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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

OUTRO HERMÍNIO

Houve outro Hermínio Castelo Branco na literatura piauiense, o de Lira Sertaneja. O outro Hermínio se chama Conde - Hermínio de Morais Brito Conde, médico, de célebre e humana luta contra o tracoma, nascido nas bandas piauienses de Piracuruca, ano de 1905. Curou milhares de tracomatosos. Exerceu elevadas funções relacionadas com a profissão. Não esqueceu as letras e investigou temas históricos, publicando estudo cívico intitulado "Cochrane, Falso Libertador do Nordeste".

O consagrado cientista adquiriu, porém, justo conceito nos domínios literários com o seu "A Tragédia Ocular de Machado de Assis", obras de períodos harmoniosos e elegantes, como, via de regra, escrevem os médicos brasileiros. Houvesse espaço devoluto, apreciaria aqui as sutilezas do estilo de Hermínio, que tanto soube dar às suas produções uma língua viva, exata e sobretudo correta.

A quantos visitam a Machado de Assis na velhice do escritor, ao tempo em vivia na aprazível morada de Cosme Velho, no Rio, não passou despercebido o sério incômodo de olhos do criador de "Dom Casmurro". Desta forma o observou José Veríssimo: "Encontrei-o repousado a meio num divã, com os olhos visivelmente inflamados, defendidos da pouca luz do aposento por óculos escuros".

Hermínio serve-se dos olhos de Machado de Assis para dissertar profundamente a respeito de um tema de medicina social, difundindo princípios que proporcionam, até aos leigos, verdadeira consciência ocular. Revelou ele no grande romancista carioca, inicialmente, os olhos normais da infância, e passou, ao depois, à demonstração do abuso ocular do escritor na adolescência, a miopia na idade madura, a neurastenia nos tempos de velhice.

Consentiu o cientista em que a neurastenia de Machado aparece após o cansaço mental e as preocupações morais e financeiras, mas não esconde que o imoderado trabalho visual foi o responsável mais forte pelas crises de neurastenia ocular do famoso criador de Capitu. As suas torturas físicas e morais advieram em grande parte de um defeito visual não corrigido.

Tenho para mim que Hermínio tomou o exemplo do sofrimento machadiano para difundir, ajudado da expressão fácil, que era uma das suas forças literárias, princípios de higiene ocular e visual. Homem de ciência, filantropo, estudioso, consciente da verdade médica, Hermínio, apoiado na autoridade que lhe deu fama em congressos internacionais, sustentou que a higiene dos olhos é fator de economia social e de cultura. E foi além, difundiu ensinamentos rigorosos para a prevenção da cegueira, contra a qual lutou, toda a vida, clamando pela educação do homem na consciência ocular, a fim de que os olhos não fossem fonte de torturas físicas e morais, como em Machada de Assis.

Escritor e cientista, Hermínio pôs a serviço da medicina dons de inteligência a bondade. Nunca arrefeceu da sua luta pela saúde dos olhos.

Revelou-se um educador de pensamento, trabalhador da expressão singela, servidor da medicina social, de que se tornou profissional a sacerdote para promover a felicidade de seus semelhantes.

Os piauienses, raros, conhecem a grandeza de Hermínio Conde, falecido no Rio em 1964.


A. Tito Filho, 24/03/1988, Jornal O Dia

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