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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

FALA

Um sertanejo andou em Parnaíba, no Piauí, e de lá por um positivo conhecido, mandou carta à mãe, socada nesse mundão do interior. Disse assim: "Mamãe. Parnaíba é uma cidade monarca de grande. De menhãzinha se arvoroça tanta gente na beira do rio, qui parece furmiga, arredó de lagartixa morta e quase tudo é trabaiado caçando ganho. O mercado é outro despostismo: se arreúne mais povo do qui na disubriga, quando o padre diz missa na capela dos Morro da dona Chiquinha. Tudo se vende e de tudo se faz dinhêro. Fiquei besta de ispiá gente comprando maxixe, quiabo, limão azedo, fôia de juão-gome e inté taiada de jirimun. O passadio daqui é bom. Todo dia eu como pão da cidade com mantêga do reino. Mamãe, as coisas aqui são muito diferente e adversa daí... As casas são apregadas umas nas outra qui nem casa de marimbondo de parede e é quase tudo de têia e forrada de tauba pur riba qui nem gaiola de xexéu e qui chama sobrada. Gente rica aqui é em demasia. Inda onte numa loja eu vi uma ruma de dinhêro de cobre no chão qui paricia juá, quando se ajunta mode dá pra bode no chiquêro. Mamãe, a igreja faz inté sobroço de grande e arta. Cabe dentro dela todos os morador de Barra das Laje, do Bom Princípe, da Fazenda Nova e inda se adiquere lugá pra mais de cem vivente. O povo daqui tem um sestro muito engraçado. Não diz Ô DE CASA, não. Quando chega nas casa alêia bate parma, cuma quem istuma cachorro acuá tatu no buraco..."

Por toda parte, entretanto, a língua portuguesa no Brasil sofre a ação modificadora inconsciente do povo inculto. A carta acima transcrita está em livro de Xavier Marques. Em São Paulo a linguagem caipira foi registrada por Valdomiro Silveira muito significativamente. Cornélio Pires não esqueceu Minas Gerais: "Era tempo de fruita. As jabuticava do mato tavam pintano e derreteno de doce qui nem açucre. Nesse tempo as veiêra tão cheio de mé, qui é uma gostosura sem conta". Leonardo Mota reproduz conversa entre matutos cearenses: "tem chuvido lá pros seus lado, cumpade Simplicio? Coisinha. Na sumana passada caiu uma liblina pra cumpade Bastião, librina qui saiu surrupiando pru riba do cordão da serra e quando chegou na morada de Nastaço já os córgo ia na carrêra..."

Os dialetos portugueses de ultramar também padecem modificações na voz popular. Assim na Índia, no Ceilão, em Cabo Verde. Numa comédia de Gil Vicente figura um negro da terra de Beni que fala mais ou menos como os nossos pais-de-terrero.

Várias são as causas dessas transformações: a falta de contatos culturais de pequenas comunidades, a preguiça que estropia e corrompe a inconsciente obediência ao princípio do menor esforço.

Muitos homens cultos se têm dedicado ao estudo destes fatos da linguagem humana.


A. Tito Filho, 25/06/1988, Jornal O Dia

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