricados pela propaganda estatal, como os nobres de fancaria. Pôs a nu sem injurias ou perversidade políticos fortes, valido das armas do sarcasmo e da galhofa - justamente aquele sal do espírito que eternizou o insuperável Rabelais.
Vindo do Rio de Janeiro, depois de cinco longos anos de saudade do amorável xodó de nome Teresina, conheci pessoalmente Eurípedes de Aguiar no dia de meu regresso, manhãzinha. Cheguei numa gaiola do Parnaíba, depois de longa viagem. Era 19 de janeiro de 1947, dia em que o povo comparecia nas urnas para eleger governador Rocha Furtado, da antiga e extinta UDN, mesmo dia em que o chefão corajoso e comandante da vitória estava de aniversário natalício. Andava ele aí por perto dos setenta janeiros. Da beira do Parnaíba caminhei até a casa da avenida Antonino Freire - e ali abracei o velho guerreiro - herói autentico do seu tempo, sempre de amplo sorriso na fisionomia tranqüila. Pois foi aí nesse prédio que guarda o espírito de um homem digno, sob os cuidados do amor filial de Genuzinha Aguiar Correia, que se deu o lançamento do livro "O Rio Mágico", de Renato Castelo Branco, nos últimos dias do falecido mês de novembro de 1987, Depois eu conto.
A. Tito Filho, 20-21/12/1987, Jornal O Dia.
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