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quarta-feira, 1 de setembro de 2010

INTERPRETAÇÃO

A partir de 1930, o Piauí, com os demais estados federativos, ingressou, até 1947, na era dos interventores federais, de modo geral escolhidos nas fileiras das Forças Armadas. Até músicas carnavalescas cantaram esses representantes do governo central, cujo chefe provisório se chamou Getúlio Vargas. Houve, entre as interventorias, ligeiro intervalo, de 1935 a 1937, quando se implantou a violenta ditadura getuliana.

Ainda não se escreveu a história do Piauí no período referido, senão em artigos jornalísticos ou de revistas e ainda em cronologias registradoras de fatos políticos, administrativos e sociais, se analise de cousas e consequências, salvo raríssimas exceções.

Quantos movimentos rebeldes depois da fase imperial? Vários, desde os tempos de Deodoro da Fonseca até o regime militar de 1964, de longa duração.

Seria exaustivo relacionar as lutas que se tem verificado no Brasil, desde a fase colonial até os dias atuais, cada qual apoiado sobre causas, que os historiadores, no passado como no presente, procuraram pesquisar e interpretar. A grande Revolução Industrial do principio do século XIX provocou profundas transformações na sociedade dos homens. A máquina tornou-se responsável pela desorganização da família, baseou a riqueza das nações no combustível, comercializou o afeto e derribou estruturas seculares, transformações que chegaram ao Brasil lentamente, em virtude da economia nacional como base exclusiva na agropecuária.

A abolição da escravatura promanou da civilização industrial. Da instituição da República até hoje, o país vive instavelmente, com a queda de homens do poder, substituídos por outros de interesses idênticos, como o domínio das elites políticas e de clãs familiares. Não houve revoluções no Brasil, uma vez que persistem os desequilíbrios sociais, a fome, a miséria. Quantas falsas revoluções nacionais. Apenas rebeldias militares, como as de 1922, 1924, 1930, 1937, 1945, 1964, sem que se procurasse anular a angustia do homem, ainda agora inconsciente de deveres e direitos.

Ainda não se escreveu a história do coronelismo e das oligarquias no Piauí, a história dos donos da gadaria e dos latifundiários da monocultura, dos chefes políticos fazedores de governos e de representações nas casas legislativas, proprietários dos cargos públicos e das benesses oficiais.

Na presente obra oportuna e valiosa, fixam-se de memória fatos e se procura analisá-los com justeza e seriedade, sobremaneira nos aspectos políticos e sociológicos. A interpretação torna-se fiel ao mesmo tempo sério documento histórico de lutas partidárias para manutenção do poder pessoal e oligárquico.

Professor, educador e político, estudioso de assuntos sociais, Raimundo Wall Ferraz analisa governos a partir de 1931, interventoria Landri Sales, que procurou destronar as oligarquias no Estado - e conseguiu. Em seguida, lembra o restabelecimento do poder oligárquico promovido por Leônidas Melo, em cuja administração se praticavam violências contra magistrados e se promoveram incêndios criminosos. Recorda os spolls system do governo Rocha Furtado, de perseguição incontroláveis contra adversários políticos, desorganizando a administração pública - e novamente as oligarquias vitoriosas aos governos Pedro Freitas Gayoso e Almendra. E prossegue com Chagas Rodrigues, progressista e lutador. Faz os retratos políticos de Petrônio Portela, Helvídio Nunes, Clímaco d'Almeida, Alberto Silva, Dirceu Arcoverde e anota-lhes as vitórias administrativas.

Coube-me a tarefa agradável de escrever estas linhas sobre o livro de Wall Ferraz, ex-vereador e ex-vice prefeito de Teresina, e prefeito da capital piauiense duas vezes. Político de irrecusável prestígio, não me compete realçar-lhe ou negar-lhe qualidades administrativas. Seria injusto, porém, esconder a notável reforma educacional do primeiro governo Alberto Silva, trabalho do autor como secretário da Educação, mas cujo nome ele não cita por imposição de modéstia e virtude pessoal.

Inteligência cultivada, Raimundo Wall Ferraz não demonstra nas páginas do livro odiosidades ou malquerenças. Leciona trechos da história do Piauí com a verdade. Testemunhou fatos e os interpretou em toda a plenitude. Conciso e preciso. Despreza pormenores enjoativos. Estilo simples. Linguagem asseada. Livro honesto, com a fixação dos caracteres humanos que participaram de longo período das lutas piauienses - cenário de paixões, de personalismos, de prestígio de clãs, com honrosas e raras exceções.


A. Tito Filho, 01-2/05/1992, Jornal O Dia. 

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