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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

LINGUAGEM

A linguagem humana tem sido objeto de acurados estudos, na sua origem, como nos diversos aspectos que ela assume e que se originam de causas diversas. O calão do submundo social, o capiau dos homens dos pequenos núcleos populacionais, a gíria criada pela sabedoria popular, a linguagem emotiva, as linguagens particulares dos grupos profissionais - eis alguns tipos vigorantes em todas as coletividades, cada um deles com características curiosas.

A falsa audição torna-se responsável por deturpações constantes no processo comunicativo de idéias e noticias. A pessoa, pouco familiarizada quanto ao vocabulário de sua língua, arremeda como pensa o que ouviu de alheia boca.

Existe um cântico católico de expressiva beleza, entoado nas igrejas, e um dos seus versos foi assim concebido: "Levantai, soldados de Cristo, o pendão de Jesus redentor". Pois bem. A velhinha de raras letras, desconhecida de palavras de cunho literário, a exemplo de PENDÃO e REDENTOR, repete como determina a inteligência que ela tem dos fatos: "Levantai, soldados de Cristo, o CORDÃO de Jesus REBENTÔ".

A Nossa heroína, ouvindo mal palavras de cunho literário, relaciona equivocamente as impressões sugeridas pelos versos, e, compadecida de Cristo, porque se lhe partiu o amarramento das calças pretende que estas sejam sungadas pelos militares.

A novela MANDALA, contraditória e rica de episódios irracionais, apresenta, porém, ponto alto na figura do bicheiro Carrado, meio ignorante, que rouba dos outros artistas, homens e mulheres, o papel principal. O homem reproduz mal o vocabulário que ouve e dele saem CORREÇÃO PLANETÁRIA, PSICANALISTA e outras mancadas. Certamente na observação do drama angustioso das enchentes do Rio de Janeiro, o que lhe aumentou a confusão, Carrado provoca risos quando solta o seu notável DEPOIS DA TEMPESTADE VEM A AMBULÂNCIA.

No soçaite ocorrem constantes mancadas de respeitáveis e elegantes dondocas de pouca ilustração. Lá um dia estacionei meu chevrolata para gasolina no posto das proximidades da igreja São Benedito. Na área maior, por trás das bombas de combustíveis, desceu de carrão supimpa espetacular rabo-de-saia, bem vestida, cara bonita, torneada a contento, mulher de algum marajá, ou ela mesma ricaça proprietária de butique ou secretária de marajá, uma MARANI de sete costados. Num linguajar de sotaque tipo clube de chá, disse ao morenão atentador da freguesia:

- Moço, me EQUILIBRE AQUI OS PNEUS.

E o caboclo, muito ancho, com um jeito safado de dar lição a quem não pede:

- Senhora QUER É CALIBRÁ, não é, madame?


A. Tito Filho, 23/03/1988, Jornal O Dia 

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