Sobre o livro NA BOCA DO VULCÃO, de Nelson Nunes, recebi do escritor João Aragão, expressivo e notável nome da literatura fluminense, o seguinte comentário:
Bem, os artistas são mesmo uns seres estranhamente inquietos, acoçados pela necessidade orgânica de inovar, não deixando pedra sobre pedra no afã de imprimirem formas modernas, nova roupagem a seu juízo estético, seu conceito de BELO. Miró versos Rambrandt.
E assim talhou sua obra o poeta Nelson Nunes. Equilibrou seu pensamento pujante na crista da "new wave", deixando pra lá, por supérfluas, pontuação e forma externa do verso.
Não sei se Manuel Bandeira ilustre modernista pernambucano do Recife, desejava execrar também a memória de Castro Alves, ou pisotear apenas os virtuosos do ritmo e melodia das palavras, Alberto de Oliveira e Bilac, quando assestou suas verrinosas baterias na direção dos parnasianos:
"o sapo-tanoeiro,
parnasiano aguado,
Diz meu cancioneiro
é bem martelado"
Ou, em POÉTICA:
"estou farto do lirismo comportado,
abaixo os puristas,
todas as construções, sobretudo as sintaxes
de exceção"...
Se o pretendeu, aprece-me ter-se mostrado um tanto radical, não perdoando aos outros mortais a audácia de manifestar suas estruturações estéticas. O que, todavia, não torna lícito a ninguém cair em vindita, criticando com ortodoxia métrica e estética destes belos versos, apontando neles como que uma perna curta e outra longa. Bêbado caminhando ao longo do meio fio, um pé em cima outro em baixo:
"A ausência é um estar em mim.
Sinto-a, branca, tão pegada aconchegada nos meus braços".
(São versos de Carlos Drummond de Andrade, poema "Ausência", livro CORPO).
Ora, falávamos de Nelson Nunes, poeta de excelente potencial, largos recursos, ligado à vida, às coisas que nos cercam; e falando de "O poema e a máquina", quase definiu a impossibilidade real de um artista julgar a outro artista:
"Um homem mais outro homem
não fazem um destino
Serão sempre um homem e outro homem
a correrem como dois rios paralelos".
Porque dos homens, um é tuberculoso inválido, o outro é atleta olímpico. Um favelado, outro é doleiro, ou deputado federal. Um eunuco, outro garanhão e um le gibi e outro Mallarmé. Não há o que nivele seus gestos literários.
Nelson Nunes, todavia, modismos à parte, sabe bem como nascem os belos poemas (e outras coisas também...):
"A língua quente entre os dentes
o rabo lúbrico entre as pernas
de repente
como a um cigarro
entre os dedos trêmulos
acende-se o poema".
Já nos dera cartão de visita, na "Abertura":
"Não há muro tão consistente
que não possam atravessá-lo
a água o musgo o poema".
A. Tito Filho, 29/09/1988, Jornal O Dia
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