Faz mais de vinte anos escrevi umas palavrinhas introdutórias ao livro "O Piauí no futebol", desse querido Carlos Said, papa da crônica futebolística nesta terra por onde talvez tenha andado o paulista Domingos Jorge Velho. Naquele escrito eu disse que do jogo conhecia o nome inglês e os embates no pequeno campo chamado "Lindolfo Monteiro". Ignorava normas e métodos orientadores de posições e jogadas desse esporte das multidões apaixonadas. Mas nunca o desamei, nem alheava às emoções dos campeonatos mundiais, como aquele de 1938, transmitido pelas amplificadoras comerciais de nossa praça Rio Branco.
Sempre percebi o entusiasmo do futebol na alma popular, o delírio coletivo nos embates vibrantes, contagiando torcidas enlouquecidas e urradoras. Nada havia mais ruidoso e trepidante do que um futebol brasileiro, jogado no Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Teresina, nas cidadezinhas mortas do interior ou nas ruas de propriedade da meninada travessa.
Futebol supunha foguetório, briga, murros, pauladas, tiros e morte. Érico Veríssimo chegou a escrever que o nosso futebol valia fúria, uma revolução, uma explosão, uma válvula de escape para a violência reprimida, assim como uma atitude bovárica irreversível, um protesto de angústia, uma fuga da realidade, uma forma de evasão: "Quem observa de longe... a multidão a gritar, a dançar, no meio da explosão dos foguetes, tem uma impressão de alegria. Mas não nos devemos iludir. Se a floresta é alegre as árvores são tristes".
Ora se me lembro e quanto. Ditadura no auge das benemerências e dos triunfos bestas. Construíra-se a ponte Rio-Niterói, um dos assombros universais, unindo duas cidades terríveis de problemas populares. Médici, ditador-mor, criou o milagre: tricampeões do mundo os tupiniquins. Arrotava-se orgulho. Por toda parte, o slogan cretino: "Brasil, ame-o ou deixe-o".
Houve a febre dos estádios. Estádios em toda e qualquer biboca chamada Pau Fincado ou Pindura Saia. Até em Demerval Lobão , suburbiozinho de Teresina, edificaram um campo gramado para os futuros craques internacionais.
Pelo começo da década de 1970 a doença nacional era o estádio, os gigantes maravilhosos. Andei de passo errado, pregando no deserto. Teresina não podia dar-se o luxo de rapariga bonitona em farra com português cheio de ervas. Mas fez-se o estádio. Sessenta mil pessoas. E aí está, ainda hoje, 1988, sem platéias ululantes ou mudas, o famoso elefante-branco, às moscas, vazio, substituído quase toda semana pelo inesquecível campozinho do Lindolfo Monteiro.
Eu tinha razão.
A. Tito Filho, 22/04/1988, Jornal O Dia
Nenhum comentário:
Postar um comentário