Teresina, ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1988, cento e trinta e seis anos de nascida, por mãos de José Antônio Saraiva, sob auspícios da bondosa imperatriz. A cidade está sendo homenageada, festejada, cantada em verso e elogiada em prosa. Uma centena de historiadores conta episódios, recorda coretos e pracinhas onde namoravam moças-donzelas. Nelas hoje habitam quase só DONZELOS. O baiano macho que CHANTOU a cidade na Chapada do Corisco, depois de derrubar a mataria de muitos bichos, está em todos os jornais. A seu lado trabalhava um português inteligente, o João Isidoro, mestre-de-obras de competência proclamada.
Ninguém recordou os tipos populares da antigamente gostosa comunidade, os doidos-mansos, que faziam rir a meninada travessa e os maduros e os velhos.
Noutros tempos, existiu MARTINIANA, de alcunha CAPITOA, negrona corpulenta, voz forte, sempre disposta. Nasceu na primeira capital do Piauí. Em Teresina exercia a função de quitandeira. Contam que tinha atividade viril. Gostava de furdunço e fazia voz de homem para mulheres invertidas. Andava de enorme chapéu de palha de carnaúba na cabeça. No rebuliço de enorme corpulência, caminhava nas ruas tocando pandeiro e recitando quadrilhas que ela mesma fabricava.
Pelo começo do século houve o BALAIEIRO, católico desses de irmandade: Criou o verbo CHUMAR, o mesmo que beber cachaça ou outro ingrediente de espírito. Gostava de sentar-se à porta de casa, tardezinha, a tocar viola desafinada. Tratava conhecidos e desconhecidos por MEU BEM e a todos pedia dinheiro para CHUMAR.
Outro foi Feliciano, o MAROMBA. Inteligente. Físico bonito. Rebentava rapadura na cabeça. Brincalhão. Zangado semelhava o capeta. Subia e descia rua com um caixãozinho de defunto debaixo do sovaco, em que, segundo afirmava, conduzia ANJO, menininho que morria bem cedo, sem pecado e sem batismo e tinha morada eterna num lugar chamado LIMBO.
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Relacionei os tipos populares que não conheci. Encontrei-os na crônica de jornais velhos. Quando me entendi nestes espaços de José Antônio Saraiva, a doidice mansa tinha outros representantes. Dondon era dono de jornal. Atacava gente graúda. Um dia os poderosos o puseram no hospício. Quando saiu, mais xingou os políticos e escreveu que passou dez dias no asilo, seis por conta do governo e quatro por sua conta. Vendia capim em lombo de jumento. Ensinou jegue a cumprir voz de comando: esquerda, direita e alto. Calçava alpargatas vistosas, oferecendo pelas vias públicas capim aos burros de Teresina. MARIA SAPATÃO deixou saudades. Nenhum parentesco tinha com o SAPATÃO de hoje em dia, pois assim chamada em virtude de usar sapatos enormes. Negra gorduchona, beiços imensos, dentes alvos, peitões caídos, barriguda e bunduda, enfeitava-se com um dilúvio de pulseiras ordinárias nos braços roliços, anéis nos dedos, até no polegar. Andando rua acima, rua abaixo, mostrava um toque de nobreza idiota. JAIME DOIDO tornou-se admirado porque rejeitava dinheiro. AVIÃO ainda não passou desta para pior morada. Põe caixa de papelão na cabeça e sai a enchê-la de quanta besteira apanha pelas calçadas. Imita velhos filmes de aviação: faz o ronco da aeronave e o acompanha de movimentos ondeados da mão direita espalmada. Imita o MOCINHO e mata os bandidos covardes. Perito em furtar peru no Natal.
Todos merecem homenagem de homens e mulheres, pesquisadores e historiadores, uns trezentos, neste aniversário da cidade que Saraiva idealizou e construiu. Homenagem dos presentes e dos pósteros. Davam espetáculo na via pública. De graça. Um deles prossegue nas representações. Atores mais talentosos do que os bons de juízo da Federativa República do Brasil.
A. Tito Filho, 16/08/1988, Jornal O Dia.
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