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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

JÂNIO

Inexperiente, andei votando nuns nomes que a publicidade endeusava para presidente da República. Votei no Brigadeiro Eduardo Gomes, para quem Prado Kelly escrevia a discurseira de homem puro. Foi derrotado. Puseram Dutra no Catete, general cercado de genros e filhos de criação. Dutra gastou as divisas nas estranjas comprando porcaria de matéria plástica aos gringos. Amedrontado do barulho da banda de música da UDN, o general fez acordo político com Otávio Mangabeira, baiano esperto, e outros tocadores de instrumentos como bombo e bombardão. Em seguida pus meu voto no Getúlio. Um novo Getúlio Vargas, sério, nacionalista, criador da PETROBRÁS que o ditador Geisel, anos depois, sem lei e sem decreto, espatifou nos contratos de riscos. Um país pândego. Pois bem. Formou-se uma onda de impiedade contra um dos raros estadistas deste país e Getúlio, levado a cruel desespero, meteu uma bala no peito numa tristíssima manhã de agosto, no quartinho desconfortável do palácio presidencial, o Catete. Novamente fui convocado ao voto. Três candidatos, nem me lembrou, um deles o Juscelino, em quem votei. Tinha mania de grandeza, num país de cegos, aleijados, famintos, desgraçados. Quando prefeito de Belo Horizonte, fez a Pampulha, cousa de rico, enfeitada de lago artificial, com cassino e outras dissipações. Por perto o povo pedia esmola. Na presidência, chamou os sábios das escrituras e mandou que se projetasse uma nova capital para o Brasil, no cerradão bruto do planalto central. Todos os dinheiros deste país se destinavam ao sorvedouro nacional. Derribou-se a mata raquítica, torta, que nem passarinho queria. Os animais de caça fugiram para as matas distantes. Construiu-se a monstruosidade. Cimento armado. Um dia Vitorino Correia andava atrás de emprego melhor que o de general reformado. Correu a Juscelino, que lhe ofereceu a presidência nacional do IPASE, contando que toda a arrecadação se metesse na buraqueira de Brasília. O general desistiu, era homem sério com os dinheiros alheios. Sucedeu mais uma eleição presidencial. Votei em Jânio, cabra bom, brasileiro. Nele sobrava o principio da autoridade. Governou uns sete meses. Mandou que os políticos trabalhassem no Congresso - e assim se engavetaram os projetos necessários ao governo. Revogou os subsídios oficiais à gasolina, pagamento que o Brasil fazia em beneficio da bolsa dos ricaços, pois pobre mal pedala bicicleta. A malandragem da jogatina de futebol e da corrida de éguas e cavalos só sábado e domingo. Aboliu a perversidade da briga de galo. Proibiu a sem-vergonhice do biquíni. Botou funcionário público no trabalho. Caloteiro passou a pagar imposto. Jânio deixou a presidência com altivez e dignidade. Quis dar um golpe. Não pôde, infelizmente.

Muito anos depois, eleito, voltou à Prefeitura de São Paulo. Ninguém lhe conhece a obra monumental que vem realizando, pois não compra nem paga publicidade. Vou, porém, transcrever, amanhã, a insuspeita opinião de "Jornal do Brasil".

De mim, sou janista de quantos costados eu possua.


A. Tito Filho, 26/04/1988, Jornal O Dia 

domingo, 27 de fevereiro de 2011

FEMINISMO

Macho provém das alterações fonéticas sofridas pelo latim MASCULU. De macho se fez MACHISMO, qualidade ou modos de macho, o mesmo que macheza, dominação do homem sobre a mulher. Do latim FEMINA, em português fêmea, deriva FEMINISMO, que se define como a luta pela ampliação dos direitos civis e políticos do antigo sexo frágil ou equiparação, dos seus direitos aos do homem, - vitórias que elas já conseguiram, abolindo-se quaisquer diferenças entre os dois sexos, salvo o apêndice de alguns centímetros abaixo do umbigo, o gogó, uma costela a menos, circunstâncias privativas dos adões, e as regras que são prerrogativas dos rabos-de-saia. Sim, quase esqueço da pensão que o pobre desgraçado tem que desembolsar, quando o casório se desmancha.

A liberdade se faz total nos dois tipos. Ambos, moço e moça, saem sós e voltam de madrugada. Amam-se em qualquer lugar até nos motéis. Ninguém pede mais a mão da garota, que já não namora como antigamente debaixo da vigilância da tia velha ou da vovó, ou do irmãozinho chato que só deixava o casal quando o sujeito lhe dava a moeda para o sorvete na esquina.

Acabou-se a supremacia do gênero masculino. Ensinou-se durante anos seguidos que o masculino tinha supremacia sobre o feminino. Dizia-se: o brasileiro é obrigado a ter vergonha - e o brasileiro aí envolvia os dois tipos. Sarney mesmo liquidou o mandamento e reconheceu o feminino com direito ao primeiro lugar, usando sempre o vocativo BRASILEIRAS E BRASILEIROS.

Nos dias que correm o chefe do casal está representado pela mulher. Retornou-se ao matriarcado. Jamais se viu a supracitada com tanto prestígio e forma de mandar. As donas se metem em todos os assuntos, inclusive naqueles para os quais não são chamadas. Discutem besteiras colossais. Lêem mediocridades. Fumam. Consomem muito álcool, chegam a grandes pileques. Foi-se a virgindade - e raríssimas mantêm o fogo sagrado.

Se machismo era o poder do mando incontestável por parte do gajo, feminismo deve tomar outra significação, justamente a de domínio completo do varão pela mulher, machona de corpo e alma, - médica, advogada, prefeita, deputada, senadora, jornalista, policial, romancista, motorista de ônibus, assaltante, maconheira. Em nenhum tipo de emprego o elemento feminino padece qualquer modalidade de discriminação, salvo, como é obvio, com relação às incompetentes feias. Bonitonas, ninguém as recusa, não precisam de concurso ou pistolão. Diz-se que existe atitude discriminatória com a gente de cor, o que não corresponde à verdade, exceto quando a mulata não possui nenhuma competência no corpo. E as diabinhas têm armas de convencimento. Se nada alcançam com o palavreado, com o grito, com os gestos dengosos, buscam o choro e derretem os corações mais duros dos bestalhões para os caprichos supinamente desmiolados.

As costelas-de-Adão venceram a luta. Transformaram os antigos machos em tristes manicacas. Feminismo vale dominação. De qualquer maneira, a mulher sempre será divina, uma graça, e quando boazuda - Deus do céu, fica gostosa e desconcerta a cabeça da gente.


A. Tito Filho, 25/03/1988, Jornal O Dia

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

COMUNISTAS - III

Meu pai, José de Arimathéa Tito, nomeado juiz pelo presidente da República para ouvir os presos acusados de comunistas em Teresina, cumpriu os seus relevantes encargos. Não desempenhou qualquer função julgadora, ficando adstrito às normas constitucionais. O juiz comissionado, escreveu o jurista Ribas Carneiro, possuía atribuições muito simples, mecânicas mesmo: receber o comunicado das prisões efetuadas, com os motivos determinados, mandar as declarações dos detidos, instruindo de tudo o presidente da República, para que este elabore mensagem à Câmara dos Deputados, com os esclarecimentos dos atos praticados. Não tem função judicante, mas atribuições registradoras. Nada aprecia. Cabe-lhe presidir as declarações dos detidos com serenidade e critério. Faz o juiz comissionado papel de ouvidor constitucional dos presos, para que estes, em frente do magistrado, sem temores, garantidos e confiantes, dessem resposta as acusações governamentais.

Arimathéa Tito cercou os detidos da mais ampla liberdade e segurança. Escreveu o depoimento de cada um com a maior clareza e perfeita fidelidade.

Rejeitou a atitude dos covardes, autores de denúncias anônimas, por cartas, em que se apontavam atividades comunistas de alguns cidadãos. Em nota à imprensa, convidou os denunciantes a que comparecessem em juízo a fim de que firmassem a competente responsabilidade. Ninguém apareceu. Os covardes agem só às escondidas, perversos e vingativos.

Todos os atos do juiz tiveram ampla publicidade nos dois jornais de comprovada circulação no Piauí: "O Tempo" e o "Diário Oficial".

Meu pai desempenhou o mandato de que o investiu o presidente da República, sob unânime indicação do Tribunal de Justiça, com lisura e honradez.

Ao final, encaminhou os três volumes do processo, a 7 de fevereiro de 1936, ao governador Leônidas Melo, executor das medidas do estado de sítio no Piauí.

O julgamento coube ao Tribunal de Segurança Nacional, colegiado de exceção, de que era membro um ilustrado piauiense, homem de grande cultura, o ministro Pedro Borges da Silva.

Os acusados de comunismo no Piauí, cidadãos humildes e dedicados ao trabalho, foram quase todos condenados a penas de reclusão, cumpridas na velha e derribada penitenciaria de Teresina.

Tempos horríveis, funestos, tristes, em que ao menos se permitia a leitura de livros como O CAPITAL, de Marx, um dos monumentos universais de sabedoria politica.


A. Tito Filho, 28/09/1988, Jornal O Dia

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

FALA

Um sertanejo andou em Parnaíba, no Piauí, e de lá por um positivo conhecido, mandou carta à mãe, socada nesse mundão do interior. Disse assim: "Mamãe. Parnaíba é uma cidade monarca de grande. De menhãzinha se arvoroça tanta gente na beira do rio, qui parece furmiga, arredó de lagartixa morta e quase tudo é trabaiado caçando ganho. O mercado é outro despostismo: se arreúne mais povo do qui na disubriga, quando o padre diz missa na capela dos Morro da dona Chiquinha. Tudo se vende e de tudo se faz dinhêro. Fiquei besta de ispiá gente comprando maxixe, quiabo, limão azedo, fôia de juão-gome e inté taiada de jirimun. O passadio daqui é bom. Todo dia eu como pão da cidade com mantêga do reino. Mamãe, as coisas aqui são muito diferente e adversa daí... As casas são apregadas umas nas outra qui nem casa de marimbondo de parede e é quase tudo de têia e forrada de tauba pur riba qui nem gaiola de xexéu e qui chama sobrada. Gente rica aqui é em demasia. Inda onte numa loja eu vi uma ruma de dinhêro de cobre no chão qui paricia juá, quando se ajunta mode dá pra bode no chiquêro. Mamãe, a igreja faz inté sobroço de grande e arta. Cabe dentro dela todos os morador de Barra das Laje, do Bom Princípe, da Fazenda Nova e inda se adiquere lugá pra mais de cem vivente. O povo daqui tem um sestro muito engraçado. Não diz Ô DE CASA, não. Quando chega nas casa alêia bate parma, cuma quem istuma cachorro acuá tatu no buraco..."

Por toda parte, entretanto, a língua portuguesa no Brasil sofre a ação modificadora inconsciente do povo inculto. A carta acima transcrita está em livro de Xavier Marques. Em São Paulo a linguagem caipira foi registrada por Valdomiro Silveira muito significativamente. Cornélio Pires não esqueceu Minas Gerais: "Era tempo de fruita. As jabuticava do mato tavam pintano e derreteno de doce qui nem açucre. Nesse tempo as veiêra tão cheio de mé, qui é uma gostosura sem conta". Leonardo Mota reproduz conversa entre matutos cearenses: "tem chuvido lá pros seus lado, cumpade Simplicio? Coisinha. Na sumana passada caiu uma liblina pra cumpade Bastião, librina qui saiu surrupiando pru riba do cordão da serra e quando chegou na morada de Nastaço já os córgo ia na carrêra..."

Os dialetos portugueses de ultramar também padecem modificações na voz popular. Assim na Índia, no Ceilão, em Cabo Verde. Numa comédia de Gil Vicente figura um negro da terra de Beni que fala mais ou menos como os nossos pais-de-terrero.

Várias são as causas dessas transformações: a falta de contatos culturais de pequenas comunidades, a preguiça que estropia e corrompe a inconsciente obediência ao princípio do menor esforço.

Muitos homens cultos se têm dedicado ao estudo destes fatos da linguagem humana.


A. Tito Filho, 25/06/1988, Jornal O Dia

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

AINDA POESIA

Sobre o livro NA BOCA DO VULCÃO, de Nelson Nunes, recebi do escritor João Aragão, expressivo e notável nome da literatura fluminense, o seguinte comentário:

Bem, os artistas são mesmo uns seres estranhamente inquietos, acoçados pela necessidade orgânica de inovar, não deixando pedra sobre pedra no afã de imprimirem formas modernas, nova roupagem a seu juízo estético, seu conceito de BELO. Miró versos Rambrandt.

E assim talhou sua obra o poeta Nelson Nunes. Equilibrou seu pensamento pujante na crista da "new wave", deixando pra lá, por supérfluas, pontuação e forma externa do verso.

Não sei se Manuel Bandeira ilustre modernista pernambucano do Recife, desejava execrar também a memória de Castro Alves, ou pisotear apenas os virtuosos do ritmo e melodia das palavras, Alberto de Oliveira e Bilac, quando assestou suas verrinosas baterias na direção dos parnasianos:

"o sapo-tanoeiro,
parnasiano aguado,
Diz meu cancioneiro
é bem martelado"

Ou, em POÉTICA:

"estou farto do lirismo comportado,
abaixo os puristas,
todas as construções, sobretudo as sintaxes
de exceção"...

Se o pretendeu, aprece-me ter-se mostrado um tanto radical, não perdoando aos outros mortais a audácia de manifestar suas estruturações estéticas. O que, todavia, não torna lícito a ninguém cair em vindita, criticando com ortodoxia métrica e estética destes belos versos, apontando neles como que uma perna curta e outra longa. Bêbado caminhando ao longo do meio fio, um pé em cima outro em baixo:

"A ausência é um estar em mim.
Sinto-a, branca, tão pegada aconchegada nos meus braços".

(São versos de Carlos Drummond de Andrade, poema "Ausência", livro CORPO).

Ora, falávamos de Nelson Nunes, poeta de excelente potencial, largos recursos, ligado à vida, às coisas que nos cercam; e falando de "O poema e a máquina", quase definiu a impossibilidade real de um artista julgar a outro artista:

"Um homem mais outro homem
não fazem um destino
Serão sempre um homem e outro homem
a correrem como dois rios paralelos".

Porque dos homens, um é tuberculoso inválido, o outro é atleta olímpico. Um favelado, outro é doleiro, ou deputado federal. Um eunuco, outro garanhão e um le gibi e outro Mallarmé. Não há o que nivele seus gestos literários.

Nelson Nunes, todavia, modismos à parte, sabe bem como nascem os belos poemas (e outras coisas também...):

"A língua quente entre os dentes
o rabo lúbrico entre as pernas
de repente
como a um cigarro
entre os dedos trêmulos
acende-se o poema".

Já nos dera cartão de visita, na "Abertura":

"Não há muro tão consistente
que não possam atravessá-lo
a água o musgo o poema".


A. Tito Filho, 29/09/1988, Jornal O Dia

CONSTITUIÇÃO - I

No início da fase republicana, o último governador nomeado por Deodoro da Fonseca chamou-se Álvaro Moreira de Barros Oliveira Lima. Este, CONSIDERANDO QUE A NAÇÃO BRASILEIRA ATRIBUI AOS ESTADOS O DIREITO E O DEVER DE ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E ADMINISTRATIVA, baixou Ato nº 37, de 12 de janeiro de 1891, e nele adotou a Constituição do Piauí, AD REFERENDUM de um congresso constituinte. Designou-se o dia 3 de março de 1891 para a eleição de 30 deputados. Instalaram-se os trabalhos a 30 de abril e a 27 de maio do mesmo ano de 1891 promulgou-se a Constituição do Estado, que criou o Congresso Estadual de dois ramos: Câmara dos Deputados e Senado.

Assinaram a carta piauiense 28 deputados: Simplício de Sousa Mendes (presidente), José Pereira Nunes, Antônio Vasconcelos de Meneses, Raimundo Antônio de Farias, Gervásio de Brito Passos, Manuel José Cardoso, Franklin Veras, Bertolino Alves e Rocha Filho, Helvídio Clementino de Sousa Martins, Benedito Canário Porto, José Martins Teixeira, Numa Pompílio L. Nogueira, Florentino José Cardoso, Manuel Raimundo da Paz, José Ribeiro Gonçalves, Antônio de Holanda Freire, Raimundo Antônio Lopes, Raimundo de Carvalho Palhano, Almiro S. Nascimento, Aristarco Clementino S. Martins, Armínio Benevides A. Rocha, Salustiano de Holanda B. Campos, Lisandro Francisco Nogueira, Raimundo Nonato da Cunha, João de Castro Lima e Almeida e Francisco Santana Castelo Branco.

X   X   X

Os constituintes elegeram governador Gabriel Luís Ferreira. Criou-se o Tribunal de Justiça, instalado a 1º de outubro de 1891.

Com a renúncia de Deodoro da Fonseca, assumiu Floriano Peixoto, que derribou os governadores, com exceção de Lauro Sodré, do Pará.

Assumiu o governo do Piauí o comandante da força militar federal, até que Coriolano de Carvalho e Silva tomasse conta do poder, a 11 de fevereiro de 1892.
Coriolano dissolveu o Congresso Estadual e convocou eleições para 5 de maio de 1892, com a escolha de 24 representantes que deveriam elaborar nova constituição, promulgada a 13 de junho de 1892. Revogou-se a criação do Senado.

Assinaram a Carta Constitucional 21 deputados: José Ribeiro Gonçalves (presidente), Manuel Raimundo da Paz, Raimundo Antônio de Farias, Artur Furtado, Numa Pompílio L. Nogueira, Bertolino Alves e Rocha Filho, Helvídio Clementino de Sousa Martins, Antônio R. Coelho, Osório José Batista, Belino de Castro e Silva, Joaquim Dias de Santana, Armínio Benevides A. Rocha, Raimundo Borges da Silva, Luís de Morais Rego, Benedito Canário Porto, Salustiano de Holanda B. Campos, Antônio José Bastista, Ludgero Álvares Lima, Gervásio de Brito Passos, Raimundo Nonato da Cunha e Anísio Auto de Abreu. Três constituintes não assinaram a Constituição.

Os deputados elegeram Coriolano de Carvalho e Silva para o governo do Piauí até 1º de julho de 1896.


A. Tito Filho, 27/10/1988, Jornal O Dia

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

COMUNISTAS - II

Como relacionei no artiguete do último domingo, a polícia do Piauí só encontrou e prendeu 56 cidadãos, acusados e presos como comunistas. Eram homens dignos, jornalistas, operários, professores humildes, injustamente, com as famílias, no padecimento de vexames sem conta.

Três volumes compuseram o processo: as acusações policiais motivadoras da prisão de cada um, os documentos apresentados quer pela policia, quer pelos próprios detidos a bem dos seus direitos.

As principais peças se resumem no seguinte:

a) Instruções para guerrilhas, defesa e organização dos territórios conquistados - documento que José Melquiades Rodrigues confiou a Bernardo Henrique, que o entregou ao aparelho policial da cidade de Parnaíba.

b) Como devemos organizar os diretórios ilegais da Aliança Nacional Libertadora - documento que teve o mesmo curso do anterior.

c) Oito circulares da Aliança Nacional Libertadora, recebidas, conforme a informação oficial, por Odonel Leão da Rocha Marinho e José Vicente Murineli, obtidas pelo serviço de segurança - uma espécie de Dops desses tempos angustiosos.

d) Três exemplares do jornal "O Libertador", editado em Teresina para defender os interesses da Aliança Nacional Libertadora, dirigido por Odonel Leão da Rocha Marinho, que, por esse motivo, esteve processado pela Justiça Federal.

e) Quatro boletins e dois números do jornal "A Classe Operária", órgão do Partido Comunista do Rio de Janeiro.

f) Quatro números de "A Classe Operária", um boletim comunista e uma correspondência do Partido Comunista do Rio sobre atividades desenvolvidas.

g) Documento em poder de Raimundo Melquiades sobre a articulação dos comunistas de Teresina com os camaradas do Ceará e do Maranhão.

h) Declarações de Bernardo Henrique da Silva, antigo comunista em Parnaíba, e que, renunciando às idéias, passou a auxiliar das autoridades policiais e a denunciar os planos dos ex-companheiros.

i) Inquérito da policia sobre as atividades do professor Cunha e Silva, de Amarante, e apreensão de documentos (livros) na residência do acusado.

j) Inquérito policial em Parnaíba sobre atividades de prisioneiros e de foragidos.

A 28 de janeiro de 1936, o governador Leônidas Melo deu liberdade condicional a Cunha e Silva, Domingos Rodrigues do Nascimento, Francisco Fernandes de Sousa, Mário da Silva Lins, Raimundo Ferreira Magalhães, Antônio Neuson de Andrade, Luís Carvalho da Silva, João Lourenço Barbosa, Manuel Bernardo de Sousa, José Borges Filho, Antônio José da Silva, José Nonato e Raimundo Chagas Pinto, num total de 15. Conservaram-se em prisão 41.

OBS: No artigo de domingo capou-se o tópico em que citei os prisioneiros da polícia em Amarante: Francisco da Cunha e Silva e José Rodrigues Sobrinho.


A. Tito Filho, 27/09/1988, Jornal O Dia

COMUNISTAS - I

A chamada intentona comunista de 1935, liderada por Luís Carlos Prestes, fracassou. No país passou a vigorar o estado de sítio, medida constitucional que suspendia certos direitos políticos e individuais. Indicado pelo Tribunal de Justiça, o presidente Getúlio Vargas nomeou juiz comissionado, no Piauí, para ouvir acusados, o juiz de direito de Teresina José de Arimathéa Tito, meu pai, que a 10 de dezembro assumiu o exercício das funções, designando como auxiliares o escrivão Vicente de Paula Soares e o oficial de justiça Manoel Belisário dos Santos. Nesse mesmo dia o chefe de Polícia, desembargador Cromwell de Carvalho mandou apresentar ao magistrado 30 cidadãos, detidos no quartel da Força Pública por ordem do governador Leônidas Melo. O ofício de apresentação declarava sumariamente os motivos da prisão de cada um: atividades comunistas. Eram eles: Odonel Leão da Rocha Marinho, José Vicente Murineli, João Vieira de Farias, João Câncio da Silva, Amador Vieira de Carvalho, Wilson Romão Leite, Sakustiano Gomes da Costa, Miguel Ferreira Lima, Manuel Luciano de Morais, Domingos Rodrigues do Nascimento, Celso Coutinho, Francisco Fernandes de Sousa, Mário da Silva Lins, Raimundo Ferreira Magalhães, José de Ribamar Ramos, Alberoni Lemos, Aldi Mentor Couto de Melo, Mário Barreto dos Reis, Oscar Duarte, Antonio Alves Tavares, Antonio Neuson de Andrade, José Pereira de Sousa, Oscar Lima, Francisco Peixoto da Mota, Manuel Gonzalez dos Santos, José Melquiades Rodrigues, Manuel Melquiades Rodrigues, Joaquim Melquiades Rodrigues, Raimundo Alves Rodrigues e tenente Antonio Teixeira e Silva.

A 17 de dezembro, o chefe de Polícia mandou ao juiz mais 14 acusados, detidos na cidade de Parnaíba: Luís Carvalho da Silva, José Lourenço Barbosa, Manuel Bernardo de Sousa, José Borges Filho, Antonio José da Silva, José Nonato, Plácido de Sousa, Luis de Sousa, Francisco Batista Vieira, Lourenço Machado de Sousa, Pedro Mendes da Silva, Sebastião Alves Passos, Roberto Pereira da Silva e Raimundo Chagas Pinto.

Dia 2 de janeiro, um quarto ofício da autoridade policial apresentava mais 7 detidos em Parnaíba: José Pereira de Sousa, Francisco do Carmo e Sousa, Benedito Rodrigues de Brito, Aureliano Marques da Silva, Antonio da Costa Morais, Félix Lopes de Barros e Francisco Sampaio de Araújo.

A 4 de fevereiro mais 3 de Parnaíba: Raimundo de Andrade Jucá, Deocleciano Ribeiro da Silva e Mariano Rodrigues de Brito, vulgo Raimundo Melquiades.

Muitos dos acusados eram apenas comunistas de ideal.

Em seguida, veremos as providências adotadas a respeito desses homens sacrificados injustamente.


A. Tito Filho, 25/09/1988, Jornal O Dia

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

DESPEDIDA

Anízio Cavalcanti, talentoso piauiense, enviou as considerações abaixo ao ilustrado e culto mestre Francisco Barreto Soares Cordeiro sobre o livro DESPEDIDA, do saudoso poeta Oliveira Neto:

"A VIZINHANÇA da morte e a proximidade do aniquilamento são temas constantes em literatura de expressão poética. O ser humano, eterno em sua alma, mas contingente e transitório em sua textura de barro, em várias fases da vida é acometido por toda uma gama de sentimentos, que vão desde o leve pressentimento da fragilidade da existência biológica até as agruras da angustia existencial em conflito com a carne fraca. O infante se aninha instintivamente nos braços da mãe, em busca inconsciente de uma proteção; o homem de setenta anos abre conscientemente sua alma, em busca de um diálogo com o Cosmos: mergulha na claridade das manhãs banhada de sol - símbolo da esperança - e dos crepúsculos que se dissolvem na noite - símbolo do que morre... O homem morre a cada dia e renasce com o novo sol, enquanto o teimoso coração lhe bater no peito - primum vivens, ultimum morriens.

O mergulho no Cosmos, ao mesmo tempo físico e metafísico, dilata o coração a transbordar de indagações ansiosas sobre o destino. E eis-que, lá no alto, o mundo das estrelas, distante e mudas, se desdobra em abóbada desmesurada, e lhe diz, no silencio das galáxias, que aquele brilho é vida, e que essa vida é a vida total, regida pelo Criador. Por trás desse teatro fantástico se situa o nosso antideus, que transformou o barro em ser pensante. E o barro, agora feito homem, e o homem, agora feito poeta, dobra-se sobre si mesmo e angustiado indaga às estrelas o seu rumo definitivo.

OLIVEIRA NETO, poeta de sensibilidade, meu contemporâneo (1907), dobrou os setenta anos, através de fecunda produção de poesia na literatura piauiense. Neste mais recente volume (1983) põe no pórtico o soneto Despedida, com que anuncia cessar escrever poesia:

"É o poeta deixando a poesia parar
Sem causar prejuízo ou pesar a ninguém!"

Acrescenta, à página seguinte, que tem achado a vida tão bela, e se agradou tanto dela, que deseja voltar de novo.

Do ponto de vista literário, o poeta de bom quilate não morre: fica, nos livros que escreveu. E os eu corpo de barro, ao morrer, passa de novo pelas mãos do nosso Deus-Pai, para banhá-lo no sangue do Cristo-Redentor, e transfigurá-lo à luz das estrelas. E a alma do poeta, transfigurada, rebrilhará entre os milhões de seres que integram as galáxias humanas".


A. Tito Filho, 24/11/1988, Jornal O Dia

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

TERESINA, CIDADE DA PERDIÇÃO

Esta é a primeira de uma longa série de reportagens, que iniciamos hoje, para denunciar à Nação e as autoridades da IIIª Republica Democrática do Brasil, instituída aos albores de 29 de outubro de 1945, trama sinistra de que se valem aventureiros despudorados, para sugar do aflito povo piauiense, o último centavo, e última gota de sangue de suas parcas economias, nesta hora sem precedentes na história social, economica e política do Piauí.

Campeia, livremente, nas ruas da Capital piauiense, o jogo de azar, num acinte à Nação inteira e às leis que nos governam, como que desafiando as autoridades e induzindo-nos a acreditar que, por traz dos bastidores políticos, há pressões interessadas e convivêntes na sua continuação criminosa.

Dentre os maiores cancros sociais que já nos afligem, como o da prostituição desenfreada; do alcoolismo, sem repressão; da mentalidade sem auxilio pratico e resoluto do Governo; da infancia abandonada e delinquente; o jogo se enfileira e se sobrepõe a qualquer outro, porque, como disse Rui Barbosa, solapa instituições, degrada consciencias e é um caminho aberto para o crime.

Quando em uma nação ou estado, os seus indivíduos procuram no vicio do jogo um motivo para a sua degradação moral, o que existe de mais puro entre êles estará perdido, e, cêdo, desmoronará a estrutura básica da sociedade que os formou. Êste é o conceito em que é tido o cancro social, que hoje, infelizmente, chega á nossas plagas, trazidos pelos vendaveis que já açoitam outros Estados irmãos.

NO COVIL DO JOGO

Terça-feira última esteve nossa reportagem em contacto com o povo das ruas de nossa Capital, auscultando os seus sofrimentos, lendo nas suas faces os dissabores por que tem passado durante o crepitar da fogueira política, que, agora, já amortecida, deixa prevê, claramente, que as suas chamas ainda não partiram da estaca zero.

A cada passo tínhamos a impressão de que a fome e a miséria invadiram tudo e atingira a todos. Uma legião de famintos pedia esmolas ás portas dos estabelecimentos comerciais. Mendigos, por toda parte: nos bares, nas praças, na vida pública. uma onda de dessassossêgo a inquietação pareceu nos invadir a cidade.

O teresinense, outrora alegre e sobranceiro, hoje, já não sabe rir. Acostumou-se a esperar pelo dia de amanhã, do amanhã melhor que não vem ...

Descobrimos, em grupo, várias pêssoas nas proximidades da “Botica do Povo”, a entrar e sair, diversas casas suspeitas, pequenos botequins onde se vendem bebidas à farta, verdadeiras espeluncas de degradação moral, ajuntamentos constantes de meretrizes e cambistas da pior espécie.

Ali se joga, bebe-se e arranjam-se mulheres. E, parece incrível que se afirme – a dez pessoas da Praça Rio Branco no coração da cidade.

O nosso objetivo era atingir o covil do jogo. Ve-lo de perto. Sentir as sensações que ele nos oferece para podermos pintar o quadro real para os nossos leitores.

Dez ou mais cambistas alí estavam localizados. De momento a momento, as poules eram arrancadas dos talões e os centavos e os cruzeiros dos incautos caiam em seus bolsos como o maná do Céu no Sermão da Montanha. Mas, não era ali o Quartel General do jogo do bicho. Não seriam, tambem, o “Bar Carvalho” e o “Restaurante Cairú”, os pontos de reuniões dos transgressores da lei! Precisávamos chegar ao nosso destino e bem informados prosseguimos na nossa marcha e atravessamos a artéria vital do Piauí – o Rio Parnaíba, em demanda da pequenina cidade de Timon, ex-Fiores, onde os pantagruelicos insaciáveis banqueiros dirigem a maquina infernal que consome o dinheiro do povo teresinense e ordenam a miséria e a orfandade de centenas e milheres de famílias nos dois Estados.

Timon, ás 17,30 horas oferece um aspecto diferente. Habitualmente calma, a cidadezinha maranhense fronteiriça á nossa Capital toma banho no nosso velho Parnaíba, muda de roupa e de cara ...

Homens, mulheres e crianças, desconhecidas na cidade, caminham a passos rápidos. Na grande avenida que nos conduz ás proximidades da Igreja Matriz, ali, está localizado

O QUARTEL GENERAL DO JOGO

Pessoas bem informadas nos disseram que Manoel Cabeleira dirige em pessoa, a maquina infernal de fazer dinheiro a seu bel prazer.

De quarenta a cincoenta individuos trabalham na Casa Maldita, como empregados.

Três tesoureiros recolhem o suor e as lagrimas do povo de Teresina. Caixões de querozene, debaixo das gavetas do recolhimento, estão abarrotados de moedas divisionárias. 140 cambistas, aproximadamente, estão chegando para prestarem contas das suas falcatruas contra o povo, são indivíduos já conhecidos da nossa Policia Civil e fichados em nosso Gabinete de Identificação Criminal.

É uma verdadeira legião de criminosos que se aproximam para render graças aos seus patrões. Ali existem todos os jogos. Desde a roleta proibida, aos das apostas nos dados. O quadro é tétrico. As urnas se movimentam. Faltam poucos minutos para correr a sorte. A multidão se comprime e se avoluma. Um grita daqui:

- “Cr$ 0,20 na milhar 3151 e cinco cruzeiros no galo”.

Outro, acolá, blasfema. Uma mulher procura refúgio entre as casa e pergunta pelo palpite, a outro jogador:

- “Qual será, ein, ‘seu’ moço, o bicho de hoje?

- “Cavalo, na 43!”

Naquela tempestade de ilusões, entre um pavoreu sedento por encontrar a felicidade entre quatro números, o Repórter vai abrindo alas, para mais perto ver e ouvir. Ouviu e viu com seus olhos que o povo está sendo miseravelmente roubado por forasteiros desconhecidos, importados da capital maranhense. Viu e ouviu bem o que aquelas urnas representam de mal para os nossos costumes e para as nossas vidas.

Viu, finalmente, que as autoridades policiais do Piauí não estão dando ouvidos aos clamores de uma população sobressaltada, que espera em cada esquina de sua Capital a morte e a deshonra, isto, porque, o jogo na sua fúria está encaminhando milhares e milhares de individuos a cometerem desatinos, a roubar e a matar, saciando o vicio maldito.

A COMPLACÊNCIA DA POLÍCIA

Não se pode afirmar, com segurança, que a nossa desorganizada Policia Civil esteja agindo em conivência com os transgressores da lei federal, que proíbe, terminantemente, a pratica de jogos de azar, classificando, entre eles, o do bicho. Mas, pelo menos, a sua complacência criminosa, deixando que se pratique, em escala aberrante, como a que aí está, constitui um atentado passado à incapacidade repressora da nossa incipiente maquina policial.

A Delegacia de Transito e Costumes está afeta a ação punitiva dos jogos de azar. Se já tomou providências e localizou os pontos de apoio dos cambistas não sabe, talvez, ou talvez não queira saber, que até policiais, investigadores, guardas civis e comissários, são cambistas, sócios de banqueiros e vivem a receber propinas para não “aborrecerem” o Quartel General.

ATENTADO AS LEIS FEDERAIS

Isto constitui, não há dúvida, um atentado e uma desmoralização às leis federais. No Piauí, o jogo é franco. Só não jogam os que habitam o cemitério “S. José”, e, assim mesmo, quem sabe se nas caladas da noite ...

A IGREJA VAI DIRIGIR FORTE CAMPANHA

Segundo colheu a nossa reportagem em fontes dignas de crédito, a Igreja Católica de Teresina vai iniciar forte campanha contra o jogo, do púlpito, apelando para as autoridades e concitando os homens de bem de nosso Estado a cerrarem as fileiras na batalha contra o terrível cancro social.   


Autor: PERTINAX, Jornal A Resitência, 07/08/1949

PROFETA

Nasceu em fazenda de criar, nas proximidades de Barras (PI), em 1836. Recebeu lições de português, francês e latim. Exerceu a promotoria pública. Fundou em Teresina, 1859, o jornal de caráter literário O ARREBOL. Esteve em Olinda (PE), para estudos jurídicos, mas morrendo-lhe o pai retornou ao Piauí, arrimo de família desamparada. Assumiu novamente atividades jornalísticas na capital piauiense. Deputado provincial. (No) Ano de 1868 fundou O AMIGO DO POVO.

Professor da primeira escola normal e, por concurso, do Liceu Provincial, de geografia. Em 1873, muda o nome do seu jornal, agora chamado OITENTA E NOVE, que circulou até 1874, com 31 edições. No artigo do primeiro número escreveu que tinha "a fé robusta de ver a República Federativa estabelecida no Brasil, pelo menos daqui a 17 anos, ou em 1889, tempo assaz suficiente, segundo pensamos, para a educação livre de uma nova geração...".

Predisse o advento da República Federativa do Brasil, precisamente no ano em que ela foi proclamada. O artigo inaugural do OITENTA E NOVE se publicou na revista KOSMOS, do Rio em 1907, e no CORREIO DA MANHÃ, da mesma cidade, em 1909.

Tentou novo jornal, O PAPIRO, de vida curta. Em 1877, de terrível seca, criou O FERRO EM BRASA, efêmero. Neste último ano passou a viver de abstrações, sem contato com a realidade. Faleceu paupérrimo na capital piauiense, 1878. Até na morte os monarquistas o perseguiram. Ligado ao Estado, a Igreja Católica, embora Davi fosse crente em Deus e membro da Irmandade do Santíssimo Sacramento, lhe negou enterro no campo-santo, considerando-o oficialmente ateu - conta Celso Pinheiro Filho: "Cavaram-lhe um túmulo em frente ao portão principal do cemitério de São José, debaixo de velho jabotizeiro ali existente, túmulo que alma caridosa mandou cercar com grade de ferro. Só na década de 30, quando do calçamento da rua, foram exumados os seus ossos e trasladados para dentro do cemitério...”.

Higino Cunha considerou-o o maior jornalista do Piauí no período de 1858 a 1879. O historiador Viriato Correia escreveu que a mentalidade de Davi era de louco ou de iluminado.

Além de sua extraordinária atividade jornalística, publicou um relatório de viagem que fez de Teresina a Parnaíba, pelo rio do mesmo nome, e deixou inéditos "Tímidos Acentos", versos, e "Dicionário Histórico e Geográfico do Piauí".

Davi Moreira Caldas recebeu a justa denominação de O PROFETA DA REPÚBLICA - merecidamente. Louco ou iluminado, como escreveu o maranhense Viriato Correia, que pertenceu à Academia Brasileira de Letras?

Teresina comemorou festivamente o primeiro Centenário de Davi Caldas, em 1936. Bonita a solenidade no auditório da antiga Escola Normal, presidida pelo governador Leônidas Melo. Principais oradores: Higino Cunha, Arimathéia Tito e José de Abreu.


A. Tito Filho, 26/05/1988, Jornal O Dia

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

OUTRO HERMÍNIO

Houve outro Hermínio Castelo Branco na literatura piauiense, o de Lira Sertaneja. O outro Hermínio se chama Conde - Hermínio de Morais Brito Conde, médico, de célebre e humana luta contra o tracoma, nascido nas bandas piauienses de Piracuruca, ano de 1905. Curou milhares de tracomatosos. Exerceu elevadas funções relacionadas com a profissão. Não esqueceu as letras e investigou temas históricos, publicando estudo cívico intitulado "Cochrane, Falso Libertador do Nordeste".

O consagrado cientista adquiriu, porém, justo conceito nos domínios literários com o seu "A Tragédia Ocular de Machado de Assis", obras de períodos harmoniosos e elegantes, como, via de regra, escrevem os médicos brasileiros. Houvesse espaço devoluto, apreciaria aqui as sutilezas do estilo de Hermínio, que tanto soube dar às suas produções uma língua viva, exata e sobretudo correta.

A quantos visitam a Machado de Assis na velhice do escritor, ao tempo em vivia na aprazível morada de Cosme Velho, no Rio, não passou despercebido o sério incômodo de olhos do criador de "Dom Casmurro". Desta forma o observou José Veríssimo: "Encontrei-o repousado a meio num divã, com os olhos visivelmente inflamados, defendidos da pouca luz do aposento por óculos escuros".

Hermínio serve-se dos olhos de Machado de Assis para dissertar profundamente a respeito de um tema de medicina social, difundindo princípios que proporcionam, até aos leigos, verdadeira consciência ocular. Revelou ele no grande romancista carioca, inicialmente, os olhos normais da infância, e passou, ao depois, à demonstração do abuso ocular do escritor na adolescência, a miopia na idade madura, a neurastenia nos tempos de velhice.

Consentiu o cientista em que a neurastenia de Machado aparece após o cansaço mental e as preocupações morais e financeiras, mas não esconde que o imoderado trabalho visual foi o responsável mais forte pelas crises de neurastenia ocular do famoso criador de Capitu. As suas torturas físicas e morais advieram em grande parte de um defeito visual não corrigido.

Tenho para mim que Hermínio tomou o exemplo do sofrimento machadiano para difundir, ajudado da expressão fácil, que era uma das suas forças literárias, princípios de higiene ocular e visual. Homem de ciência, filantropo, estudioso, consciente da verdade médica, Hermínio, apoiado na autoridade que lhe deu fama em congressos internacionais, sustentou que a higiene dos olhos é fator de economia social e de cultura. E foi além, difundiu ensinamentos rigorosos para a prevenção da cegueira, contra a qual lutou, toda a vida, clamando pela educação do homem na consciência ocular, a fim de que os olhos não fossem fonte de torturas físicas e morais, como em Machada de Assis.

Escritor e cientista, Hermínio pôs a serviço da medicina dons de inteligência a bondade. Nunca arrefeceu da sua luta pela saúde dos olhos.

Revelou-se um educador de pensamento, trabalhador da expressão singela, servidor da medicina social, de que se tornou profissional a sacerdote para promover a felicidade de seus semelhantes.

Os piauienses, raros, conhecem a grandeza de Hermínio Conde, falecido no Rio em 1964.


A. Tito Filho, 24/03/1988, Jornal O Dia

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

ATENTADOS

Teresina teve em Joel de Oliveira um dos seus mais honestos cronistas. Linguagem asseada, leveza de escritura, assuntos curiosos - dava gosto de ler suas crônicas graciosas e oportunas. No I Congresso de Imprensa do Piauí, em 1933, coube-lhe trabalho sobre o desenvolvimento das artes gráficas no Estado.

Funcionou em Oeiras a primeira tipografia, vendida em 1849. Em Teresina funcionaram várias, a partir de 1860, e que se ocupavam quase exclusivamente da impressão de periódicas, até 1889. A primeira rotativa, do fabricante Marinoni, funcionou em 1890, máquina adquirida, com a respectiva tipografia, pelo Barão de Castelo Branco, especialmente para publicar o órgão oficial do ESTADO DO PIAUÍ, como diário, o que se iniciou em 14-1-1890.

O jornal O PIAUÍ apareceu em 1891. Foi o de mais longa existência, circulando sem interrupção até 31-12-1930, quando em seu lugar se editou o DIÁRIO OFICIAL.

Instituiu-se a venda avulsa pelas ruas de Teresina em 1921. Antes os jornais eram distribuídos entre os assinantes. O processo de linotipo, adquirido do órgão de imprensa A HORA, de São Luís, pela Gráfica Piauiense, realizou o primeiro trabalho com a composição do jornal literário O LÁBARO, em sua edição 90, de 8-7-1928.

Neste ponto terminam as informações de Joel.

O interventor Landri Sales introduziu linotipo na Imprensa Oficial, no seu governo (1931-1935).

Passa Joel  a registrar atentados contra jornais e jornalistas. Em Parnaíba, O LIDADOR teve a tipografia assaltada e empastelada em 1894. Durante a noite teresinense de 11-12-1912, sofreram atentados O APÓSTOLO e CIDADE DE TERESINA, com as oficinas incendiadas e o material destruído. Atentado padeceu CIDADE DE FLORIANO, da comunidade de igual nome, 2-1-1921. Na madrugada de 14 para 15 de maio de 1927, roubou-se a pequena tipografia do jornal O DENUNCIANTE, atirada ao rio Parnaíba. Propriedade do jornalista Dondon Castelo Branco.

Joel de Oliveira não registrou a covardia contra o poeta e jornalista boêmio Licurgo José Henrique de Paiva, esbordoado em frente ao palácio do governo por soldados da polícia, administração Pedro Afonso Ferreira, entre 1872-1873.

No governo do interventor federal Teodoro Ferreira Sobral, houve, noite de 23 de outubro de 1946, em Teresina, o covarde e revoltante atentado contra o jornal "O Piauí", dirigido e orientado pelos próceres do partido político União Democrática Nacional, entre os quais sobressaía Eurípedes de Aguiar. No episódio perverso, empastelada a tipografia, assassinou-se o vigia Miguel Pedro e feriu-se o seu auxiliar. Atribuído o atentado a Zezé Leão e respectivos capangas.

Na trajetória longa do jornalismo em Teresina, vários jornalistas foram processados, sob acusações diversas, verificando-se absolvições e condenações.

Noutras oportunidades veremos a imprensa em Teresina da década de 30 aos dias atuais.


A. Tito Filho, 24/05/1988, Jornal O Dia

MARQUÊS

Uma espécie de colégio eleitoral escolhia três nomes para que o imperador do Brasil escolhesse um deles, e o escolhido seria senador vitalício, até morrer, ou enquanto o sujeito quisesse. Ao Piauí cabia um senador. O primeiro da escolha imperial se chamou Luís José de Oliveira Mendes, baiano, que ocupou a vaga até a morte, em 1851. O segundo foi Joaquim Francisco Viana, do Estado do Rio. Morreu em 1864.

Em terceiro lugar, escolha de Pedro II, assumiu João Lustosa da Cunha Paranaguá, piauiense, que seria depois marquês. Era íntimo do imperador.

Nascido em Parnaguá, 1821, faleceu no Rio de Janeiro, 1912. Formado em Direito pela Academia de Olinda (PE). Exerceu cargos na magistratura, aposentando-se com as honras de desembargador (1878). Governou as províncias do Maranhão, de Pernambuco e da Bahia. Representou o Piauí na Câmara dos Deputados (1850-1865) e no Senado (1865-1889). Foi ministro da justiça (1859) e da Guerra (1866), novamente da Guerra (1879), conselheiro de Estado (1979), e presidente do Conselho de Ministros (1882-83). Gozava da estima do imperador Pedro II, que o cumulou de distinções. Era vedor da Casa Imperial. Proclamada a República, retirou-se da política, presidindo, nos seus últimos anos de vida, o Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Brasileiro e a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Também foi presidente da Comissão Diretora do 3º Congresso Científico Americano. Dignitário da Ordem da Rosa e comendador de Ordem Romana de São Gregório Magno. Visconde com grandeza por decreto de 18 de janeiro de 1882 e marquês por decreto de 13 de junho de 1888.

Quando estudante colaborou no "Filedeimon", de Olinda (PE), em que publicou "A Fonte e Causa da Riqueza" e "A Esperança" (1846). Deixou "Maranhão", relatório ao ministro do Império sobre eleição para senador naquela província (1859); "Reforma Hipotecária" (projetos e pareceres), 1860; "Reorganização do Exército", discurso, 1867; "Reforma da Lei de Execuções", 1884, além de vários discursos parlamentares.

João Pinheiro considerou-o notável político, jurisconsulto e orador. Afonso Celso escreveu sobre sua personalidade: "Despido das qualidades brilhantes que geram fanatismos e, igualmente, ódios ardentes, revelava um conjunto de dotes assaz apreciável e raro. Não ofuscava a ninguém, e ninguém, com justiça, tacharia de escandalosas as suas boas fortunas políticas. General, não despertaria o entusiasmo das tropas, nem as guiaria a feitos estrondosos, dos que dimana a glória, mas as levaria por estradas seguras, cordato e circunspeto, preferindo armistícios e negociações conciliadoras a arriscadas batalhas campais. Prudência, jeito, discernimento das ocasiões, savoir-faire, savoir-vivre, tomadas estas expressões no sentido favorável - eis os elementos dos seus triunfos" (Oito Anos de Parlamento).


A. Tito Filho, 24/07/1988, Jornal O Dia

VERDADES

Conheci Apparicio Torelly no Rio, quando na velha capital fui estudante e ele jornalista. Conheci-o de vista, como se diz, barbudão, cheio de corpo. Costumava vê-lo na extinta Galeria Cruzeiro, ponto de encontro dos mais variados tipos humanos. Adotou o pseudônimo de APORELLY e assinava deste modo as melhores crônicas humorísticas do Brasil. Gaúcho. Criou na cidade maravilhosa o famoso seminário A MANHÃ, quando passou a denominar-se BARÃO DE ITARARÉ, em homenagem à terrível batalha de Itararé, em são Paulo, ano de 1930, a batalha QUE NÃO HOUVE. O Barão foi lido e admirado. Ferino e verdadeiro. Cumpriu um destino sagrado, o de fazer que a humanidade risse e gargalhasse. Escreveu muito sobre as mulheres e nesta coluna de esquerda página transcrevo algumas verdades que o Barão assentou:

- As mulheres de certa idade não têm idade certa.

- Para as mulheres os velhos são de duas categorias: os insuportáveis e os ricos.

- Há mulheres que são como as estradas. Têm curvas perigosas.

- O homem é um animal que pensa. A mulher, um animal que pensa o contrário. O homem é uma máquina que fala. A mulher, uma máquina que dá o que falar.

- Há duas espécies de mulheres: as feias e as pintadas.

- Uma mulher atormenta-se mais com um segredo do que com uma cólica.

- Décimo de segundo é a fração de tempo necessária para uma mulher verificar que outra mulher, que acaba de lhe ser apresentada, tem olhos azuis, sapatos amarelos, colar de pérolas falsas, meias de náilon sem costura, cinto fingindo jacaré de matéria plástica e dentadura postiça.

- Quando uma mulher diz a um homem: QUERO-TE COM LOUCURA, é sempre verdade. A mulher não mente. Ela é sincera. E se diz que quer, quer mesmo. Sim, ela quer uma jóia bonita ou tirar as jóias do prego.

- A amizade entre as mulheres é apenas uma suspensão de hostilidades.

- Há homens despeitados que dizem que as mulheres não pensam. É mentira. As mulheres pensam e, muitas vezes, até com muito acerto, principalmente quando arquitetam um plano de ação para tirar dinheiro dos homens que pensam que elas não pensam.

Itararé foi uma espécie de Don Quixote nacional, malandro, generoso e gozador, dele disse Jorge Amado. Durante anos lhe esconderam a obra de crítica mordaz a uma sociedade pecaminosa e leviana, de sagazes administradores oficiais descompetentes. Não convém a verdade às ditaduras ou aos falsíssimos democratas. Reeditada nestes últimos tempos, Itararé continua atual e oportuno, como a gente sente nos seus pensamentos sobre as nossas sabidas filhas-de-eva.

Ainda me lembro de Itararé, na Galeria Cruzeiro, bonachão. Sempre alegre. Nascido em 1985, proclamava-se um HERÓI DE DOIS SÉCULOS.


A. Tito Filho, 24/07/1988, Jornal O Dia

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

PALESTRA - III

(Este texto é a continuação deste)


Não se pode negar os aspectos positivos surgidos com as novas idéias. É verdade que o novo cria, muda e gera valores culturais, ao longo da História. Do contrário, jamais teríamos saído das cavernas para a civilização da informática. Por outro lado, sem a tradição nada somos, porque ela é o acúmulo de experiências que o homem conquistou durante sua existência.

Somente dentro dessa perspectiva podemos compreender corretamente a função das Academias de Letras neste final do século XX. Somos a casa da tradição e do novo ao mesmo tempo. Aqui, não se discrimina, não se bitola, não se limita. Todas as manifestações culturais são contempladas de um ponto de vista preconceituoso, mas aberto, ilimitado e sem compartimento estanques.

A Academia Piauiense de Letras é um exemplo notável dessa função cultural, desse procedimento salutar, dessa postura renovada. A Casa de Lucídio Freitas tem produzido cultura desde que foi fundada. Seus vultos são imortais, porque conseguiram legar uma herança inestimável de cultura.

Não ousarei falar das primeiras gerações de seus membros. Permito-me tecer algumas considerações sobre personalidades de tempos mais recentes, que tive a honra de conhecer pessoalmente. Falo de Simplício Mendes, jurista, desembargador, jornalista e homem de letras, que por muitos anos dirigiu esse sodalício, mantendo acesa a chama do ideal de cultura e de saber. Como presidente da Academia Piauiense de Letras conversou todas as suas conquistas, seus valores e suas tradições.

Depois da morte de Simplício Mendes, sucedeu-lhe esse brilhante intelectual, mestre da língua, filólogo, jornalista, escritor e político, que é o professor Arimathéa Tito Filho, exemplo de honradez, de inteligência e de dedicação à cultura do Piauí.

Sob sua presidência, a Academia Piauiense de Letras ingressou em nova fase, de construção de uma infra-estrutura material e ampliando o patrimônio cultural. Com Arimathéa Tito Filho, a Academia modernizou-se, dinamizou-se e preparou-se para os desafios do próximo século.

Pelas suas publicações, informativos, revistas, tomamos conhecimentos de suas atividades, ora editando livros, ora promovendo concursos literários, seminários, conferencias, além de outras iniciativas que são fundamentais para o enriquecimento cultural do Piauí. Hoje, a vida cultural do Piauí passa necessariamente pela Academia Piauiense de Letras. Nisso, repouso a sua perenidade e a sua vitalidade.

Senhores acadêmicos, permitam-me que estenda o que há de reconhecimento nessa palestra ao bravo povo piauiense, sem o qual nunca teríamos lançado os primeiros alicerces da Casa de Lucídio Freitas.


A. Tito Filho, 27/08/1988, Jornal O Dia