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sábado, 16 de outubro de 2010

ABOLICIONISTAS

No Piauí, ilustres escritores e jornalistas participaram corajosamente da campanha pela libertação do elemento negro. Oradores inflamados e de extraordinária eloqüência, sob aplausos constantes de platéias numerosas, pregavam as idéias abolicionistas. Lembro nesta crônica alguns que se integraram na campanha cívica e que pertenceram, como patronos e titulares de cadeiras, aos quadros da Academia Piauiense de Letras, citando-se apenas os mais destacados de inteligência e projeção popular, como David Caldas, o talentoso jornalista, considerado profeta da República; Anísio de Abreu, fez versos primorosos na defesa dos pretos sofredores; o médico famoso, amigo dos pobres e dos humildes, Raimundo de Areia Leão, cujas poesias simples, de profundo lirismo, cantaram o sofrimento do homem da senzala; Joaquim Ribeiro Gonçalves, que no quarto ano de Direito, publicou o livro EMANCIPAÇÃO, com estas imprecações finais:

Maldito sejas tu, passado,
insano;
Maldita tu, oh!  Velha geração;
Tu que fizeste o cativeiro
humano,
Tu que fundiste o raio - a
escravidão!

Deolindo Mendes da Silva Moura realizou oratória tocada de beleza, cheia de metáforas e de invocações em favor dos negros.

Higino Cunha começou a participar do movimento na época em que, no Recife, freqüentava o segundo ano jurídico. Nas férias, foi companheiro de José do Patrocínio em viagem de propaganda abolicionista a Fortaleza. Conheceram-se no vapor em que ambos viajavam: o TIGRE vinha do Rio, Higino buscava o Piauí, mas demorou-se quinze dias na capital cearense, hospedado no mesmo hotel do famoso preto, filho de escrava.

O patrono da cadeira 1 da Academia Piauiense de Letras, JOSÉ MANUEL DE FREITAS, parece-me que foi o primeiro magistrado a recusar aplicação de castigos corporais aos escravos, como determinava o artigo 60 do Código Criminal do Império: "SE O RÉU FOR ESCRAVO E INCORRER EM PENA QUE NÃO SEJA A CAPITAL, OU DE GALÉS, SERÁ CONDENADO NA DE AÇOITES, E DEPOIS DE OS SOFRER, SERÁ ENTREGUE AO SEU SENHOR, QUE SE OBRIGARÁ A TRAZÊ-LO COM UM FERRO, PELO TEMPO E MANEIRA QUE O JUIZ DESIGNAR. O NÚMERO DE AÇOITES SERÁ FIXADO NA SETENÇA E O ESCRAVO NÃO PODERÁ LEVAR, POR DIA, MAIS DE CINQUENTA".

Inspirou-se esse piauiense de Jerumenha na lei de 28 de setembro, de 1871 que deu ao escravo personalidade jurídica. Não mandou aplicar chicotadas a um escravo criminoso, pois considerou bárbaro e revogado o mandamento legal.

Os ferrenhos inimigos do abolicionismo não gostaram da decisão do juiz, que o governo procurou castigar, removendo-o para os cafundós de Goiás. José Manuel de Freitas tomou-se de profunda mágoa, não resistiu à perseguição perversa e pouco depois falecia de comoção cerebral, no subúrbio de Caxangá da capital pernambucana.

Os belos sentimentos espirituais e humanitários de José Manuel de Freitas recusaram o cumprimento da pena degradante.


A. Tito Filho, 08/05/1988, Jornal O Dia.  

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