Esta é a primeira de uma longa série de reportagens, que iniciamos hoje, para denunciar à Nação e as autoridades da IIIª Republica Democrática do Brasil, instituída aos albores de 29 de outubro de 1945, trama sinistra de que se valem aventureiros despudorados, para sugar do aflito povo piauiense, o último centavo, e última gota de sangue de suas parcas economias, nesta hora sem precedentes na história social, economica e política do Piauí.
Campeia, livremente, nas ruas da Capital piauiense, o jogo de azar, num acinte à Nação inteira e às leis que nos governam, como que desafiando as autoridades e induzindo-nos a acreditar que, por traz dos bastidores políticos, há pressões interessadas e convivêntes na sua continuação criminosa.
Dentre os maiores cancros sociais que já nos afligem, como o da prostituição desenfreada; do alcoolismo, sem repressão; da mentalidade sem auxilio pratico e resoluto do Governo; da infancia abandonada e delinquente; o jogo se enfileira e se sobrepõe a qualquer outro, porque, como disse Rui Barbosa, solapa instituições, degrada consciencias e é um caminho aberto para o crime.
Quando em uma nação ou estado, os seus indivíduos procuram no vicio do jogo um motivo para a sua degradação moral, o que existe de mais puro entre êles estará perdido, e, cêdo, desmoronará a estrutura básica da sociedade que os formou. Êste é o conceito em que é tido o cancro social, que hoje, infelizmente, chega á nossas plagas, trazidos pelos vendaveis que já açoitam outros Estados irmãos.
NO COVIL DO JOGO
Terça-feira última esteve nossa reportagem em contacto com o povo das ruas de nossa Capital, auscultando os seus sofrimentos, lendo nas suas faces os dissabores por que tem passado durante o crepitar da fogueira política, que, agora, já amortecida, deixa prevê, claramente, que as suas chamas ainda não partiram da estaca zero.
A cada passo tínhamos a impressão de que a fome e a miséria invadiram tudo e atingira a todos. Uma legião de famintos pedia esmolas ás portas dos estabelecimentos comerciais. Mendigos, por toda parte: nos bares, nas praças, na vida pública. uma onda de dessassossêgo a inquietação pareceu nos invadir a cidade.
O teresinense, outrora alegre e sobranceiro, hoje, já não sabe rir. Acostumou-se a esperar pelo dia de amanhã, do amanhã melhor que não vem ...
Descobrimos, em grupo, várias pêssoas nas proximidades da “Botica do Povo”, a entrar e sair, diversas casas suspeitas, pequenos botequins onde se vendem bebidas à farta, verdadeiras espeluncas de degradação moral, ajuntamentos constantes de meretrizes e cambistas da pior espécie.
Ali se joga, bebe-se e arranjam-se mulheres. E, parece incrível que se afirme – a dez pessoas da Praça Rio Branco no coração da cidade.
O nosso objetivo era atingir o covil do jogo. Ve-lo de perto. Sentir as sensações que ele nos oferece para podermos pintar o quadro real para os nossos leitores.
Dez ou mais cambistas alí estavam localizados. De momento a momento, as poules eram arrancadas dos talões e os centavos e os cruzeiros dos incautos caiam em seus bolsos como o maná do Céu no Sermão da Montanha. Mas, não era ali o Quartel General do jogo do bicho. Não seriam, tambem, o “Bar Carvalho” e o “Restaurante Cairú”, os pontos de reuniões dos transgressores da lei! Precisávamos chegar ao nosso destino e bem informados prosseguimos na nossa marcha e atravessamos a artéria vital do Piauí – o Rio Parnaíba, em demanda da pequenina cidade de Timon, ex-Fiores, onde os pantagruelicos insaciáveis banqueiros dirigem a maquina infernal que consome o dinheiro do povo teresinense e ordenam a miséria e a orfandade de centenas e milheres de famílias nos dois Estados.
Timon, ás 17,30 horas oferece um aspecto diferente. Habitualmente calma, a cidadezinha maranhense fronteiriça á nossa Capital toma banho no nosso velho Parnaíba, muda de roupa e de cara ...
Homens, mulheres e crianças, desconhecidas na cidade, caminham a passos rápidos. Na grande avenida que nos conduz ás proximidades da Igreja Matriz, ali, está localizado
O QUARTEL GENERAL DO JOGO
Pessoas bem informadas nos disseram que Manoel Cabeleira dirige em pessoa, a maquina infernal de fazer dinheiro a seu bel prazer.
De quarenta a cincoenta individuos trabalham na Casa Maldita, como empregados.
Três tesoureiros recolhem o suor e as lagrimas do povo de Teresina. Caixões de querozene, debaixo das gavetas do recolhimento, estão abarrotados de moedas divisionárias. 140 cambistas, aproximadamente, estão chegando para prestarem contas das suas falcatruas contra o povo, são indivíduos já conhecidos da nossa Policia Civil e fichados em nosso Gabinete de Identificação Criminal.
É uma verdadeira legião de criminosos que se aproximam para render graças aos seus patrões. Ali existem todos os jogos. Desde a roleta proibida, aos das apostas nos dados. O quadro é tétrico. As urnas se movimentam. Faltam poucos minutos para correr a sorte. A multidão se comprime e se avoluma. Um grita daqui:
- “Cr$ 0,20 na milhar 3151 e cinco cruzeiros no galo”.
Outro, acolá, blasfema. Uma mulher procura refúgio entre as casa e pergunta pelo palpite, a outro jogador:
- “Qual será, ein, ‘seu’ moço, o bicho de hoje?
- “Cavalo, na 43!”
Naquela tempestade de ilusões, entre um pavoreu sedento por encontrar a felicidade entre quatro números, o Repórter vai abrindo alas, para mais perto ver e ouvir. Ouviu e viu com seus olhos que o povo está sendo miseravelmente roubado por forasteiros desconhecidos, importados da capital maranhense. Viu e ouviu bem o que aquelas urnas representam de mal para os nossos costumes e para as nossas vidas.
Viu, finalmente, que as autoridades policiais do Piauí não estão dando ouvidos aos clamores de uma população sobressaltada, que espera em cada esquina de sua Capital a morte e a deshonra, isto, porque, o jogo na sua fúria está encaminhando milhares e milhares de individuos a cometerem desatinos, a roubar e a matar, saciando o vicio maldito.
A COMPLACÊNCIA DA POLÍCIA
Não se pode afirmar, com segurança, que a nossa desorganizada Policia Civil esteja agindo em conivência com os transgressores da lei federal, que proíbe, terminantemente, a pratica de jogos de azar, classificando, entre eles, o do bicho. Mas, pelo menos, a sua complacência criminosa, deixando que se pratique, em escala aberrante, como a que aí está, constitui um atentado passado à incapacidade repressora da nossa incipiente maquina policial.
A Delegacia de Transito e Costumes está afeta a ação punitiva dos jogos de azar. Se já tomou providências e localizou os pontos de apoio dos cambistas não sabe, talvez, ou talvez não queira saber, que até policiais, investigadores, guardas civis e comissários, são cambistas, sócios de banqueiros e vivem a receber propinas para não “aborrecerem” o Quartel General.
ATENTADO AS LEIS FEDERAIS
Isto constitui, não há dúvida, um atentado e uma desmoralização às leis federais. No Piauí, o jogo é franco. Só não jogam os que habitam o cemitério “S. José”, e, assim mesmo, quem sabe se nas caladas da noite ...
A IGREJA VAI DIRIGIR FORTE CAMPANHA
Segundo colheu a nossa reportagem em fontes dignas de crédito, a Igreja Católica de Teresina vai iniciar forte campanha contra o jogo, do púlpito, apelando para as autoridades e concitando os homens de bem de nosso Estado a cerrarem as fileiras na batalha contra o terrível cancro social.
Autor: PERTINAX, Jornal A Resitência, 07/08/1949