Quer ler este texto em PDF?

domingo, 24 de outubro de 2010

CIDADES

Érico Veríssimo gostava das cidades que ele não conhecia, porque elas lhe revelavam novidades. Mestre Silva Melo passeou o mundo todo. Em Las Vegas, cidade norte-americana do jogo e do pecado, esse médico ilustre disse que o povo dormia durante o dia e passava a noite acordado.

Quando esse colega estudioso e sabedor das cousas do universo oeirense e de outros recantos do mundo, chamado Dagoberto Ferreira de Carvalho Júnior, publicou o delicioso PASSEIO A OEIRAS, escrevi que as cidades têm alma, jeito próprio de ser e de parecer. Nunca são iguais, cada qual com os seus encantos e as suas fealdades. Paris, Nova Iorque, Xangai, Londres, Moscou, imensas aglomerações humanas, possuem marcas e traços especiais que as definem. O Rio de Janeiro, que conheci um amor de gente, de mulatas as mais dengosas do mundo, certinhas, pescoços, bons de cheiro, continua uma paisagem encantadora. Existem cidades mortas, monótonas, ociosas, convidativas, hospitaleiras, feias e bonitas. Ouro Preto, em Minas, relembra os idílios platônicos de Marilia e Dirceu. Oeiras, no Piauí cheira a passado. Relíquia de civismo. Recolhe a memória dos amores madrugadinos do seu maior fazedor de menino, o patriota e lutador Manuel de Sousa Martins, tangedor e dono de gado, de vastos cabedais, experiência e sabedoria. Há cidades artificiais, como Belo Horizonte, Goiânia, Brasília e o xodó de nome Teresina, que José Antônio Saraiva mandou edificar no meio da mata de um pedaço do Piauí. Teresina foi cidade-poema, gostosa de pracinhas inesquecíveis, garotas que sabiam como ninguém o maravilhoso namoro dos olhos. Agora anda meio violenta, mas conserva alguma cousa de um passado bonito como quê.

Algumas aglomerações humanas são fumegantes, a exemplo de São Paulo, poluída, matando as pessoas nas ruas por falta de respiração adequada.

De mim gosto das cidadezinhas de interior, amoráveis, donde o afeto ainda não fugiu, apesar da deseducada televisão. Nunca me esqueço de Nossa Senhora dos Remédios, de duas ou três ruas, gente pacata, animadas festas de igreja. Nela, por perto, existem riachos de águas transparentes, convocando ao banho bem gostoso. Ainda contam os pássaros nas árvores e a gente come beijus de sabor inigualável e bolos fritos que o paladar não esquece. Antigamente se chamava Peixe e aí situava a fazendola de meu pai, com  os cercados, e de madrugadinha se tirava e bebia o leite morno das vacas pacientes.

Toda cidade tem características próprias. Não se encontra uma igualzinha a outra. As cidades por assim dizer têm alma, uma alma definida, que as identificam. As vezes elas têm a alma da gente, quando nelas vivemos parte de cada uma das nossas vidas, da forma que se verificou comigo: infância no querido Peixe, adolescência em Porto, mocidade nesta querida Teresina, benquerença do coração.


A. Tito Filho, 10/07/1988, Jornal O Dia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário